domingo, 27 de julho de 2014

A expulsão de Mossul

Foto retirada do sítio Aleteia
Os extremistas muçulmanos do auto proclamado Estado Islâmico estão, na Planície de Nínive, a fazer uma limpeza étnica e religiosa pelos territórios que conquistaram entre a Síria e o Iraque. Todos os que não professam a fé em Alá segundo a tradição sunita, ou se convertem, ou têm de abandonar a região para salvar a vida. Mesmo os sunitas mais moderados, ou os xiitas, não escapam à perseguição, mas é sobretudo aos curdos e aos cristãos que a intolerância religiosa está a fustigar de forma mais dura.

Em Mossul, a terceira cidade do Iraque, as casas dos cristãos foram assinaladas com a letra “n” do alfabeto árabe, a inicial de “Nazareno”, o nome depreciativo dado aos cristãos em ambientes islâmicos. Os seus habitantes foram despojados de todos os bens e tiveram de optar entre o exílio e a morte. Durante esta semana saíram da cidade os últimos três mil cristãos – quando, em 2003, após a invasão liderada pelos Estados Unidos  se contabilizavam cerca de 35 mil.

Acaba, assim, uma presença cristã de dois mil anos naquela zona do globo. Uma presença que sobreviveu às controvérsias teológicas e heréticas dos primeiros séculos do cristianismo, que resistiu às perseguições turcas e mongóis, que conviveu com a cultura árabe. Uma presença que se instalou na região, arabizando-se nos seus costumes mas mantendo a fé cristã.

Perante a expulsão de Mossul o mundo ocidental remeteu-se a um silêncio “vergonhoso”, como o classificou o Papa Francisco num telefonema ao Patriarca Sírio-católico Youssef III Younan.

É compreensível o embaraço dos líderes ocidentais que têm ziguezagueado no Médio Oriente, apostando ora nos sunitas, ora nos xiitas: na Síria apoiam os sunitas contra o ditador Bashar al-Assad; no Iraque defendem os xiitas que colocaram no poder depois de os terem utilizado contra Saddam Hussein, o qual, por seu lado, tinham apoiado nos anos 80 na guerra que este moveu ao xiitas do Irão.

O Ocidente comporta-se na pior tradição dos que consideram amigos os inimigos dos seus inimigos. É por isso que os sunitas são apoiados pela Ocidente na Síria e inimigos no Iraque, os dois países onde estes querem controlar territórios para criar o Califado Islâmico...

“Sic transit gloria mundi”!

(Texto publicado no Correio da Manhã de 25/07/2014)

domingo, 20 de julho de 2014

Gaza e o Papa

Foto retirada daqui
Os assassinatos bárbaros de três jovens israelitas e a execução pelo fogo de um palestiniano fizeram despoletar, novamente, a guerra na Faixa de Gaza. Puseram fim a um período de alguma acalmia nas difíceis relações israelo-palestinianas. Mataram as sementes de reconciliação e paz que o Papa espalhou durante a sua visita àquela região e que germinaram no encontro entre o líder palestiniano, Mahmud Abbas, e o presidente israelita, Shimon Peres, com a bênção do Patriarca de Constantinopla, Bartolomeu.

Nessas circunstâncias o Papa disse que “é preciso mais coragem para fazer a paz do que a guerra”. A evolução dos acontecimentos demonstraram que não houve nem coragem, nem discernimento para calar as armas – e dá a ideia de que os esforços do Papa de nada valeram. Porém, para o seu amigo judeu, Abraham Skorka, “o que está a acontecer não atesta o fracasso da iniciativa do Papa Francisco”. Pelo contrário, “confirma dramaticamente que é necessário continuar a promover ainda mais gestos de encontro para que a coragem prevaleça sobre o ódio irracional”.

Num simpósio sobre a Paz, que terminou ontem em Madrid, Rodríguez Zapatero propôs a criação de uma “autoridade religiosa global” que se opusesse a toda e qualquer violência e promovesse o pluralismo religioso, a paz e a liberdade. Para o antigo Presidente do Governo de Espanha, nenhuma religião pode pretender que as suas crenças sejam as únicas verdadeiras e que todas as outras formas de acreditar tenham de ser combatidas e eliminadas.

Foi esta perspetiva que esteve na génese de todas as guerras santas da história e que os fanatismos de todas as religiões, ainda hoje, querem ressuscitar. Contudo, num mundo plural e tolerante “não há hereges” para Zapatero: “Há pessoas que pensam de maneira diferente ou têm diferentes ideias e em nome de nenhuma fé se pode apoiar o ódio e o fanatismo”.

