sexta-feira, 24 de junho de 2016

O Papa e os presos

Papa Francisco na prisão de Ciudad Juarez, México
Foto retirada daqui
Há uma tendência para esconder as realidades que incomodam, como é o caso do envelhecimento ou da delinquência. Os idosos são “despejados” nos lares de terceira idade, os presos são amontoados em estabelecimentos prisionais – e por lá são esquecidos.

O Papa Francisco, contudo, não os esquece. E expressou o seu desejo de “incentivar todos a trabalhar, não somente pela abolição da pena de morte, mas também pelo melhoramento das condições de detenção, para que respeitem plenamente a dignidade humana das pessoas privadas de liberdade”. Disse-o numa vídeo-mensagem dirigida aos participantes num congresso mundial contra a pena de morte que terminou ontem em Oslo, na Noruega.

Em Portugal, por exemplo, as condições dos reclusos têm vindo a melhorar. No Estabelecimento Prisional de Bragança, onde sou assistente espiritual, o balde foi substituído por casas de banho nas celas e houve outras notórias melhorias. Mas muito há ainda a fazer.

Um dos principais problemas é a sobrelotação das cadeias. A 15 de Junho deste ano, segundo os dados da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, a taxa de ocupação situava-se nos 112,4%. Enquanto entre nós se verifica a necessidade de ampliar ou construir novas instalações prisionais, noutros países estas estão a ser encerradas, como acontece na Suécia e na Noruega. Aí encontraram-se outras formas de aplicar a justiça e apostou-se no acompanhamento dos que saem em liberdade.

Em Portugal, porém, há reclusos que rejeitam a saída em liberdade porque não têm para onde ir. Durante a sua reclusão nada os prepara para a vida cá fora e, muitas vezes, acabam por regressar ao mundo do crime e, mais tarde, à prisão.

É por isso imperativo apostar na prevenção. É crucial aplicar penas alternativas à prisão. E é obrigatório acompanhar, séria e empenhadamente, os que saem em liberdade. Só é justo quem tenta ajudar o seu semelhante a melhorar.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 24/06/2016)

sexta-feira, 17 de junho de 2016

O Euro e a paz

Reflexões dos bispos europeus sobre a paz mundial
Foto retirada daqui
Como é normal, o Europeu de Futebol em França domina as atenções dos europeus. Mas muitas outras coisas acontecem para além dos jogos de futebol. Fora dos campos têm marcado a atualidade os desacatos entre claques, as ameaças terroristas, o assassinato de dois polícias e, a contrastar com tudo isto, a saudável confraternização entre adeptos de Portugal e da Islândia.

O Euro deveria ser uma festa das nações europeias em torno do futebol. Infelizmente, há quem aproveite estes acontecimentos para semear a violência e o terror. Será sempre de realçar, por isso, quando povos tão distantes e diferentes como o islandês e o português gostam de se misturar num estádio e confraternizam entre si.

A comunidade europeia foi sonhada precisamente para promover a paz e prevenir a guerra no Velho Continente. Contudo, enquanto decorre este Euro, ventos de desagregação varrem a Europa. Os partidos eurocéticos crescem em quase todos os países. Os europeístas convictos não conseguem reinventar o projeto europeu. A Grécia esteve à beira de sair da construção europeia e, agora, é o Reino Unido que a poderá abandonar.

Cientes disto, os bispos europeus, reunidos em Bruxelas no início desta semana, renovaram a sua profissão de fé numa Europa unida e solidária. Em ordem à promoção da paz mundial, os bispos defenderam um maior investimento na prevenção da escalada da violência; uma paz enraizada no respeito pela dignidade da pessoa e da diversidade; e um maior investimento na segurança das pessoas, de forma a que estas possam permanecer nos seus países.

As reflexões dos bispos estão vertidas num documento que termina com 21 “recomendações” concretas, nas quais não é esquecido o papel fundamental que as igrejas e as religiões podem desempenhar na construção da paz. É um documento que os líderes europeus deveriam ler e refletir. A construção europeia tem de ser relançada.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 17/06/2016)

sexta-feira, 10 de junho de 2016

Bispo dos sem-terra

D. Pedro Casaldáliga bispo emérito de São Félix do Araguaia, Brasil
Foto retirada daqui
Pedro Casaldáliga é um daqueles homens admirado por muitos e odiado por outros tantos. Este catalão, hoje com 88 anos, foi enviado para o Brasil, para a floresta amazónica, fundar uma missão claretiana em 1968. Acabou por ser nomeado por Paulo VI bispo de São Félix do Araguaia, em Mato Grosso. Defensor de uma “democracia participativa”, submeteu a escolha do Papa a uma assembleia local constituída por religiosos e leigos. E só após a anuência desta aceitou a nomeação.

