quarta-feira, 16 de abril de 2025

Um relato da Ressurreição pouco eficaz

Aparição de Jesus Cristo a Maria Madalena, de Alexander Andreyevich Ivanov (1835)
Os discípulos de Jesus acreditaram que ele os libertaria do domínio romano. Porém, ele acabou por ser sentenciado à morte na cruz por esse mesmo poder. Na manhã de Páscoa, os apóstolos estão desiludidos e até regressam às suas anteriores ocupações: só quando se dá a Ressurreição eles fazem uma releitura dos acontecimentos que viveram e a sua vida transforma-se completamente. Agora, acreditam que nem o sofrimento nem a morte são a última palavra sobre a vida humana. E assumem a missão de o anunciar a todos.

É surpreendente a forma como os evangelistas relatam esse acontecimento que está na génese do cristianismo. São as mulheres as primeiras testemunhas da ressurreição! Não era a escolha útil para dar maior credibilidade aos seus relatos, dado que naquele tempo o seu testemunho nem era aceite pelos tribunais.

Deus, por seu lado, também não se esforçou em dar uma maior eficácia à Ressurreição. Em vez de aparecer a algumas mulheres e a um grupo de seguidores que se dispersaram às primeiras dificuldades, poderia ter aparecido a outras personagens que conferissem uma maior credibilidade ao ressuscitado. A Pilatos que o tinha interrogado, por exemplo, para lhe provar que afinal tinha mais poder do que ele pensava. Ou a Herodes, que para gozar com ele o cobriu com um manto. Ou então ao sumo sacerdote e aos fariseus, para verem quão viciado tinha sido o julgamento a que o submeteram.

Não foi essa, todavia, a forma de proceder do Deus de Jesus Cristo. Ele não se impõe, propõe-se. Respeita a liberdade humana de o acolher ou de o rejeitar. De aderir a um projeto de vida com sentido ou acomodar-se à ausência dele.

À Igreja compete hoje dar continuidade ao anúncio que fizeram as primeiras testemunhas da Ressurreição. Dar sentido à vida humana. Quando não o faz está a ser infiel à sua génese.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Papa: um doente entre os doentes

Já se sabia que o Papa Francisco se faria representar este domingo no Jubileu dos enfermos e do mundo da saúde pelo arcebispo Rino Fisichella. Sabia-se, como vem sendo habitual neste período da convalescença do Papa, que seriam lidas as suas palavras dirigidas aos enfermos na homilia da missa.

Surpreendente foi o Papa ter aparecido em pessoa na Praça de S. Pedro, ainda que de cadeira de rodas e ligado ao oxigénio, para saudar os peregrinos e endereçar-lhes umas palavras, ainda que breves, de viva-voz: “Bom domingo a todos, muito obrigado”.

 Foi mais um enfermo no meio dos enfermos a celebrar o Jubileu da Esperança. Soube-se também que o Papa se confessou, rezou e passou pela Porta Santa, cumprindo assim os procedimentos propostos aos fiéis nas celebrações jubilares.

Na homilia os peregrinos já tinham ouvido as palavras do Papa expressando a sua solidariedade e proximidade aos enfermos. “Convosco, queridos irmãos e irmãs doentes, neste momento da minha vida, estou a partilhar muito: a experiência da enfermidade, de nos sentirmos frágeis, de depender dos outros em tantas coisas, de precisar de apoio”.

Nesta missa o Papa reconhecia que não é fácil acolher e aceitar a doença, mas considerou-a “uma escola na qual aprendemos todos os dias a amar e a deixarmo-nos amar, sem exigir nem recusar, sem lamentar nem desesperar, agradecidos a Deus e aos irmãos pelo bem que recebemos, abertos e confiantes no que ainda está para vir”.

O testemunho de Francisco ganha maior credibilidade porque é dito a partir da experiência que está a fazer da enfermidade. É sempre melhor ouvir os pastores falarem desde as suas vivências do que dos conhecimentos teóricos que porventura tenham acumulado ao longo da vida. Para aqueles que temos a obrigação de nos dirigir aos fiéis, é um desafio situarmo-nos aí quando falamos.

quarta-feira, 2 de abril de 2025

O Papa experimentou a angústia de morrer

 O Papa Francisco na varanda do Hospital Gemelli, quando teve alta.
O Papa Francisco correu perigo de vida. Na tarde de 28 de fevereiro, a sua situação agravou-se e soube que podia morrer. Pediu aos médicos que fizessem tudo para o salvarem, como revelou ao jornal italiano “Corriere della Sera” 
 Sergio Alfieri, médico do Papa. Foi a vontade de viver e a oração dos crentes que salvaram o Papa, diz este médico que o acompanhou no hospital Gemeli. “Acho que o facto de o mundo inteiro estar a rezar por ele também contribuiu para isso”, disse.

Há quem estranhe que os católicos se agarrem à vida, já que, como dizem, acreditam que vão para uma situação melhor junto de Deus. Porque não se deixam morrer, então?

A vida de S. Inácio de Loiola, fundador dos jesuítas, regista um diálogo com o Pe. Laynez que viria a sucedê-lo como Geral da Companhia de Jesus.

