domingo, 30 de março de 2014

A Igreja e a pedofilia

Foto retirada de Portal Um
O Papa Francisco deu mais um passo significativo na forma como a Igreja lida com o problema da pedofilia no seu seio. No passado sábado nomeou oito elementos para a Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores que tinha anunciado no dia 5 de Dezembro de 2013.

O escândalo da pedofilia abriu feridas profundas e insanáveis nas vítimas. Manchou o rosto da Igreja na passagem do II para o III milénio. Pôs a nu comportamentos inadequados das autoridades eclesiásticas, como reconheceu Bento XVI em 2010, numa Carta Pastoral aos bispos irlandeses. Até ao final do século XX o procedimento habitual da hierarquia católica era tudo fazer para abafar o escândalo e, quando muito, transferia o sacerdote acusado de paróquia ou de encargo pastoral.

Em 2001 começou a mudar a sua atuação. Por determinação de João Paulo II, o abuso sexual de um menor perpetrado por um clérigo passou a fazer parte da lista dos delitos graves reservado à Congregação para a Doutrina da Fé, obrigando os bispos a comunicar os casos detetados nas suas dioceses desde que existissem provas desses delitos.

Bento XVI pediu às Conferências Episcopais, em 2010, que definissem diretrizes claras a aplicar logo que surgissem suspeitas de comportamentos pedófilos. Estas deveriam ter em conta o apoio às vítimas, a proteção dos menores, a formação dos futuros sacerdotes e religiosos, o acompanhamento dos clérigos e, ainda (o aspeto mais surpreendente), a colaboração com as autoridades civis.

A Conferência Episcopal Portuguesa aprovou essas diretrizes em Abril de 2012. Nelas são tidas em consideração todas as recomendações papais. Agora, ao nomear os primeiros elementos para a Pontifícia Comissão, o Papa Francisco, para além de dar continuidade ao caminho percorrido pelos seus antecessores no combate à pedofilia, centra a atenção da Igreja nas vítimas.

Com estas nomeações, de quatro homens e quatro mulheres, o Papa revela argúcia política – escreve John Allen, num texto no jornal “The Boston Globe” – e responde às duas principais críticas que tem recebido. A primeira é a de nada ter feito no combate à pedofilia. A segunda é a de, embora defendendo a importância da mulher na Igreja, continuar a rejeitar a sua ordenação.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 28/03/2014)

domingo, 23 de março de 2014

Resistências ao Papa

Papa Francisco na varanda de S. Pedro após a eleição
Foto: REUTERS/Osservatore Romano tirada de Euronews
Há um ano achava-se que a “lua-de-mel” do Papa não duraria tanto tempo. Mas doze meses após o início do seu ministério como Bispo de Roma, continua em alta a sua popularidade mediática.

Em Junho de 2012 a Santa Sé escolheu Greg Burke, um jornalista norte-americano que era correspondente da televisão “Fox News”, para assessorar a Secretaria de Estado do Vaticano na área da comunicação social. Tendo iniciado essa função com Bento XVI, continua a desempenhá-la com o atual Papa. Contudo, não será só ao seu trabalho que se deve o sucesso mediático do Papa Francisco: o próprio Burke reconheceu numa entrevista ao jornal italiano “Corriere della Sera” que ele é “politicamente incorreto”, mas tem revelado uma grande capacidade para comunicar as suas ideias aos fiéis. E ironiza: “As imagens do Papa deviam ter um aviso como os maços de cigarros – 'Perigo! Este homem pode mudar a sua vida'”.

São inúmeros os testemunhos em todo o mundo de pessoas que se deixaram contagiar, ao longo deste ano, pelo já denominado “efeito Francisco” – e voltaram à Igreja e à prática religiosa.