Na sua ordenação episcopal, a 23 de outubro de 1971, em vez da mitra própria dos bispos usou um chapéu de palha dos agricultores. Para báculo escolheu um bastão de madeira, típico dos indígenas tapirapé do Mato Grosso. Preferiu um anel usado pelos escravos, feito de uma semente de tucum, uma palmeira da Amazônia, a um de ouro ou prata. E, tal como o atual Papa, não habitou no palácio episcopal.

Defensor dos sem terra e dos mais pobres, depressa arranjou inimizades entre os latifundiários e junto da ditadura militar. Recebeu inúmeras ameaças de morte, mas nada o demoveu de continuar a defender os oprimidos e a lutar pela justiça. Fê-lo também através de inúmeros poemas que foi publicando ao longo dos anos. Pelas causas em que se empenhou, foi logo classificado como de esquerda e como revolucionário.

Esta semana foi apresentada em Madrid uma obra que reúne uma seleção dos seus textos, nas suas três línguas: português, castelhano e catalão. Nessa circunstância, disse-se que ele não era “nem de direita nem de esquerda”, mas “um homem intrépido”, para quem “se há algo irrenegociável é o Evangelho”. Há dias, em Lisboa, o P. António Spadaro, questionado sobre se o Papa Francisco era revolucionário, respondeu: “Revolucionário é o Evangelho”.

Homens como Casaldáliga ou o Papa Francisco não são revolucionários. São é fiéis aos valores do Evangelho de Jesus Cristo. E não se vergam a nada, nem a ninguém.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 10/06/2016)

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Humor e fé

Fernando Ventura, Graça Morais e Maria Rueff no CACGM
Foto: Jornal Nordeste
Em Bragança, no Centro de Arte Contemporânea Graça Morais, falou-se de Arte, Humor e Fé. Estiveram à conversa sobre este tema a própria pintora Graça Morais, o frade franciscano Fernando Ventura e a atriz Maria Rueff.

Graça Morais falou da influência da sua educação religiosa na pintura que produz. Tem obras em que é evidente o diálogo e o confronto entre o sagrado e o profano, outras em que transparecem elementos religiosos como a Pietá. E ainda outras que se inspiram em certas manifestações religiosas, como as procissões.

Maria Rueff, apesar de já ter recebido prémios pelo desempenho de papéis dramáticos, ainda é mais conhecida como cómica. Testemunhou as fricções que, por vezes, há entre a fé e o humor. Sobretudo quando o humorismo sobre temas religiosos é entendido como um “rir de” e não como “um rir com”.

Frei Fernando Ventura, com o recurso ao bom humor, ajudou por seu lado a desconstruir a ideia de que o bom sermão é o que faz chorar. Fê-lo no encontro com a pintora e a atriz e também no dia seguinte, na missa dominical da paróquia de Sto. Condestável, em Bragança. Nos dois momentos desafiou as pessoas a olhar nos olhos os seus vizinhos, depois a sorrir, de seguida a dizer “eu gosto de ti”, para culminar em “eu amo-te”. Foi surpreendente perceber que muitos não conseguiram, nem da boca para fora, dizer ao vizinho do lado – “Eu amo-te”. Quanto mais vivê-lo na vida de cada dia!

O bom sermão seria, então, aquele que levasse a pessoa a experimentar a felicidade de ser amado por Deus e desafiá-la a sair de si para fazer o outro mais feliz. Para isso é essencial ter a capacidade de olhá-lo nos olhos, de sorrir e de amá-lo.

A missa dominical não deveria ser sentida, portanto, como uma obrigação. Deve ser antes a celebração de que os cristãos necessitam para recarregar as baterias da felicidade para, durante a semana, irradiarem alegria e amor nos ambientes que frequentam.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 03/06/2016)