O Vaticano II resgatou a Igreja da intransigência e colocou-a na estrada da abertura ao diferente, embora ainda haja franjas no seu interior que resistem à renovação conciliar. Meio século depois, o Papa Francisco continua a desafiar os católicos a saírem dos seus muros e a percorrerem esse caminho de tolerância e diálogo inter-religioso.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 18/07/2014)

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Despovoamento do interior

Sítio do "Projeto Policoro"
A agência Ecclesia dedica o dossier do último número do seu semanário digital às questões do interior do país e o papel da Igreja, nomeadamente das dioceses, no combate ao despovoamento e o envelhecimento da população, problemas que afetam o todo nacional, mas com uma maior incidência nas localidades mais afastadas dos grandes centros e do litoral.

Não compete à Igreja resolver certos problemas sociais. Contudo, não pode ser insensível às preocupações e necessidades das pessoas concretas a que é chamada a anunciar os valores evangélicos. Da mesma forma que Pedro e João não ficaram indiferentes ao coxo que pedia esmola à porta do templo. “Não tenho ouro nem prata, mas o que tenho, isto te dou: Em nome de Jesus Cristo Nazareno, levanta-te e anda!” - disse-lhe Pedro e, pegando-lhe na mão, levantou-o.

D. António Vitalino, bispo de Beja, num texto de opinião inserido nessa publicação, reflete sobre os desafios que o “inverno demográfico” coloca às dioceses do interior e propõe algumas linhas de atuação pastoral para ajudar a inverter esta situação na sua diocese.

Contudo, a complexidade do problema exigem um envolvimento supradiocesano e a cooperação entre diversos organismos eclesiais. Foi a essa conclusão que chegaram algumas dioceses no sul de Itália, confrontadas com problemas semelhantes. Identificaram como principal causa para essa situação o desemprego juvenil. Reuniram-se na cidade de Policoro com os responsáveis nacionais da Pastoral Social, da Pastoral Juvenil e da Cáritas e, inspirando-se na resposta de Pedro, gizaram o Projeto que recebeu o nome da cidade em que se reuniram.

A filosofia deste projeto é ajudar os jovens a levantarem-se da berma da “estrada da resignação” e deixarem de “mendigar assistência”, para caminharem em conjunto e criarem o seu próprio emprego.
Desde 1995, graças ao “Projeto Policoro”, foram criados mais de quatro mil postos de trabalho em sociedades comerciais, cooperativas e pequenas empresas. O projeto credibilizou-se e foi até citado pelo Papa Francisco na recente visita à Calábria.

Este e outros projetos no mundo podem inspirar a Igreja em Portugal no lançamento de iniciativas para melhorar as condições de vida dos portugueses.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 11/07/2014)

domingo, 6 de julho de 2014

Recasados sem resposta

Foto retirada daqui
O Vaticano divulgou o “Instrumentum Laboris”, que acolhe as respostas de diversos organismos eclesiais ao inquérito sobre a problemática da família e propõe linhas de reflexão aos participantes no Sínodo dos Bispos Extraordinário.

Para além de propor uma análise bastante aprofundada da “situação familiar contemporânea, dos seus desafios e das reflexões que suscita”, transparece no documento um esforço da Igreja em olhar de frente para o que define como “situações matrimoniais difíceis”. Estas são os casos das uniões de facto, dos divorciados e recasados, ou das uniões de pessoas do mesmo sexo. As pessoas nessas situações vivem “histórias de grande sofrimento, assim como testemunhos de amor sincero”. São pessoas que sofrem quando lhes é negado o acesso aos sacramentos ou o batismo dos filhos. São situações que exigem da Igreja uma resposta, resposta essa que permita que estas “pessoas curem as feridas, sarem e retomem o caminho juntamente com toda a comunidade eclesial”.

O “Instrumentum Laboris” propõe alguns caminhos e resolve algumas questões, mas deixa outras em aberto para a reflexão dos bispos. Por exemplo: diz claramente que os sacramentos não podem ser negados às pessoas que vivem separadas. Também não pode ser negado o batismo ao filho de uma mãe solteira ou de uma pessoa que vive numa união com outra do mesmo sexo. Neste último caso, diz explicitamente: “deve ser acolhido com as mesmas atenção, ternura e solicitude que recebem os outros filhos”.

Em relação aos divorciados a viverem uma nova união, dá-se conta do pedido vindo sobretudo da Europa e da América para que possam “receber os sacramentos”. Ou, então, que à semelhança do que acontece em determinadas Igrejas ortodoxas, se abra “o caminho para um segundo ou terceiro matrimónio, com carácter penitencial”. Também se refere que alguns pedem que se esclareça se “a questão é de índole doutrinal ou apenas disciplinar”.

Terá de se aguardar pela realização do Sínodo dos Bispos, em Outubro, para, eventualmente, se ficar com uma resposta clara para a situação dos divorciados recasados. A Igreja precisa de ter para essa e para outras questões uma forma de atuação adequada que possa ser compreendida por todos.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 04/07/2014)