sábado, 30 de janeiro de 2016

As religiões e a Paz

O encontro do Papa Francisco com Hassan Rohani
Foto REUTERS/Andrew Medichini/Pool, retirada daqui
O Jubileu da Misericórdia desafia a Igreja a sair de si e a construir pontes de entendimento com as outras religiões monoteístas. “A misericórdia possui uma valência que ultrapassa as fronteiras da Igreja. Ela relaciona-nos com o judaísmo e o islamismo, que a consideram um dos atributos mais marcantes de Deus”, escreveu o Papa Francisco na Bula de convocação do ano jubilar.

Já nos vamos habituando a que tudo o que o Papa diz e escreve é acompanhado por gestos concretos para traduzir o seu pensamento. Ainda antes da convocação do Jubileu protagonizou diversas iniciativas de encontro e diálogo com as outras religiões. De entre todos, talvez o mais marcante tenha sido o abraço aos seus dois amigos – o judeu Abraham Skorka e o muçulmano Ombar Abboud – na visita à Terra Santa.

No contexto do Ano da Misericórdia, na semana passada, visitou a Sinagoga de Roma. É a terceira vez que um Papa visita esse templo. Entretanto, foi convidado formalmente a visitar a maior Mesquita sunita da Europa, situada em Roma. Embora, os últimos Papas já tenham estado em vários templos muçulmanos será a primeira vez que o Romano Pontífice visitará a Mesquita da sua cidade.

Pode-se também incluir no âmbito do diálogo inter-religioso a audiência concedida ao presidente iraniano, o xiita Hassan Rohani. Mesmo sendo um encontro entre os chefes de estado do Vaticano e do Irão foi-o também um encontro entre dois clérigos, um cristão e católico e outro muçulmano e xiita. Por isso, não é de estranhar que tenha sido sublinhada “a importância do diálogo inter-religioso e a responsabilidade das comunidades religiosas na promoção da reconciliação, da tolerância e da paz”, como refere o comunicado da Santa Sé.

Quando o nome de Deus é invocado, indevidamente, para fazer a guerra, é importante que os líderes religiosos se encontrem e se comprometam na promoção da paz entre diferentes religiões.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 29/01/2016)

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

Os pobres em Davos

Foto retirada daqui
Os mais destacados líderes políticos e empresários do mundo refletem sobre a “quarta revolução industrial”. Em Davos, uma pequena localidade dos alpes suíços, decorre o 46º Fórum Económico Mundial, que se iniciou na quarta e termina amanhã. A primeira revolução industrial foi provocada pela máquina a vapor, a segunda pela eletricidade e a terceira pela eletrónica e robótica. A quarta desenvolve-se devido à combinação de diversos fatores e das tecnologias digitais.

Numa mensagem dirigida ao Fórum, o Papa Francisco defende “a necessidade de criar novos modelos empresariais que, enquanto promovem o desenvolvimento de tecnologias avançadas, sejam capazes também de utilizá-las para criar trabalho digno para todos, manter e consolidar os direitos sociais e proteger o meio ambiente”.

O Papa aproveitou ainda para apelar aos mais ricos e poderosos do mundo que não esqueçam os mais pobres. E mais uma vez ergueu a sua voz para denunciar a “cultura do descarte” e da indiferença perante a exclusão e o sofrimento de tantas pessoas, em todo o mundo. “Não devemos permitir jamais que a cultura do bem-estar nos anestesie” Desafiou os que têm nas mãos os destinos do mundo “a garantir que a vinda da ‘quarta revolução industrial’, os efeitos da robótica e das inovações científicas e tecnológicas não levem à destruição da pessoa humana – ao ser substituída por uma máquina sem alma – nem à transformação do nosso planeta num jardim vazio para deleite de poucos escolhidos”.

Na verdade, uma economia e uma tecnologia que não colocam a pessoa humana no centro das suas preocupações, rapidamente resvalam para uma “economia que mata” e uma tecnologia que gera ainda mais exclusão social. O Papa deseja que o Fórum contribua para corrigir essa tendência e promova “a defesa e salvaguarda da criação” e um “progresso que seja mais saudável, mais humano, mais social, mais integral”.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 22/01/2016)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

Papa e refugiados

Foto Lusa retirada daqui
A Santa Sé mantém relações diplomáticas com cento e oitenta estados soberanos, dos cerca de duzentos que existem no mundo, de acordo com a página oficial do Vaticano. Mas, mais importante do que o número, é a qualidade do serviço diplomático que a Igreja desenvolve pelo mundo. Ainda recentemente se viu o resultado desse trabalho no reatar das relações entre os Estados Unidos e Cuba.