Ao fim de um ano “a dita lua-de-mel com as pessoas continua, sinal de que não era uma simpatia efémera” gerada pelo novo Papa e pelos seus gestos surpreendentes, escreveu Andrea Riccardi, um estudioso da História da Igreja Moderna e Contemporânea, num texto de opinião na revista italiana “Famiglia Cristiana”. No entanto “verificam-se resistências nos episcopados e no clero” ao discurso e gestos do Papa Francisco, adverte no mesmo texto. E numa entrevista ao “Vatican Insider” esclareceu que essas resistências provêm, sobretudo, daqueles setores que “não suportam uma menor insistência da pregação papal nos temas éticos”. E provêm também dos que têm responsabilidades no governo da Igreja, que se sentem postos em causa pela maneira como Jorge Bergoglio tem exercido o seu ministério. São aqueles a quem as pessoas questionam: “Porque não faz como o Papa?”

Ao longo destes doze meses, quem de nós, a quem foi confiada uma missão na vida da Igreja, não se questionou sobre os seus procedimentos, hábitos e rotinas, ao constatar o que o Papa diz e faz? Só se não prestámos a devida atenção às suas atitudes e palavras...

(Texto publicado no Correio da Manhã de 21/03/2014)

domingo, 16 de março de 2014

O cardeal que queria ser pároco de aldeia

Foto retirada do blogue "Actualidade Religiosa"
De entre as qualidades de D. José Policarpo, é reconhecido por quase todos o seu fulgor intelectual e a atitude dialogante com o mundo, a cultura e as outras crenças. A sua inteligência brilhante terá sido determinante para ter sido escolhido para ir aprofundar os seus conhecimentos teológicos na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma.

A sua passagem por Roma, entre 1966 e 1970, acontece quando a Igreja vivia a efervescência provocada pelo “aggiornamento” do Concílio Vaticano II, encerrado menos de um ano antes, a oito de Dezembro de 1965. Não é de estranhar que, neste contexto de abertura da Igreja ao mundo contemporâneo, tenha escolhido para tema da sua tese de doutoramento em Teologia Dogmática um conceito chave do Concílio: “Os sinais dos tempos”. Ao longo desse trabalho científico procurou provar que a “Igreja deve estar atenta à história dos homens e captar nela sinais positivos do Reino de Deus, porque uma sociedade justa não está apenas presente na realidade explícita do Cristianismo, mas acontece também na vida dos homens”.

Desde então desempenhou importantíssimas tarefas, tanto na diocese de Lisboa, como na Igreja portuguesa e universal. O seu vigor intelectual e o percurso académico fizeram dele um intelectual destacado e, segundo D. Anacleto, bispo de Viana do Castelo, uma “figura incontornável”, não só da igreja portuguesa, mas também da cultura lusófona, reconhecido dentro e fora do país. Era uma voz ouvida e muito considerada em vários organismos da Santa Sé, de que fez parte.

O seu percurso de vida acabou por afastá-lo daquela que era a sua aspiração quando entrou no seminário: ser pároco de aldeia. À época, e ainda hoje, os alunos mais brilhantes são escolhidos para desempenhar cargos no governo central das dioceses e raramente têm oportunidade de desempenhar essa missão, muitas vezes considerada pouco relevante e prestigiante.

Com a atenção que o Papa Francisco tem dedicado às periferias e às realidades menos conceituadas, espera-se que essa perspetiva se altere e comece a ser valorizado no curriculum dos futuros bispos essa experiência pastoral. Essa já é, e pode ser cada vez mais, uma dimensão fundamental da vida das dioceses.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 14/03/2014)

domingo, 9 de março de 2014

A Ucrânia e a religião

Homenagem aos heróis de Maidan (Foto retirada daqui)
A crise política na Ucrânia tem merecido destaque noticioso e provocado as mais diversas análises e comentários. Trata-se de uma realidade política, social e económica multifacetada e, também, religiosamente complexa.

Em termos religiosos, a maioria dos ucranianos (cerca de 80%), declaram-se ortodoxos. Mas estão filiados em três patriarcados distintos. Cerca de metade vive a sua fé em união como o Patriarca de Kiev; um quarto está unida ao Patriarca Russo de Moscovo; e a restante forma o Patriarcado Ucraniano Autocéfalo.

