sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Igrejas sem povo

Homilia do Papa Francico no santuário de N. Sra. da Caridade
Foto retirada daqui
A visita do Papa a um país permite dar a conhecer a forma como nele se vive, celebra e mantém a fé, por vezes em contextos bem adversos à prática religiosa. Este é o caso de Cuba. Na última missa presidida pelo Papa Francisco no santuário de Nossa Senhora da Caridade, em Cobre, perto de Santiago de Cuba, estiveram presentes membros de “comunidades sem templo”. São cristãos a quem estava vedada a construção de uma igreja, os quais, devido à falta de clero, se congregam em torno de missionários leigos.

Durante a homilia, o Papa referiu as circunstâncias em que o cristianismo se tem mantido naquela ilha e o contributo de tantos para que não se apague a chama da fé. “A alma do povo cubano foi forjada por entre dores e privações que não conseguiram extinguir a fé; aquela fé que se manteve viva, graças a tantas avós que continuaram a tornar possível, na vida diária do lar, a presença viva de Deus; a presença do Pai que liberta, fortalece, cura, dá coragem e é refúgio seguro e sinal de nova ressurreição. Avós, mães e tantas outras pessoas que, com ternura e carinho, foram sinais de visitação, como Maria, de valentia, de fé para os seus netos, nas suas famílias. Mantiveram aberta uma fenda, pequena como um grão de mostarda, por onde o Espírito Santo continuou a acompanhar o palpitar deste povo”, disse.

Enquanto em Cuba a fé mantém-se mesmo sem igrejas, na Europa fecham-se igrejas por falta de fiéis, devido à diminuição da população e da prática religiosa. No início deste ano o “Wall Street Journal” abordou a questão do encerramento e venda das igrejas na Europa. Nesse artigo dizia-se que em Inglaterra fecham cerca de vinte igrejas anglicanas por ano – e que, nos últimos dez anos, a Igreja Católica na Alemanha desativou mais de quinhentas. Na Holanda, onde as perspetivas são mais negativas, prevê-se que sejam encerradas cerca de mil igrejas católicas nos próximos dez anos, mais setecentas protestantes.

Entre nós ainda se têm inaugurado algumas igrejas, sobretudo nas cidades. Contudo, devido à falta de clero, têm cada vez menos celebrações. Com o despovoamento e o envelhecimento que se tem verificado, sobretudo no interior do país, algumas aldeias irão desaparecer e as suas igrejas irão fechar e, provavelmente, ser vendidas.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 25/09/2015)

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

O Papa e os jovens

Foto retirada daqui
O Papa Francisco, no encontro com os bispos portugueses, em Roma, na visita “Ad limina”, chamou a atenção para a “debandada da juventude” que, “na idade em que lhe é dado tomar as rédeas da vida nas suas mãos”, se afastam da Igreja.

Em Portugal, para além de se preocuparem com o abandono da prática religiosa, têm também de se interrogar sobre os inúmeros jovens, altamente qualificados, que estão a sair do país. Para além disso, sobretudo no interior, são cada vez mais as comunidades que quase não têm jovens nem crianças.

Em relação aos que sobram, faz todo o sentido refletir sobre as questões que o Papa propôs aos bispos portugueses, desafiando-os a encontrar formas de atrair os mais novos à Igreja. “A juventude deixa, porque assim o decide? Decide assim, porque não lhe interessa a oferta recebida? Não lhe interessa a oferta, porque não dá resposta às questões e interrogativos que hoje a inquietam? Não será simplesmente porque, há muito, deixou de lhe servir o vestido da Primeira Comunhão, e mudou-o? É possível que a comunidade cristã insista em vestir-lho?”

Para além de questionar as razões que levam os jovens a afastar-se da prática religiosa, o Papa alerta para que não sejam tratados como crianças. Não se pode pretender atraí-los para os domesticar, mas deve-se aproveitar o seu dinamismo para renovar e dinamizar as comunidades cristãs. Tem de se integrar a sua irreverência, o seu desejo de fazer diferente e a sua maneira própria de celebrar a fé. Que, muitas vezes, não se coaduna nem com as tradições, nem com os hábitos das gerações mais velhas.

Os jovens afastam-se pelas mais variadas razões, mas também por não encontrarem pessoas que os ajudem a descobrir a novidade e até a irreverência do Evangelho de Jesus Cristo. “Hoje a nossa proposta de Jesus não convence. Eu penso que, nos guiões preparados para os sucessivos anos de catequese, esteja bem apresentada a figura e a vida de Jesus; talvez mais difícil se torne encontrá-Lo no testemunho de vida do catequista e da comunidade inteira que o envia e sustenta”, disse o Papa aos bispos.