No início desta semana o Papa Francisco, no seu discurso anual aos embaixadores, garantiu que “a Santa Sé não deixará jamais de trabalhar para que a voz da paz possa ser ouvida até aos últimos confins da terra”. Aproveitou a oportunidade para denunciar, uma vez mais, o problema dos que se vêem obrigados a abandonar a sua terra pelos mais diversos motivos, entre os quais destacou a perseguição religiosa.

Recordou que “toda a Bíblia nos conta a história duma humanidade a caminho” e que até Jesus, segundo o Evangelho, foi um refugiado no Egito. Para o Papa, na génese da crise humanitária que se vive na Europa, está o individualismo e “a arrogância dos poderosos que instrumentalizam os fracos, reduzindo-os a objetos para fins egoístas ou por cálculos estratégicos e políticos”. 

Para resolver esta crise é necessário pôr em causa “hábitos e práticas consolidadas, a começar pelas problemáticas relacionadas com o comércio dos armamentos, até ao problema da conservação de matérias-primas e energia, aos investimentos, às políticas de financiamento e apoio ao desenvolvimento, até à grave chaga da corrupção”. E, para ele, é necessário também implementar “projetos de médio e longo prazo que ultrapassem a resposta de emergência”, que promovam a integração dos refugiados e, ainda mais importante, “o desenvolvimento dos países de origem com políticas solidárias” para estancar os fluxos migratórios.

Nada disto será fácil de conseguir. Mesmo com o auxílio da diplomacia da Santa Sé...

(Texto publicado no Correio da Manhã de 15/01/2016)

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

A reforma continua…

Foto retirada daqui
O Papa Francisco, na apresentação das saudações natalícias aos membros da Cúria Romana, no final do ano passado, apareceu cansado e engripado. Por isso, em vez de falar de pé, como habitualmente, pediu desculpas e falou sentado. Fez, mesmo assim, um discurso vigoroso e determinado. E afirmou que “a reforma prosseguirá com determinação, lucidez e ardor, porque Ecclesia semper reformanda”.

Desta vez, porém, não foi tão contundente como em 2014, quando elencou as quinze tentações da Cúria que desta vez recordou como o “catálogo das doenças curiais”. Reconheceu, agora, que “nem as doenças, nem mesmo os escândalos, poderão esconder a eficiência dos serviços que a Cúria Romana presta ao Papa e à Igreja inteira, com desvelo, responsabilidade, empenho e dedicação, sendo isso motivo de verdadeira consolação”. E frisou que “seria uma grande injustiça não expressar sentida gratidão e o devido encorajamento a todas as pessoas sãs e honestas que trabalham com dedicação, lealdade, fidelidade e profissionalismo”.

Aos que trabalham na Cúria, bem como a “todos aqueles que querem tornar fecunda a sua consagração ou o seu serviço à Igreja”, o Papa propõe doze “antibióticos curiais”. A lista, em italiano, é um acróstico, em que a primeira letra de cada um dos antibióticos formam a palavra Misericórdia.

A lista completa é: Missionariedade e pastoreação, Idoneidade e sagacidade, Espiritualidade (Spiritualità em italiano) e humanidade, Exemplaridade e fidelidade, Racionalidade e amabilidade, Inocuidade e determinação, Caridade e verdade, Honestidade (Onestà) e maturidade, Respeito e humildade, “Dadivosidade” e atenção, Impavidez e prontidão, Fiabilidade (Affidabilità) e sobriedade.
Para a letra D o Papa propõe mais um neologismo: com a “Dadivosidade” ele quer traduzir a capacidade, não só de dar, mas também e sobretudo de se dar e estar atento aos que precisam.

O Papa adverte que este não é um “catálogo das virtudes” exaustivo. E apela a todos os que trabalham na Cúria “a aprofundá-lo, enriquecê-lo e completá-lo”. É seguramente um bom instrumento para todos os que têm responsabilidades na Igreja fazerem o exame de consciência à sua atuação e forma de estar.

A todos, votos de um feliz 2016, que se anuncia reformista para a vida da Igreja.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 08/01/2016)