Logo a seguir aos ortodoxos aparecem os católicos, que representam dez por cento da população. Destes, a maioria (8%) são greco-católicos do rito oriental; e os outros seguem o rito latino. Pertencem todos à Igreja Católica e estão unidos ao Papa, mas os primeiros mantêm uma espiritualidade e uma forma de celebrar mais próxima da Igreja Ortodoxa. Disciplinarmente também existem pequenas diferenças: no rito oriental, por exemplo, existem padres casados.

Para além de católicos e ortodoxos, cerca de dois por cento da população é protestante e menos de um por cento professa a fé judaica.

Neste contexto, não é fácil o diálogo ecuménico entre os diferentes credos cristãos. Durante a crise ucraniana, contudo, este mosaico religioso uniu-se na defesa da paz. Procurou, por um lado, influenciar os líderes políticos para que encontrassem formas de evitar o deflagrar da violência. E, por outro lado, todas as igrejas e tradições religiosas, estiveram presentes e acompanharam os manifestantes na Praça da Liberdade de Kiev. Os greco-católicos, pela sua presença e apoio aos manifestantes, foram mesmo ameaçados pelo poder, entretanto destituído, de virem a ser ilegalizados. Para Sviatoslav Shevchuk, arcebispo greco-católico, a Igreja, embora não participando “no processo político, não se pode retirar quando os seus fiéis lhe pedem ajuda espiritual. Estar com os fiéis é um dever do sacerdote”.

Nesta como noutras crises e problemáticas políticas, as igrejas, não se devendo imiscuir na política partidária, têm de defender de forma intransigente os direitos humanos. Esse é, aliás, o seu primeiro contributo para a promoção da paz social e da liberdade. 

(Texto publicado no Correio da Manhã de 07/03/2014)

domingo, 2 de março de 2014

Igreja recupera os divorciados

Cardeal Walter Kasper foto retirada de IHU
A agenda do Papa no final da semana passada e início desta foi dominada pela temática da família.

Segunda e terça-feira desta semana reuniram com o Papa o relator geral e o secretário do Sínodo dos Bispos, respetivamente, o cardeal Peter Erdo, arcebispo de Budapest, e D. Bruno Forte, arcebispo da diocese italiana de Chieti e Vasto. Analisaram as respostas ao inquérito papal sobre a família, vindas de todo o mundo, e elaboraram uma primeira síntese. Nela transparece a “voz da Igreja”, a qual manifesta a “urgência de anunciar o Evangelho da família com novo impulso e modalidade”, bem como “os desafios e dificuldades associados à vida familiar e as suas eventuais crises”, diz um comunicado da Santa Sé relativo à reunião.

Dias antes, os cardeais refletiram sobre o matrimónio, o problema dos divorciados e a anulação dos casamentos. No início do Consistório que decorreu até sábado, o cardeal Walter Kasper propôs uma reflexão teológica sobre o matrimónio católico. Apesar de o próprio ter afirmado numa entrevista que “a questão dos divorciados em segunda união não estará no centro das minhas conferências”, foi essa a questão que mereceu maior destaque nos média.

Não pondo em causa a doutrina oficial da Igreja sobre a indissolubilidade do matrimónio, abordou essa problemática e defendeu que é preciso explorar novos caminhos. Terá mesmo proposto que as pessoas que se encontram nessa situação, depois de reconhecerem o seu fracasso e de cumprirem um percurso penitencial, possam ser readmitidos à confissão e à comunhão.

O Papa Francisco felicitou Kasper pela sua exposição e deu, assim, um sinal claro que está aberto a que se altere a práxis em relação aos divorciados a viverem uma nova união. É evidente que a Igreja não vai deixar de propor o ideal de uma família estável gerada a partir de um compromisso para toda a vida. Contudo, não pode continuar insensível ao drama daqueles a quem é vedado o acesso aos sacramentos, pelo facto de o seu matrimónio ter falhado e de terem reconstruido a vida com outra pessoa.

Não será uma tarefa fácil, mas, ao que parece, conta com o apoio do Papa que solicita uma “pastoral inteligente, corajosa e cheia de amor” para a família.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 28/02/2014)