segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

Feliz Natal e um bom ano de 2017

Há uns meses ouvi esta frase ao Padre Josep Font, do movimento “Mambré”: Dios es loco: cuando todo el mundo quiere subir, El baja. Que a teria visto num antigo postal de Natal.

Enviou-me a frase em castelhano e em catalão: Déu és ben boix: quan tothom vol pujar Ell baixa.

Eu traduzi, talvez suavizando um pouco o original: Deus deve estar louco, quando todos querem subir, Ele desce.

Pedi à Isabel Chumbo, professor do IPB, que traduzisse em inglês e o resultado foi: The foolishness of God: when all want to go up, He wants to go down.

A Ana Sousa e Silva, uma grande amiga, fez o desenho que integra estas quatro traduções e o resultado foi a imagem que ilustra este texto.

Um Feliz Natal e um ano de 2017 em que, como Jesus, nos esforcemos por corresponder ao amor de Deus, procuremos mais servir do que ser servidos, cuidar dos mais desfavorecidos em vez de trepar, nem que para isso tenhamos de ser um pouco loucos, aos olhos do mundo.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

A Igreja e a cremação

Foto retirada daqui
Os primeiros cristãos começaram a designar o local de deposição dos mortos como cemitérios. Deixou de ser a necrópole (cidade dos mortos), como acontecia nas culturas grega e latina, para passar a ser o terreno onde os corpos são depositados. Onde é semeado o corruptível para ressuscitar incorruptível, na perspetiva de S. Paulo (Cf. 1 Cor. 15, 42).

Desde então, a Igreja Católica continua a privilegiar a sepultura dos mortos, embora Paulo VI, em 1963, tenha aberto a possibilidade de estes poderem ser cremados por “razões de ordem higiénica, social ou económica”. É o que sucede nas restantes igrejas cristãs, com exceção da Igreja Ortodoxa, que não admite essa prática. O mesmo se passa com os judeus e os muçulmanos.

O Vaticano, através da Congregação da Doutrina da Fé, divulgou esta semana uma instrução em que se reafirma esta práxis e em que aborda as questões em torno da cremação. “A Igreja continua a preferir a sepultura dos corpos uma vez que, assim, se evidencia uma estima maior pelos defuntos; todavia, a cremação não é proibida, a não ser que tenha sido preferida por razões contrárias à doutrina cristã”, refere o documento.

A sepultura dos entes queridos facilita uma leitura do acontecimento da morte mais em sintonia com a perspetiva cristã. Já a cremação pode originar o que o documento denomina “conceções erróneas sobre a morte”: as que a percebam como “o aniquilamento definitivo da pessoa”; “o momento da sua fusão com a Mãe natureza ou com o universo”; “uma etapa no processo da reincarnação”; ou, ainda, “como a libertação definitiva da ‘prisão’ do corpo”.

Por isso, a Igreja admite a cremação, mas propõe que as cinzas sejam sepultadas num cemitério ou num local sagrado. E não admite a “dispersão das cinzas no ar, na terra ou na água” ou que estas sejam conservadas “sob a forma de recordação comemorativa em peças de joalharia ou em outros objetos”.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 28/10/2016)

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

O “Papa Negro”

Papa Francisco com P. Arturo Sosa, Geral dos jesuítas
Foto retirada daqui
Os jesuítas elegeram o venezuelano Arturo Sosa para seu Superior Geral, no último fim de semana. Durante quase cinco séculos de história – completaram no mês de setembro 476 anos de existência – essa função foi sempre desempenhada por europeus e, salvo raras exceções, oriundos da Europa Ocidental.

Desde esta semana, tanto o Papa Francisco como o denominado “Papa Negro”, são oriundos do mesmo continente. Esta designação deve-se ao facto de o Superior Geral dos Jesuítas usar a batina negra própria dos clérigos e ambos receberem um encargo vitalício. Ainda que, como aconteceu com Bento XVI, bem como com os últimos Superiores Gerais, possam renunciar aos seus cargos.

No passado, falava-se destes dois Papas também pelo poder que o Superior Geral detinha dentro da Igreja e fora dela, uma vez que os jesuítas geriam as mais destacadas universidades do mundo e estavam presentes nas principais cortes, nomeadamente como confessores de reis e de rainhas.

Foi o seu poder de influência nas decisões políticas que terá despertado invejas e motivado a perseguição que culminou, em 1773, com a supressão da Companhia de Jesus. Acabaria por ser restaurada em 1814 e, desde então, tornou-se num dos institutos religiosos masculinos com maior número de membros: atualmente tem mais de quinze mil jesuítas, espalhados pelos cinco continentes, com uma particular dedicação ao ensino e à investigação. Apesar de, em muitos contextos, conviverem com as elites, também não esquecem os mais pobres e a atividade missionária nos países mais recônditos.

Arturo Sosa vai liderar esta relevante congregação da Igreja. Contará, certamente, com a cumplicidade do Papa. Para além de ambos serem latino-americanos, une-os uma amizade desenvolvida no interior da Companhia de Jesus, anterior aos cargos que agora desempenham. E partilham a mesma preocupação e empenhamento na luta contra a pobreza.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 21/10/2016)

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Os cardeais de Francisco

Foto retirada daqui
O Papa Francisco anunciou este domingo a criação de 17 novos cardeais no consistório que se realizará a 19 de Novembro, na vigília do encerramento da Porta Santa do Ano da Misericórdia.

Quatro dos cardeais agora nomeados ultrapassaram os oitenta anos, pelo que já não poderão participar na eleição do Papa. Um deles é um sacerdote albanês, perseguido pelo regime comunista que proclamou a Albânia como “o primeiro estado ateu no mundo”. O P. Ernest Simoni, agora com 88 anos, foi sujeito a trabalhos forçados entre 1963 e 1990. O seu testemunho emocionou Francisco durante a visita à Albânia em Setembro de 2014, que agora decidiu conceder-lhe o título cardinalício.

Esta não é uma novidade de Francisco. Já no consistório de 26 de Novembro de 1994, João Paulo II fez cardeal Mikel Koliqi, ele um sacerdote albanês perseguido pelo comunismo.