O desafio deixado pelo Papa, não se dirige só aos bispos, aos catequistas, mas a todos os cristãos adultos que se devem esforçar por dar um testemunho que cative e atraia a juventude.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 18/09/2015)


sexta-feira, 11 de setembro de 2015

O "simplex" papal

O Papa Francisco simplificou o processo para a declaração da nulidade de um matrimónio e pediu que passasse a ser gratuito.

Para o tornar mais célere, conferiu maiores responsabilidades aos bispos de cada diocese, podendo eles próprios julgar os pedidos mais evidentes. Mais importante ainda, aboliu a obrigatoriedade de uma dupla sentença positiva. Até agora, para um casamento ser declarado nulo, tinha de obter o aval do tribunal eclesiástico da diocese em que era introduzida a causa e do tribunal da diocese metropolita. Caso o primeiro dissesse que sim e o segundo que não, então transitava para Roma, que resolveria a questão. Com a legislação agora aprovada pelo Papa, se ninguém recorrer na primeira instância, o casamento é automaticamente declarado nulo.

No caso português, depois de um processo passar nas respetivas dioceses, tinha de ir para Braga, metropolita das dioceses do norte, Lisboa, do centro e ilhas, ou Évora, das do sul. Com o acumular de processos nessas dioceses, os esposos tinham de esperar vários anos, e de gastar muito dinheiro, para conseguirem a sua almejada pretensão. Em Espanha pode mesmo demorar entre quatro e cinco anos a ser despachada uma anulação – e custa cerca de cinco mil euros, segundo o sítio "Religión Digital". No nosso país pode demorar mais tempo e ficar ainda mais dispendioso.

Preocupado com a situação das pessoas que vivem afastadas dos sacramentos  devido à morosidade da justiça eclesiástica, ou por não terem dinheiro para introduzir a causa de nulidade, o Papa decidiu legislar para que esta possa ser declarada num mês e de forma gratuita. Não se trata de promover ou facilitar o divórcio, nem de anular os casamentos católicos, mas de declarar nulo com maior rapidez e de forma gratuita o que nunca existiu e que, por isso, não pode continuar a atormentar a vida das pessoas. Trata-se de colocar a lei ao serviço das pessoas.

Com esta legislação, a um mês do Sínodo dos Bispos, o Papa dá um sinal claro aos padres sinodais para se concentrarem nos casos em que o casamento não foi nulo, mas que, por diversos motivos, falhou. Para esses espera-se que o Sínodo encontre uma resposta que não continue a manter os crentes afastados dos sacramentos, mas os reintegre plenamente na vida da Igreja.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 11/09/2015)

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

O Papa do perdão

No Ano da Misericórdia a porta da cela é Porta Santa
Foto retirada daqui
O Papa Francisco tem proposto um discurso inclusivo acompanhado por gestos de atenção a tantos que são excluídos e habitualmente esquecidos. O jubileu extraordinário da Misericórdia, que se iniciará no dia 8 de Dezembro, é mais um desses gestos. O Papa pretende que a experiência do perdão de Deus seja feita por todos durante o ano jubilar. Numa carta dirigida terça-feira ao arcebispo Rino Fisichella, presidente do Pontifício Conselho para a promoção da nova evangelização diz claramente que “este Ano Jubilar da Misericórdia não exclui ninguém” e deseja que seja “um verdadeiro momento de encontro com a misericórdia de Deus” e uma ocasião para todos experimentarem “a sua ternura”.

A carta refere também os peregrinos que farão a experiência de peregrinação às Portas Santas em Roma, ou nas diversas dioceses do mundo, sem esquecer os que não a puderem fazer “sobretudo os doentes e as pessoas idosas e sós”.

Francisco lembra-se igualmente dos reclusos “que experimentam a limitação da sua liberdade”: também eles podem acolher as graças do Ano Santo. “Nas capelas dos cárceres poderão obter a indulgência, e todas as vezes que passarem pela porta da sua cela, dirigindo o pensamento e a oração ao Pai, que este gesto signifique para eles a passagem pela Porta Santa, porque a misericórdia de Deus, capaz de mudar os corações, consegue também transformar as grades em experiência de liberdade”.

O Papa está convencido que “o perdão de Deus não pode ser negado a quem quer que esteja arrependido, sobretudo quando, com coração sincero, se aproxima do Sacramento da Confissão para obter a reconciliação com o Pai”. Por isso, durante o Jubileu da Misericórdia concede a todos os sacerdotes “a faculdade de absolver do pecado de aborto quantos o cometeram e, arrependidos de coração, pedirem que lhes seja perdoado”. Habitualmente o perdão desta pecado grave está reservado ao bispo ou ao sacerdote que ele designar para esse efeito.

Como são diferentes esta e outras atitudes do Papa! Em vez de colocar barreiras ou entraves a quem se quer abeirar da Igreja, prefere abrir as portas para acolher e sanar as feridas de tantos que deambulam pelas “periferias existenciais e geográficas”. Um Papa que se preocupa mais em incluir do que em excluir ou excomungar.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 04/09/2015)