sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Nas mãos do Papa

Papa na missa de Encerramento do Sínodo dos Bispos
Foto ANSA retirada daqui
O Sínodo dos Bispos chegou ao fim. A forma como decorreram os trabalhos, e os problemas que estiveram em cima da mesa, têm permitido as mais diversas leituras. Muitas delas reduzem o Sínodo ao confronto entre duas posições antagónicas: conservadores e progressistas. Parece que a abordagem mais correta é a da existência de dois pequenos grupos mais “extremistas” e uma grande maioria ao centro, tentando esta aproximar esses dois extremos para evitar cismas e encontrar soluções o mais consensuais possíveis para a Igreja. Esta é a convicção de um padre sinodal, revelada pelo sítio espanhol “Religión Digital”, sem contudo referir a sua identificação.

Esse ambiente de um amplo consenso transparece no Relatório Final do Sínodo. Todos os parágrafos foram aprovados com uma maioria qualificada de dois terços. Apenas alguns mereceram uma oposição maior – e todos eles se encontram no capítulo que aborda o “acompanhamento pastoral da família”. Alguns foram rejeitados por vinte por cento dos padres sinodais. São os parágrafos dedicados às situações familiares mais complexas dos dias de hoje. É neles que se aborda, também, o problema do acolhimento à homossexualidade.

Para além desses, apenas três parágrafos estiveram muito próximos de não passarem. São os que referem a necessidade de discernir e de promover a integração dos divorciados recasados, apesar do acesso aos sacramentos nunca ter sido referido explicitamente.

Por mais que se tente dizer que neste Sínodo se abordaram muitas outras questões, foram estas, de facto, que o marcaram. E, perante elas, há pelo menos vinte por cento dos bispos que se opõem a uma mudança, como se viu. E muitos mais experimentam algum desconforto em relação ao acolhimento dos divorciados recasados e dos homossexuais.

Tal como se previa desde o início, o Sínodo não conseguiu encontrar “soluções exaustivas para todas as dificuldades e dúvidas que desafiam e ameaçam a família”, como reconheceu o Papa Francisco no encerramento dos trabalhos. Mas, mesmo assim, permitiu que fossem abordadas “sem medo e sem esconder a cabeça na areia”. Ficou claro que não haverá substanciais mudanças doutrinais, mas a linguagem e a práxis pastoral terá de se adequar às circunstâncias particularmente difíceis das famílias de hoje.

Em resumo: está nas mãos do Papa promover essa mudança, eventualmente através de uma Exortação Apostólica.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 30/10/2015)

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

A cultura e as Missões

Foto retirada daqui
Uma Igreja que não escuta as preocupações e inquietações dos seus contemporâneos, que não dialoga com o mundo e não tem uma palavra nova para lhes transmitir está a trair a sua primordial missão. “Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura” (Mc. 16, 15), é o primeiro e principal encargo que Jesus Ressuscitado confia aos seus discípulos na manhã de Páscoa. Num primeiro momento eles ficam fechados no Cenáculo, mas, após receberem a força do Espírito Santo, segundo Lucas, vencem então o medo e começam a anunciar Jesus Cristo morto e ressuscitado à multidão.

Desde então, a tarefa missionária é a mais importante e decisiva para a vida da Igreja. Para sublinhar esta característica – e todos os fiéis puderem refletir sobre esta realidade e dar o seu contributo – o terceiro domingo de outubro é celebrado como o Dia Mundial das Missões.

Ainda hoje, tal como aconteceu com os apóstolos, a Igreja sente o medo de sair e até de se deixar contaminar pelo mundo. Isso tem, aliás, levado o Papa Francisco a apelar continuamente a uma “Igreja em saída”, que vá ao encontro das “periferias existenciais e geográficas”. No passado, a Igreja permitiu que a sua atividade missionária servisse de justificação para a conquista, colonização e destruição de culturas ancestrais, como aconteceu, sobretudo, na América Latina e em África. Felizmente, a Igreja foi evoluindo na sua forma evangelizar.