Com mais esta nomeação de Francisco, continua a verificar-se a tendência de universalização do colégio cardinalício iniciada por Pio XII. Desde então, tem vindo a diminuir o número de cardeais italianos e europeus e a aumentar o dos oriundos de outras geografias. Dos 13 cardeais com menos de 80 anos, três são europeus, três da América Latina, três dos Estados Unidos, dois africanos, um da Ásia e outro da Oceânia. Isto traduz bem a preocupação de Francisco em nomear cardeais dos cinco continentes.

Para além dessa tendência, o Papa continua a não atribuir o barrete cardinalício em função das prerrogativas que determinadas dioceses adquiriram no passado, mas sim pelo perfil pastoral dos bispos escolhidos para receberem essa distinção. Os bispos de Turim e de Veneza, dioceses habituadas a ter um cardeal, voltaram a ser preteridos nas escolhas do Papa.

A lógica de Francisco não é a dos privilégios, por vezes adquiridos no passado a peso de ouro. A sua lógica é pastoral, determinada por uma especial atenção às “periferias”.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 14/10/2016)

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Impostos e Igreja

A Igreja Católica em Portugal não está isenta de impostos como, por vezes, se afirma em público: está isenta de alguns impostos, tal como acontece com os partidos e outras instituições, nomeadamente do IMI de prédios afetos a determinadas atividades. Os sacerdotes católicos também não estão isentos de impostos e, até no exercício do seu múnus sacerdotal, pagam IRS sobre os rendimentos recebidos.

A Doutrina Social da Igreja defende políticas fiscais justas como forma de harmonizar os direitos da propriedade privada com as exigências do bem comum. O documento do Concílio Vaticano II Gaudium et Spes denuncia todos os subterfúgios de éticas de cariz individualista “que promovem a fuga aos impostos e outras obrigações sociais”. Na Evangelii Gaudium o Papa Francisco denuncia mesmo a “corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões mundiais”.

Ainda que alguns impostos – como infelizmente acontece tantas vezes... –  sejam desviados para alimentar clientelas e aumentar certos patrimónios, a Igreja nunca poderá pactuar com esquemas de fuga aos impostos e, muito menos, abençoá-los no seu discurso oficial. Só assim poderá manter a sua autoridade moral intacta para exigir uma justa redistribuição da riqueza, com prioridade às necessidades dos mais pobres.

Em relação ao IMI, se as outras instituições deixarem de estar abrangidas por essa isenção, a Igreja Católica não deverá exigir a sua manutenção para si. Deverá, isso sim, propor ao Estado que a verba daí resultante não se dilua no conjunto dos impostos arrecadados, mas que seja utilizada para ajudar as populações no restauro do seu património e para apoiar os mais desfavorecidos, nomeadamente, ampliando os apoios às IPSS’s que deles se ocupam.

E a Igreja deve – sempre! – pugnar para que sejam implementadas medidas mais eficazes na luta contra a corrupção e a formação de clientelas.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 07/10/2016)

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

Igreja mostra contas

Foto retirada daqui
A Santa Sé está atenta à crise humanitária na Síria e no Iraque. Pela quinta vez reuniram-se, ontem, no Vaticano cerca de quarenta instituições católicas presentes no Médio Oriente. Pela primeira vez, o Papa Francisco abriu os trabalhos, sinal do seu empenhamento pessoal nesta questão. Estiveram também presentes representantes do episcopado da região, das congregações religiosas, os núncios apostólicos na Síria e no Iraque. Acompanharam os trabalhos o secretário de Estado da Santa Sé, cardeal Pietro Parolin e o enviado especial da ONU para a Síria, Staffan de Mistura, e o secretário do Pontifício Concílio “Cor Unum” (organismo promotor do encontro), D. Giampietro Dal Toso.

Esta reunião tinha como objetivo fazer “o balanço do trabalho desenvolvido até agora pelos organismos caritativos católicos no contexto da crise (…), individualizar as prioridades para o futuro, analisar a situação das comunidades cristãs residentes em países afetados pela guerra, promovendo a sinergia entre as dioceses, congregações religiosas e órgãos da igreja”, segundo uma nota de imprensa do “Cor Unum”.

Os doze mil voluntários e profissionais da Igreja Católica presentes no Médio Oriente apoiam mais de quatro milhões de pessoas na região, segundo a mesma nota de imprensa, e no ano de 2015 gastaram mais de 200 milhões de euros. Este ano, só até Julho, já foi despendida quase a mesma verba.

É importante que as instituições da Igreja, também em Portugal e à semelhança do que aconteceu ontem no Vaticano, se reúnam para avaliar as suas iniciativas e projetar o futuro da sua ação social. Devem também divulgar os recursos humanos e financeiros que empregam e a origem destes últimos. Devem fazê-lo, não tanto para fazer propaganda da sua ação e justificar os apoios que recebem, mas, sobretudo, para demonstrar a sua fidelidade ao Evangelho, na opção preferencial pelos mais pobres.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 30/09/2016)

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

As religiões e a paz

Foto retirada daqui
O mundo mudou muito desde que os representantes de várias religiões se reuniram pela primeira vez em Assis, há trinta anos, em torno do Papa João Paulo II. Então rezava-se pelo fim da Guerra Fria e da escalada nuclear que ameaçava destruir o planeta. Agora pede-se o fim da “Terceira Guerra Mundial em pedaços”, como a tem denominado o Papa Francisco.

Mais de 400 líderes religiosos reuniram-se de novo para reavivar o espírito de Assis. Juntaram as suas vozes para condenar os que matam em nome de Deus e testemunhar a sua convicção de que as “religiões são e podem ser fontes de paz”, como disse Andrea Riccardi, da Comunidade de S. Egídio, na abertura do encontro.

Na declaração final conjunta, “homens e mulheres de diferentes religiões” afirmam claramente: “A paz é o nome de Deus. Quem invoca o nome de Deus para justificar o terrorismo, a violência e a guerra, não caminha pela estrada d’Ele: a guerra em nome da religião torna-se uma guerra contra a própria religião. Por isso, com firme convicção, reiteramos que a violência e o terrorismo se opõem ao verdadeiro espírito religioso”.