– Se Deus, pergunta Inácio, te propusesse ir agora mesmo para o céu, assegurando a tua salvação, ou continuar na terra a trabalhar para a sua glória, que escolherias?

– A primeira, sem dúvida, responde Laynez.

– Eu, a segunda hipótese, replica Inácio. Achas que Deus vai permitir a minha condenação aproveitando-se de uma prévia generosidade minha?

Tal como Inácio, de que é seguidor enquanto jesuíta, Jorge Mario Bergoglio habituou-se a ir à luta em vez de desistir e seguir o caminho mais cómodo e confortável. Neste momento particularmente difícil da sua vida, o Papa revestiu-se da determinação inaciana e fez tudo o que estava ao seu alcance para continuar a viver. Entregou-se nas mãos dos médicos que, por seu lado, utilizaram todos os medicamentos e terapias possíveis para lhe curar os pulmões, mesmo correndo riscos de danificar outros órgãos, como reconheceu Sergio Alfieri.

Graças à sua determinação, à dedicação dos médicos e, para o crente, à oração dos fiéis, Deus concedeu ao Papa mais algum tempo de vida.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 02/04/2025)

quarta-feira, 26 de março de 2025

As estatísticas valem o que valem

Nem tudo está tão mal na Igreja Católica como, por vezes, se quer fazer crer. Os dados estatísticos da Santa Sé, publicados há dias, revelam um aumento do número de católicos em todo o Mundo. Já ultrapassam os 1400 milhões, aumentaram quase 20 milhões no biénio de 2022-23, um crescimento de 1,15%. Confirma-se a tendência dos últimos anos.

Os dados revelam que os continentes onde mais cresce a população católica continuam a ser a África e a Ásia. Na Europa é onde se verifica o menor crescimento, fruto também da diminuição da população e do seu envelhecimento.

Em relação ao número de padres, verifica-se que este diminui ligeiramente: 0,2%. No final de 2023 eram 406 996, menos 734 que no ano anterior. Contudo, a diminuição dos padres não ocorreu em todos os continentes. Em África e na Ásia, tiveram aumentos de 2,7% e de 1,6%, respetivamente. Na Europa foi onde se verificou a maior quebra.

As estatísticas permitem muitas leituras. Para um cristão, nem os sucessos devem esmorecer o dinamismo missionário de contagiar outros com a Boa Nova, nem os insucessos são motivo de desânimo. A sua fé, aliás, apoia-se num fracasso que se converteu em vitória: a paixão, morte e ressurreição de Jesus, a qual voltaremos a celebrar dentro em breve.

Para a Igreja os insucessos constituirão sempre um desafio a ir mais longe, ou a inovar nos métodos. Foi o que aconteceu a Pedro: depois de uma noite sem nada pescar, Jesus disse-lhe para se fazer ao largo e deitar as redes para o outro lado.

Os períodos de sucesso também podem conter perigos e traições no seu seio. Veja-se o que sucedeu à Igreja quando, em tempos de cristandade, se deixou corromper pelo poder e pelas lógicas mundanas.

Os seguidores de Jesus não trabalham para as estatísticas. Mas, sendo elas um termómetro da sua ação no Mundo, não devem ser menosprezadas.

quarta-feira, 19 de março de 2025

Ouvir todos para o bem da Igreja

Completam-se hoje 12 anos sobre o início solene do ministério petrino do Papa Francisco, que vive uma etapa difícil do seu Pontificado. Na quinta-feira passada celebrou pela primeira vez o aniversário da sua eleição no hospital. “Estou a passar por um período de provação e uno-me a tantos irmãos e irmãs doentes: frágeis, neste momento, como eu”, reconheceu o Papa na mensagem que enviou do hospital para ser lida na oração do “Angelus” do último domingo.

Ainda que afastado de muitas das suas atividades pastorais, o Papa é “um exemplo de fé, esperança e resiliência, com o seu olhar de pastor sempre voltado para o rebanho”, referiu há dias o vaticanista Salvatore Cernuzio. A partir do hospital, o Papa continua a garantir os atos essenciais de governo da Igreja e a acompanhar e a estimular a dinâmica sinodal por ele implementada na Igreja.

No sábado foi divulgada a sua última iniciativa para que o caminho sinodal continue. Convocou uma assembleia eclesial de toda a Igreja Católica para outubro de 2028 no Vaticano. Até lá, durante os próximos anos, a Secretaria do Sínodo deverá acompanhar e dinamizar as igrejas locais para que não esmoreça nem a reflexão, nem o debate, nem a procura de soluções para os problemas da Igreja.

Durante estes dias, fizeram-se muitas avaliações dos 12 anos de Francisco ao leme da barca de Pedro. Como é normal, vários consideram que o Papa avançou de mais em determinadas matérias, como o acolhimento dos divorciados. Outros, sentem que ainda se poderia ter ido mais longe em matérias como a ordenação das mulheres.

O Papa acredita numa Igreja que se deixa interpelar pelos desafios próprios de cada época. Que tem a preocupação de escutar a todos e acolher as opiniões de todos. Não para corresponder a todos os anseios, mas para discernir o melhor caminho para toda a Igreja.