“Hoje, a missão enfrenta o desafio de respeitar a necessidade que todos os povos têm de recomeçar das próprias raízes e de salvaguardar os valores das respetivas culturas. Trata-se de conhecer e respeitar outras tradições e sistemas filosóficos e de reconhecer a cada povo e cultura o direito de fazer-se ajudar pela própria tradição na compreensão do mistério de Deus e no acolhimento do Evangelho de Jesus, que é luz para as culturas e força transformadora das mesmas”, adverte o Papa Francisco na mensagem para o Dia Mundial das Missões deste ano.

Há quinhentos anos achava-se normal que se impusesse a nossa cultura aos povos conquistados. Esperemos que não sejam precisos tantos anos para se perceber o disparate que é abandonarmos as nossas ancestrais tradições para assumir outras, como por exemplo o “Halloween”, que já aí vem...

(Texto publicado no Correio da Manhã de 23/10/2015)

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

A Igreja e as eleições

D. António Marto
Foto: Fatima.pt retirada daqui
O futuro político do país está dependente das decisões dos líderes políticos, particularmente de António Costa, que determinarão se teremos um governo de esquerda ou de direita. Os bispos portugueses acompanham estes tempos “de uma certa incerteza e ansiedade em todo o país”, como os classificou D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima e vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa. E pediu aos políticos “para que, neste processo, manifestem uma profunda responsabilidade que os leve a colocar o interesse nacional acima de todos os interesses partidários”.

Já em relação à opção concreta por um governo de esquerda ou de direita, embora não seja uma questão “indiferente” e em que “cada um terá a sua opinião” – segundo o P. Manuel Barbosa, porta-voz da Conferência Episcopal – os bispos não se comprometem com nenhuma das soluções. Limitam-se a apelar à estabilidade governativa “porque o país está em primeiro lugar, tal como o interesse comum”.

Nesta posição estão em perfeita sintonia com os ensinamentos dos últimos Papas. “A Igreja não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política”, escrevia Bento XVI na Encíclica “Deus caritas est” (nº 28). “No diálogo com o Estado e com a sociedade, a Igreja não tem soluções para todas as questões específicas. Mas, juntamente com as várias forças sociais, acompanha as propostas que melhor correspondam à dignidade da pessoa humana e ao bem comum. Ao fazê-lo, propõe sempre com clareza os valores fundamentais da existência humana, para transmitir convicções que possam depois traduzir-se em ações políticas”, pode ler-se no nº 224 da “Evangelii Gaudium” do Papa Francisco.

No mesmo texto, o Papa diz: “Às vezes interrogo-me sobre quais são as pessoas que, no mundo atual, se preocupam realmente mais com gerar processos que construam um povo do que com obter resultados imediatos que produzam ganhos políticos fáceis, rápidos e efémeros, mas que não constroem a plenitude humana. A história julgá-los-á” (nº 224).

Para o bem do povo português, deseja-se que a intensa atividade política a que se tem assistido, e as decisões que venham a ser tomadas, não sejam corrompidas por um qualquer estéril e fútil tacticismo político-partidário. A história encarregar-se-á de julgar.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 16/10/2015)

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

O início do Sínodo

Primeiro "briefing" do Sínodo da família
Da esquerda para a direita:
Bruno Forte, Vingt-Trois, Péter Erdo e Federico Lombardi
Foto: LaPresse, retirada daqui
Os principais responsáveis pela condução dos trabalhos do Sínodo dos Bispos procuraram baixar as expectativas em relação aos resultados dessa reunião magna do episcopado mundial, que decorre no Vaticano desde o passado domingo até ao dia 25 deste mês.

No início dos trabalhos o cardeal Peter Erdö, relator geral do Sínodo, sublinhou o valor da “indissolubilidade do matrimónio proposta pelo próprio Jesus Cristo”, pelo que vê com dificuldade o acesso dos divorciados recasados aos sacramentos. Contudo, essa não é a única questão que será debatida, mas muito outras, organizadas em três grandes áreas temáticas: a escuta dos desafios sobre a família; o discernimento da vocação familiar; a missão da família hoje. São estes os três capítulos do “Instrumentum Laboris” que resultou da reflexão do último Sínodo e que constituem o ponto de partida do que agora se iniciou.