Tamar Mikalli deu o seu testemunho de como a guerra pôs fim a um bom relacionamento entre pessoas de diferentes credos. “Venho de Alepo, a cidade mártir da Síria. Alepo, quando pronuncio este nome, apertasse-me o coração... Vêm-me à mente tantos amigos muçulmanos e cristãos. Agora há divisões entre cristãos e muçulmanos, mas antes da guerra não existiam… Depois rebentou a guerra, ainda não sei bem porquê. Começaram a chover mísseis que destruíam as casas. Ainda ouço os gritos de um pai, de uma mãe ou os gritos das crianças que procuram os seus pais”.

São testemunhos como este que desafiam a abandonar o “paganismo da indiferença”, que o Papa denunciou em Assis. E estimulam os crentes a serem construtores de paz, no interior das suas comunidades e com os que professam outra fé.

(Texto publicado no Correio da Manhã de236/09/2016)

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Redenção na prisão

Os três reclusos que fazem hóstias na cadeia de Milão, Itália.
Giuseppe (perpétua), Cristiano (condenado a 23 anos) e Ciro (perpétua)
Foto retirada daqui
Não falta quem pense que tudo o que se faz com os reclusos é tempo perdido. Todavia, continua a haver quem acredite que o tempo de reclusão pode transformar-se numa oportunidade de conversão.

Foi com esta convicção que a Fundação “Casa dello Spirito e delle Arti” pôs três reclusos, que cumprem penas pesadas por homicídio, na cadeia de alta segurança de Milão, em Itália, a produzir hóstias. Ciro, Giuseppe e Cristiano, em Abril, levaram pessoalmente ao Papa Francisco doze mil hóstias. “Entregámos ao Santo Padre o fruto do nosso trabalho e da nossa redenção. Jesus, presente com o seu corpo na Eucaristia, mudou o nosso coração e hoje podemos testemunhar a todos que a Misericórdia de Deus é possível para todos, até para quem – como nós – tenha cometido crimes horrendos”, disseram então ao sítio “Vatican Insider”.

Durante o mês de Agosto, as mesmas mãos que antes tiraram a vida, produziram agora dezasseis mil partículas que serão consagradas no Congresso Eucarístico que decorre, desde ontem até domingo, na cidade italiana de Génova.

Hoje, na cadeia de Bragança, conclui-se uma sessão da Novahumanitas, denominada “Descobre-te a ti mesmo…” Esta formação pretende ajudar cada participante “a iniciar um processo de autoconhecimento e de crescimento pessoal que o conduza a uma maior liberdade e plenitude de vida”. É a primeira vez que é ministrada em contexto prisional. Ao longo de quatro dias, guiados por Maria dos Anjos, com os seus “78 anos de juventude acumulada”, homens amargurados e angustiados fizeram a experiência de, talvez pela primeira vez, entrar em si mesmos. Descobriram que, para além dos seus defeitos e falhas, também são habitados por valores e potencialidades. Sentiram o desejo de mudar as suas vidas.

Oxalá o consigam, para que também eles se convertam em testemunhas de que, apesar de tudo o que se possa ter feito, é sempre possível mudar de vida.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 16/09/2016)

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

A santa de Francisco

Foto de Andreas Solaro/AFP retirada daqui
Cada um dos últimos papas tem os seus santos. E estes podem ser considerados o “ponto de referência e uma síntese eficaz da mensagem do Pontífice que os elevou aos altares”.

Esta é a leitura de Andrea Tornelli, vaticanista, para quem “não há dúvida que Madre Teresa de Calcutá é emblemática para o pontificado de Francisco, como o foram, por exemplo, os mártires do Uganda proclamados santos por Paulo VI, ou as canonizações de José Maria Escrivá e da Santa Faustina Kowalska para o pontificado de João Paulo II”. Mas de quem falamos, quando falamos da agora Santa Teresa?

Foi longo o caminho que ela percorreu desde a sua terra natal, então Üsküp, hoje Skopje, capital da Macedônia, até chegar às ruas de Calcutá. Nascida numa família de origem albanesa, desde cedo sentiu o desejo de ser missionária na Índia. Passou pela Irlanda, onde entrou numa congregação religiosa e aprendeu inglês. Quando já era diretora e professora num colégio de meninas ricas em Calcutá, abandonou o conforto do convento para recolher moribundos abandonados nas sarjetas, o que lhe valeu o epíteto de “santa das sarjetas”.

Foi então que fundou a congregação das Missionárias da Caridade, que se dedicaram, nas suas palavras, “aos famintos, aos nus, aos que não têm lar, aos aleijados, aos cegos, aos leprosos, toda essa gente que se sente inútil, não amada ou desprotegida pela sociedade, gente que se converteu num fardo para a sociedade e que é rejeitada por todos”.

O Papa Francisco destacou, na missa da canonização, a “sua missão nas periferias das cidades e nas periferias existenciais permanece, nos nossos dias, como um testemunho eloquente da proximidade de Deus junto dos mais pobres entre os pobres”. Nesta santa confluem duas das principais preocupações do Papa: os mais pobres; e “a Igreja em saída” para as periferias. Por isso, Madre Teresa é a santa à imagem de Francisco.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 02/09/2016)

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

O Papa e o Facebook

Papa Francisco recebe Mark Zuckerberg
Foto retirada daqui
O papa Francisco recebeu Mark Zuckerberg, o fundador e CEO da rede social Facebook. Conversaram sobre “como usar as tecnologias de comunicação para aliviar a pobreza, promover uma cultura do encontro e fazer com que uma mensagem de esperança possa chegar especialmente às pessoas mais necessitadas”, refere um comunicado do porta-voz da Santa Sé.

O Papa já assumiu que não sabe utilizar o computador e que o seu aparelho preferido é a rádio, porque só tem dois botões, um para sintonizar e outro para o volume. Mesmo assim, avalia como positivas as redes sociais e a Internet para a vivência da fé. O que não o impede de as considerar envoltas em muitos perigos e riscos, em sintonia aliás com a reflexão que a Igreja tem produzido sobre esta temática desde 2002, o ano em que foram publicados os primeiros documentos dedicados especificamente à relação entre a Igreja e a Internet e à “ética na rede”.

Na mensagem para o dia mundial das comunicações de 2014 o Papa reconhecia que a “Internet pode oferecer maiores possibilidades de encontro e de solidariedade entre todos; e isto é uma coisa boa, é um dom de Deus”. E já na mensagem deste ano lembrou que “as redes sociais são capazes de favorecer as relações e de promover o bem da sociedade, mas podem também levar a uma maior polarização e divisão entre as pessoas e os grupos”.

Todos os meios de comunicação social, e particularmente as novas tecnologias, provocam duas reações típicas no seio da Igreja: uns reagem liminarmente à sua utilização e realçam os seus perigos; outros aderem a eles de forma ingénua, inconsciente e acrítica. Ora, a melhor atitude em relação às novas tecnologias e à Internet deverá situar-se algures entre a condenação moralista e a excessiva confiança. Tal como tem feito o Papa, deve promover-se a serena consciência das suas oportunidades e uma atitude vigilante em relação aos seus riscos.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 02/09/2016)

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

O Papa do sorriso

João Paulo I
Foto retirada daqui
Comemoram-se, hoje, os 38 anos da eleição do cardeal Albino Luciani para Papa. Em homenagem aos antecessores João XXIII e Paulo VI, os Papas do Concílio, adotou o nome de João Paulo. Para comemorar esta data, é inaugurado um museu a ele dedicado, na sua terra natal, Canale d'Agordo, na região de Veneza, em Itália.

Nas vésperas da sua eleição o cardeal Aloísio Lorscheider, arcebispo de Fortaleza, no Brasil, definia numa entrevista o que deveria ser o perfil do futuro Papa: “Um homem de esperança… Deveria ser sensível aos problemas sociais, aberto ao diálogo… Deveria ser, acima de tudo, um bom pastor…” Albino Luciani correspondia a este perfil e os cardeias elegeram-no convictos que ele iria dar continuidade às reformas introduzidas pelo Concílio Vaticano II e renovar a Cúria Romana.

O museu hoje inaugurado, segundo o Vatican Insider, para além de reunir objetos que ajudam a conhecer melhor João Paulo I, procura também situá-lo no contexto em que nasceu e onde desenvolveu a sua personalidade, dar a conhecer as suas raízes. O catolicismo da região em que Luciani cresceu era, nos finais do século XIX e princípios do século XX, “tudo menos retrógrado”. E parece ter sido também determinante para a sua sensibilidade às questões sociais o convívio com o pai, que era operário e um socialista convicto.

O curto pontificado – apenas 33 dias – não lhe permitiram introduzir na Igreja as reformas que pretendia, mas bastou para demonstrar que era uma pessoa bem-humorada e que não se submetia ao protocolo vaticano. Gostava de contar anedotas e entabulava diálogo com os jovens e crianças nas audiências papais.

Ficou para a história como o “Papa do Sorriso”. Foi precursor de muitas das práticas que se tornaram habituais com o atual Papa. Infelizmente, não conseguiu implementar muitas das mudanças que – já então, há 38 anos... – se percebiam como urgentes.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 26/08/2016)

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

O bispo polémico

El Salvador vive um ano jubilar – que se iniciou no dia 15 de Agosto, dia em que o seu bispo mártir, Óscar Romero, completaria 99 anos de idade – que se encerrará no mesmo dia do próximo ano, no centenário do seu nascimento.

O então arcebispo de San Salvador foi assassinado durante a celebração da Eucaristia, a 24 de Março de 1980, por um esquadrão da morte, com ligações ao poder político de direita que, então, governava aquele país. Dadas as circunstâncias da sua morte, foi transformado num símbolo dos ideais das esquerdas latino-americanas.

Na verdade, Óscar Romero não se enquadra nas classificações políticas de esquerda ou de direita, de conservador ou progressista, como demonstra Roberto Morozzo della Rocca na biografia elaborada a partir de uma séria investigação histórica, publicada o ano passado.

Pela sua fidelidade à tradição da Igreja, pode erroneamente ser classificado como conservador. Devido ao seu entusiasmo com a renovação promovida pelo Concílio Vaticano II, e à denúncia de situações de pobreza e exploração, poderá ser  considerado como progressista. De facto, no exercício da sua missão episcopal, tanto agradou como desagradou a uns e outros. E ele sabia-o bem.

Poucos dias antes da sua morte, a 30 de Janeiro, confidenciou a um cardeal amigo, em Roma: “Vou ser morto, não sei se pela esquerda, se pela direita”. Este episódio é referido por Andrea Riccardi, fundador da Comunidade de Santo Egídio, no prefácio à refeirida bibliografia. Este, em vez de o tentar classificar, prefere realçar: “Romero foi um bispo e um amigo dos pobres. Na realidade, os pobres eram o centro das suas preocupações, pois reconhecia neles a misteriosa presença do Senhor. A vizinhança dos pobres foi a bússola da sua vida”. 

Esta bússola levou-o a afirmar numa homilia que a missão da Igreja é identificar-se com os pobres. “Assim a Igreja encontra a sua salvação", disse.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 19/08/2016)

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Concórdia hospitalar

Irmão Fiorenzo Priuli (à esquerda)
Foto de Bruno Zanzottera/Parallelozero
Os líderes do Daesh convencem os seus seguidores a imolarem-se e a semear o terror em nome de Deus. O Papa Francisco, na viagem à Polónia, denunciou as verdadeiras motivações do que se pretende fazer crer que é uma “guerra de religiões”. Na verdade, o que está a acontecer é uma “guerra de interesses”, uma “guerra pelo dinheiro”, uma “guerra pelos recursos da natureza”, uma “guerra pelo domínio dos povos”. E concluiu: “Todas as religiões, queremos a paz. A guerra querem-na os outros”.