“Se viestes a Roma com a ideia de uma mudança espetacular da doutrina, regressareis desiludidos”, disse aos jornalistas no final do primeiro dia o responsável pela condução dos trabalhos, cardeal Vingt-Trois. Contudo, “este Sínodo não se reúne para não dizer nada”, afirmou na mesma conferência de imprensa o secretário especial do Sínodo, o arcebispo Bruno Forte.

Na abertura dos trabalhos do Sínodo o Papa Francisco colocou as balizas para a reflexão, não deixando de desafiar os padres sinodais: “Recordo que o Sínodo não é um congresso, ou um ‘parlatório’, não é um parlamento ou um senado, onde se procura o consenso”. Para o Papa, este deve ser um espaço em que a Igreja procura “ler a realidade com os olhos da fé”. Em que se questiona “sobre a fidelidade ao depósito da fé”, o qual não é “um museu para olhar ou salvaguardar, mas é uma fonte viva em que a Igreja sacia a sede para saciar e iluminar o depósito da vida”. Ou seja, o Sínodo deve ser fonte de inspiração para dialogar com o mundo contemporâneo e responder às suas questões.

Mesmo quem não conhece em profundidade a Igreja Católica, não deve esperar que esta, de repente, reescreva a doutrina que foi consolidando no seu seio ao longo de dois milénios. O que se deve aspirar – e já será um grande salto – é que as formulações doutrinais se adequem aos tempos atuais e deem resposta aos seus problemas.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 09/10/2015)

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Igreja, Direita e Esquerda

Papa fala aos jornalistas no avião
Foto retirada daqui
A classificação dos líderes da Igreja como de direita ou de esquerda, conservadores ou progressistas, habitualmente não é ajustada. Não só por na política partidária serem cada vez mais difusas as diferenças entre a esquerda e a direita. Mas, sobretudo, porque os responsáveis eclesiásticos têm de, por um lado, ser fiéis à tradição da Igreja – e por isso conservadores –, e, por outro lado, de ser fiéis ao dinamismo do Evangelho, o que os obriga a atualizar a doutrina às circunstâncias concretas de cada tempo – e, por isso, a ser progressistas.

O Papa Francisco tem sido aplaudido à esquerda, quando critica o sistema capitalista, ou apela à ecologia, ou se preocupa com os divorciados recasados e os homossexuais. E é aplaudido à direita quando defende a família ou condena a legalização do aborto. Na sua última viagem ao continente americano acabou por, de certa forma, desiludir os ditos conservadores e progressistas, por não se deixar acantonar em nenhum dos polos. Para os primeiros não foi suficientemente contundente na condenação do aborto e dos casamentos homossexuais. Já para os segundos terá sido muito suave na abordagem do problema dos homossexuais católicos ou do papel da mulher na Igreja.

No voo entre Cuba e os Estados Unidos, foi mesmo questionado se era “esquerdista” e até católico. Ao que ele respondeu: “Não disse nada além do que está na Doutrina Social da Igreja.” Esclareceu depois que o matrimónio continua a ser indissolúvel. Não há divórcio católico, apesar de ter simplificado o processo de declaração de nulidade dos casamentos na Igreja. Nestas posições alguns leram um virar à direita.

Na verdade, ele não é de esquerda nem de direita, mas alguém que quer responder às questões que afetam e preocupam os homens e mulheres de hoje. Como são o acolhimento aos divorciados recasados e aos homossexuais, ou o papel da mulher na Igreja.

Para dar resposta a estes e outros problemas, o Papa quer que se reflita, se discuta e que, à luz do Evangelho e em conformidade com a tradição da Igreja, se encontrem as soluções adaptadas aos dias de hoje. Apesar de ter pedido isso à Igreja, nomeadamente na preparação do próximo Sínodo dos Bispos, ainda se nota pouco essa preocupação no interior das organizações católicas...

(Texto publicado no Correio da Manhã de 02/10/2015)