Felizmente há pessoas autenticamente religiosas que dão o testemunho de uma sadia convivência entre credos diferentes. O sítio “Vatican Insider” relata, esta semana, o caso de um hospital na cidade de Tanguiéta, no Benim, em África, que “une cristãos e muçulmanos”.

Foi fundado em 1970 pela Ordem Hospitaleira de S. João de Deus, um santo português. Começou a funcionar com apenas 82 camas. Hoje disponibiliza 415 para doentes de todos os credos e oriundos até dos países vizinhos. Tornou-se num centro universitário e impôs-se como um “polo de excelência da medicina africana”.

Apesar de se tratar de uma instituição católica, os trezentos profissionais de saúde professam convicções religiosas diversas. E, assim, “dão um importante testemunho ao mundo, comprovam que a fraternidade e a mútua compreensão são possíveis”, como disse ao “Vatican Insider” o Irmão Fiorenzo Priuli, cirurgião e diretor do hospital. Este irmão hospitaleiro desenvolveu um bom relacionamento pessoal com o anterior e o atual califa de Kiota (cidade do Níger, a 700 quilómetros de Tanguiéta). “Não se trata de uma simples amizade entre dois homens, mas de uma amizade que envolve a população, que é a primeira testemunha e a primeira beneficiária”, realça o califa Moussa Aboubacar.

São exemplos destes que ajudam a vencer, em relação aos muçulmanos, os receios e as desconfianças que os ataques terroristas fomentam.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 12/08/2016)

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

O Papa cumpre

Phyllis Zagano, defensora da ordenação de mulheres
Foto da Universidade de Hofstra 
O Papa Francisco não se comporta como alguns líderes políticos. As promessas que faz são para cumprir. As suas palavras não são de circunstância, têm consequências.

No passado dia 12 de Maio, perante as superiores das congregações religiosas reunidas em Roma, assumiu o compromisso de criar uma comissão para estudar se, no passado, as mulheres já terão sido ordenadas diaconisas. Outras igrejas cristãs já deram esse passo, com base na convicção de que na Igreja primitiva elas teriam sido ordenadas, nomeadamente na administração do batismo a senhoras. Esta terça-feira o Papa nomeou a comissão que fará esse estudo e poderá abrir a possibilidade da ordenação de mulheres na Igreja Católica.

Desde o início do seu pontificado Francisco tem-se empenhado em promover o papel da mulher e a sua participação nas instâncias de decisão da Igreja. Já disse que essa dignificação da mulher não passa necessariamente pelo acesso à ordenação. Contudo, apesar de não ser essa a sua opinião, não só não se opõe a que o assunto seja debatido, como ele próprio promove esse debate.

A comissão que irá fazer o estudo tem uma composição curiosa. Dos 12 elementos que a constituem, metade estão ligados a instituições romanas e os outros são provenientes de diversos organismos espalhados pelo mundo. Os peritos escolhidos pelo Papa, são também em igual número de homens e de mulheres.

Porém, mais extraordinário do que a sua constituição paritária, é o facto de o Papa ter escolhido para a integrar uma mulher que tem defendido argumentos sérios para a ordenação das mulheres. Trata-se de Phyllis Zagano, professora de espiritualidade na universidade americana de Hofstra, em Hempstead, Nova Iorque.

Com esta nomeação, o Papa Francisco dá um sinal claro de que prefere ouvir e dialogar, até com os que pensam de forma diferente da sua. Nem os ignora, nem tenta calar a sua voz no seio da Igreja.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 05/08/2016)

sexta-feira, 29 de julho de 2016

“Je suis prêtre”

O ataque a uma igreja em França e o assassinato do padre Jacques Hamel culmina uma série de atentados a símbolos da cultura francesa e ocidental.

O primeiro, desta série, atingiu o Charlie Hebdo e foi lido como um ataque à imprensa satírica e à liberdade de expressão. Levou muitas pessoas a declararem-se “Je suis Charlie”. Seguiu-se-lhe o ataque a um concerto rock e a um jogo de futebol (este falhado), dois símbolos da diversão que congrega multidões. Ambos tiveram uma cuidada planificação – e uma clara ligação ao Daesh.

Já o ataque de Nice partiu da iniciativa de alguém transtornado que os terroristas muçulmanos se apressaram a reivindicar, apesar de em nada terem contribuído na sua planificação e execução, a não ser fornecer inspiração. Acabou, mesmo assim, por atingir dezenas de pessoas que festejavam o dia nacional de França, celebrando os valores da fraternidade, igualdade e liberdade: os valores da revolução francesa, os quais, curiosamente, estiveram na génese da última grande perseguição religiosa na Europa, com a morte de muitos religiosos e a profanação de igrejas. Também em Portugal, nas lutas liberais e na implantação da República, se passaram coisas semelhantes.

Apesar da consternação que provocou a morte de um sacerdote em plena celebração, em algo que ultrapassou o ataque à liberdade religiosa, não se verificou nenhum movimento de pessoas a declararem-se “Je suis prêtre” (eu sou padre) ou “Je suis catholique”. Na verdade, houve muito maior solidariedade e indignação pela violação da liberdade de expressão do que agora neste ataque ao que os árabes consideram um símbolo da sociedade ocidental.

Os ocidentais não se reveem na maior das suas religiões. E têm mesmo pudor em declarar, nem que seja por solidariedade, “Eu sou católico”. É um sinal dos tempos numa cultura que rejeita as suas raízes e até se envergonha em manifestar a sua fé.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 29/07/2016)

sexta-feira, 22 de julho de 2016

A porta-voz do Papa

O Papa Francisco já reconheceu por diversas vezes que a mulher é marginalizada na Igreja e tem-se empenhado em corrigir esta situação. Por isso, tem introduzido algumas inovações, de carácter simbólico, em tradições multiseculares. Foi o caso de admitir mulheres no lava-pés ou a promoção a festa da celebração litúrgica de S. Maria Madalena, que acontece hoje pela primeira vez.

Na Igreja, as celebrações litúrgicas podem ter quatro categorias. As datas com menor relevância são celebradas como memória facultativa – o celebrante pode mencioná-las ou não; as que têm uma relevância maior são memória obrigatória para todo o mundo. Há ainda a classificação de “festa”, para as celebrações mais importantes, e de “solenidade”, para as datas mais significativas para os católicos, como celebrar S. Pedro e S. Paulo, o Corpo de Deus ou o Natal. S. Maria Madalena foi elevada de memória obrigatória à categoria de festa.

Recentemente, o Papa tomou outra decisão que promove a mulher no seio da Igreja. Para substituir o diretor da Sala da Imprensa da Santa Sé, o P. Federico Lombardi, escolheu dois jornalistas: o norte-americano Greg Burke, como diretor, e a espanhola Paloma García Ovejero, como vice-diretora. Pela primeira vez, uma mulher vai desempenhar as funções de porta-voz do Papa.

Esta nomeação, para além de trazer uma mulher para a primeira linha da comunicação institucional da Igreja, revela a preocupação da Santa Sé em se expressar, não só em italiano, mas também nas duas principais línguas do catolicismo: o inglês (a língua franca do mundo contemporâneo) e o espanhol (a língua mais falada pelos católicos no mundo).

Nesta geometria linguística ficou de fora o português. Uma pena, porque o país com mais católicos é o Brasil (125 milhões) e o país mais católico do mundo é Timor-Leste (97% da população) – e ambos falam português. Esperemos que o Papa corrija esta falta.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 22/07/2016)

sexta-feira, 15 de julho de 2016

A fé do treinador

Fernando Santos, selecionador nacional de futebol
Foto: Carlos Barroso, retirada 
daqui
Na conferência de imprensa da final do Euro 2016, Fernando Santos, o selecionador nacional de futebol, surpreendeu os jornalistas ao ler um texto antes de responder às suas questões. Esse texto foi escrito quando muitos criticavam a seleção e desconfiavam do seu sucesso. Nessa altura, todavia, ele continuava a acreditar e escreveu o discurso da vitória.

Nas suas primeiras palavras agradeceu a Deus a vitória. Refere todos os que contribuíram para ela e as pessoas que lhe são mais próximas. Termina a dedicar a vitória a Jesus Cristo e à sua Mãe e a agradecer-lhe por “ter sido convocado” e por lhe ter sido concedido “o dom da sabedoria, perseverança e humildade para guiar esta equipa e Ele a ter iluminado e guiado”.

É frequente muitos dos protagonistas do desporto rei terem gestos religiosos, como o sinal da cruz ao entrar em campo, e até agradecerem a Deus os seus sucessos. Contudo é muito raro ouvir-se testemunhar a fé com a clareza e a profundidade de Fernando Santos. As suas palavras não foram de circunstância, antes o resultado de uma vivência interior profunda que soube transmitir com verdade. Não foi pelo que disse, nem pela forma, mas pela sua autenticidade que recolheu os aplausos dos que assistiam.

Ficou também bem patente a sua leitura crente dos acontecimentos. Como crente, acredita que Deus lhe confiou a missão de conduzir a seleção nacional. Que não o abandonou, mesmo quando muitos dele desconfiavam. E, por isso, é com humildade que Fernando Santos recolhe o sucesso e o converte num voto de tom jesuítico: “Espero e desejo que seja para glória do Seu nome”. O lema proposto por S. Inácio de Loiola aos jesuítas é: “Ad maiorem Dei gloriam” (Para maior glória de Deus).

A Igreja Católica precisa de mais crentes que consigam dar testemunho da sua fé, desta forma autêntica e esclarecida, no púlpito dos meios de comunicação social.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 15/07/2016)

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Bento revolucionário

Papa Francisco e o Papa Emérito Bento XVI
Foto retirada daqui
O Papa Francisco deu uma entrevista ao jornal argentino “La Nación”. Nela aborda sobretudo questões que interessam aos leitores do seu país. Rejeita ter um relacionamento tenso com o presidente argentino. E fala da polémica receção no Vaticano de uma das mães da Praça de Maio, que no passado criticou duramente o então cardeal Bergoglio.

A entrevista coincidiu com a celebração dos 65 anos de ordenação sacerdotal de Bento XVI. Por isso, deste lado do Atlântico, o que mereceu maior destaque foi a forma carinhosa como o Papa se referiu ao seu antecessor e como o classificou a sua renúncia.

“Foi um revolucionário (…). É de louvar o seu desprendimento. A sua renúncia expôs todos os problemas da Igreja. A sua abdicação não teve nada que ver com nada pessoal. Foi um ato de governo, o seu último ato de governo”, disse o Papa acerca de Bento XVI.

Quando ainda perdura na opinião pública (e na publicada...) a imagem conservadora e até retrograda do cardeal Ratzinger, é o próprio Papa que o considera um pontífice avançado. Mas, mais relevante do que isso, foi ter destacado a principal virtualidade da sua resignação: o seu desprendimento obrigou a Igreja a confrontar-se com a podridão que campeava no seu interior. Esse tratamento de choque, não só permitiu o advento de Francisco, como facilitou a sua intervenção em ordem à reforma da Cúria Romana e da Igreja no seu todo.

Com estas palavras de Francisco, a histórica resignação de Bento XVI ganhou o um novo sentido. Mais do que uma desistência, ou o reconhecimento de uma incapacidade para promover a reforma, trata-se de um verdadeiro ato promotor da renovação da Igreja.

A forma como o Papa Francisco trata e considera o seu antecessor, bem como a forma como este tem exercido a sua condição de Papa emérito – dizem bem da enorme estatura destes dois homens. Em vez de se atrapalharem, apoiam-se e promovem-se reciprocamente.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 08/07/2016)

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Vaticano e os pobres

Foto retirada daqui
O Papa Francisco dedica aos mais pobres uma atenção privilegiada. Na Evangelii Gaudium escreveu: “O Papa ama a todos, ricos e pobres, mas tem a obrigação, em nome de Cristo, de lembrar que os ricos devem ajudar os pobres, respeitá-los e promovê-los” (nº58).

No mesmo texto adverte que “o crescimento equitativo exige algo mais do que o crescimento económico, embora o pressuponha – requer decisões, programas, mecanismos e processos especificamente orientados para uma melhor distribuição dos rendimentos, para a criação de oportunidades de trabalho, para uma promoção integral dos pobres que supere o mero assistencialismo”.

Em sintonia com o Papa, o Pontifício Conselho Justiça e Paz promoveu, em 2014, um congresso para refletir sobre o investimento ao serviço do bem comum, na linha da Evangelii Gaudium. “A solidariedade com os pobres e com os excluídos estimulou-vos a refletir sobre uma forma emergente de investimento responsável, conhecida como Impact Investing”, disse então o Papa aos congressistas. E desafiou-os a “estudar formas inovadoras de investimento, que possam proporcionar benefícios às comunidades locais e ao ambiente circunstante”.

Durante esta semana reuniram-se no Vaticano académicos, políticos e clérigos para estudar o impacto dos investimentos no combate à pobreza. Este ano pretende-se aprofundar “como a Igreja Católica e outras instituições religiosas podem canalizar o resultado dos investimentos para sustentar a sua própria missão social”. E, também, como “ desenvolver estratégias para captar investimentos privados em ordem a servir os mais pobres e os mais vulneráveis”, disse o cardeal Peter Turkson, presidente da Justiça e Paz.

É importante que a Igreja, em relação à pobreza, vá vencendo a tentação do “mero assistencialismo”. E que saiba encontrar novas formas para financiar e gerir a luta contra as suas causas estruturais.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 01/07/2016)

sexta-feira, 24 de junho de 2016

O Papa e os presos

Papa Francisco na prisão de Ciudad Juarez, México
Foto retirada daqui
Há uma tendência para esconder as realidades que incomodam, como é o caso do envelhecimento ou da delinquência. Os idosos são “despejados” nos lares de terceira idade, os presos são amontoados em estabelecimentos prisionais – e por lá são esquecidos.

O Papa Francisco, contudo, não os esquece. E expressou o seu desejo de “incentivar todos a trabalhar, não somente pela abolição da pena de morte, mas também pelo melhoramento das condições de detenção, para que respeitem plenamente a dignidade humana das pessoas privadas de liberdade”. Disse-o numa vídeo-mensagem dirigida aos participantes num congresso mundial contra a pena de morte que terminou ontem em Oslo, na Noruega.

Em Portugal, por exemplo, as condições dos reclusos têm vindo a melhorar. No Estabelecimento Prisional de Bragança, onde sou assistente espiritual, o balde foi substituído por casas de banho nas celas e houve outras notórias melhorias. Mas muito há ainda a fazer.

Um dos principais problemas é a sobrelotação das cadeias. A 15 de Junho deste ano, segundo os dados da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, a taxa de ocupação situava-se nos 112,4%. Enquanto entre nós se verifica a necessidade de ampliar ou construir novas instalações prisionais, noutros países estas estão a ser encerradas, como acontece na Suécia e na Noruega. Aí encontraram-se outras formas de aplicar a justiça e apostou-se no acompanhamento dos que saem em liberdade.

Em Portugal, porém, há reclusos que rejeitam a saída em liberdade porque não têm para onde ir. Durante a sua reclusão nada os prepara para a vida cá fora e, muitas vezes, acabam por regressar ao mundo do crime e, mais tarde, à prisão.

É por isso imperativo apostar na prevenção. É crucial aplicar penas alternativas à prisão. E é obrigatório acompanhar, séria e empenhadamente, os que saem em liberdade. Só é justo quem tenta ajudar o seu semelhante a melhorar.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 24/06/2016)

sexta-feira, 17 de junho de 2016

O Euro e a paz

Reflexões dos bispos europeus sobre a paz mundial
Foto retirada daqui
Como é normal, o Europeu de Futebol em França domina as atenções dos europeus. Mas muitas outras coisas acontecem para além dos jogos de futebol. Fora dos campos têm marcado a atualidade os desacatos entre claques, as ameaças terroristas, o assassinato de dois polícias e, a contrastar com tudo isto, a saudável confraternização entre adeptos de Portugal e da Islândia.

O Euro deveria ser uma festa das nações europeias em torno do futebol. Infelizmente, há quem aproveite estes acontecimentos para semear a violência e o terror. Será sempre de realçar, por isso, quando povos tão distantes e diferentes como o islandês e o português gostam de se misturar num estádio e confraternizam entre si.

A comunidade europeia foi sonhada precisamente para promover a paz e prevenir a guerra no Velho Continente. Contudo, enquanto decorre este Euro, ventos de desagregação varrem a Europa. Os partidos eurocéticos crescem em quase todos os países. Os europeístas convictos não conseguem reinventar o projeto europeu. A Grécia esteve à beira de sair da construção europeia e, agora, é o Reino Unido que a poderá abandonar.

Cientes disto, os bispos europeus, reunidos em Bruxelas no início desta semana, renovaram a sua profissão de fé numa Europa unida e solidária. Em ordem à promoção da paz mundial, os bispos defenderam um maior investimento na prevenção da escalada da violência; uma paz enraizada no respeito pela dignidade da pessoa e da diversidade; e um maior investimento na segurança das pessoas, de forma a que estas possam permanecer nos seus países.

As reflexões dos bispos estão vertidas num documento que termina com 21 “recomendações” concretas, nas quais não é esquecido o papel fundamental que as igrejas e as religiões podem desempenhar na construção da paz. É um documento que os líderes europeus deveriam ler e refletir. A construção europeia tem de ser relançada.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 17/06/2016)

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Bispo dos sem-terra

D. Pedro Casaldáliga bispo emérito de São Félix do Araguaia, Brasil
Foto retirada daqui
Pedro Casaldáliga é um daqueles homens admirado por muitos e odiado por outros tantos. Este catalão, hoje com 88 anos, foi enviado para o Brasil, para a floresta amazónica, fundar uma missão claretiana em 1968. Acabou por ser nomeado por Paulo VI bispo de São Félix do Araguaia, em Mato Grosso. Defensor de uma “democracia participativa”, submeteu a escolha do Papa a uma assembleia local constituída por religiosos e leigos. E só após a anuência desta aceitou a nomeação.

Na sua ordenação episcopal, a 23 de outubro de 1971, em vez da mitra própria dos bispos usou um chapéu de palha dos agricultores. Para báculo escolheu um bastão de madeira, típico dos indígenas tapirapé do Mato Grosso. Preferiu um anel usado pelos escravos, feito de uma semente de tucum, uma palmeira da Amazônia, a um de ouro ou prata. E, tal como o atual Papa, não habitou no palácio episcopal.

Defensor dos sem terra e dos mais pobres, depressa arranjou inimizades entre os latifundiários e junto da ditadura militar. Recebeu inúmeras ameaças de morte, mas nada o demoveu de continuar a defender os oprimidos e a lutar pela justiça. Fê-lo também através de inúmeros poemas que foi publicando ao longo dos anos. Pelas causas em que se empenhou, foi logo classificado como de esquerda e como revolucionário.

Esta semana foi apresentada em Madrid uma obra que reúne uma seleção dos seus textos, nas suas três línguas: português, castelhano e catalão. Nessa circunstância, disse-se que ele não era “nem de direita nem de esquerda”, mas “um homem intrépido”, para quem “se há algo irrenegociável é o Evangelho”. Há dias, em Lisboa, o P. António Spadaro, questionado sobre se o Papa Francisco era revolucionário, respondeu: “Revolucionário é o Evangelho”.

Homens como Casaldáliga ou o Papa Francisco não são revolucionários. São é fiéis aos valores do Evangelho de Jesus Cristo. E não se vergam a nada, nem a ninguém.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 10/06/2016)

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Humor e fé

Fernando Ventura, Graça Morais e Maria Rueff no CACGM
Foto: Jornal Nordeste
Em Bragança, no Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, falou-se de Arte, Humor e Fé. Estiveram à conversa sobre este tema a própria pintora Graça Morais, o frade franciscano Fernando Ventura e a atriz Maria Rueff.

Graça Morais falou da influência da sua educação religiosa na pintura que produz. Tem obras em que é evidente o diálogo e o confronto entre o sagrado e o profano, outras em que transparecem elementos religiosos como a Pietá. E ainda outras que se inspiram em certas manifestações religiosas, como as procissões.

Maria Rueff, apesar de já ter recebido prémios pelo desempenho de papéis dramáticos, ainda é mais conhecida como cómica. Testemunhou as fricções que, por vezes, há entre a fé e o humor. Sobretudo quando o humorismo sobre temas religiosos é entendido como um “rir de” e não como “um rir com”.

Frei Fernando Ventura, com o recurso ao bom humor, ajudou por seu lado a desconstruir a ideia de que o bom sermão é o que faz chorar. Fê-lo no encontro com a pintora e a atriz e também no dia seguinte, na missa dominical da paróquia de Sto. Condestável, em Bragança. Nos dois momentos desafiou as pessoas a olhar nos olhos os seus vizinhos, depois a sorrir, de seguida a dizer “eu gosto de ti”, para culminar em “eu amo-te”. Foi surpreendente perceber que muitos não conseguiram, nem da boca para fora, dizer ao vizinho do lado – “Eu amo-te”. Quanto mais vivê-lo na vida de cada dia!

O bom sermão seria, então, aquele que levasse a pessoa a experimentar a felicidade de ser amado por Deus e desafiá-la a sair de si para fazer o outro mais feliz. Para isso é essencial ter a capacidade de olhá-lo nos olhos, de sorrir e de amá-lo.

A missa dominical não deveria ser sentida, portanto, como uma obrigação. Deve ser antes a celebração de que os cristãos necessitam para recarregar as baterias da felicidade para, durante a semana, irradiarem alegria e amor nos ambientes que frequentam.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 03/06/2016)

sexta-feira, 27 de maio de 2016

O ateu e o bispo

Marco Panella e o arcebispo Vicenzo Paglia
Foto retirada daqui
A amizade pode surgir entre pessoas que militam em campos diametralmente opostos, com opções nada compatíveis. As quais, todavia, não os impedem de desenvolver uma admiração e uma estima recíprocas.

A morte do fundador do líder do Partido Radical italiano de extrema-esquerda, Marco Panella, veio tornar mais conhecida uma dessas amizades improváveis. Um homem que se definia a si mesmo como “radical, socialista, liberal, federalista europeu, anticlerical, anti proibicionista, antimilitarista, não violento e gandhiano” era amigo do arcebispo Vicenzo Paglia, o atual Presidente do Pontifício Conselho para a Família. A quem até admitia que rezasse por ele.

Uma estranha amizade entre um libertino que defendia o divórcio a eutanásia ou a despenalização do aborto e um clérigo que se opõe frontalmente a tudo isso. Entre um ateu declarado e um crente confesso, mas que convergiam na defesa dos direitos humanos. E, cada um a seu modo, declaravam ter um espírito religioso.

D. Vicenzo Paglia reconheceu, numa entrevista ao “Corriere della Sera”, que apesar das divergências em algumas opções políticas, até o admirava por “gastar a vida em função dos ideais em que acreditava”. Algo que até levou o Papa Francisco a “apreciá-lo”. Um sentimento que era recíproco.

“Escrevo-te do meu quarto no último andar, perto do céu, para te dizer que, na realidade, eu estive contigo em Lesbos, quando abraçavas a carne torturada daquelas mulheres, daquelas crianças, e daqueles homens que ninguém quer acolher na Europa”, dizia Marco Panella, numa carta escrita na cama do hospital e entregue pelo amigo arcebispo ao Papa. Terminava essa carta com a expressão carinhosa italiana: “Ti voglio bene davvero tuo Marco” (Quero-te, muito, de verdade, o teu Marco).

Estas palavras, para além do afeto pelo Papa, demonstram bem que, para lá de tudo o que os separava, os unia a predileção pelos mais desprezados.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 27/05/2016)