sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Pecados clericais

Foto retirada daqui
O filme “Spotlight” veio chamar de novo a atenção para o escândalo da pedofilia no seio da Igreja Católica. Desde 2002 – quando o jornal “The Boston Globe” denunciou diversos padres abusadores, que o filme relata – até hoje, mudou muito a práxis da Igreja em relação a esses deploráveis comportamentos. Na altura tentava-se abafar o escândalo e os bispos limitavam-se a mudar de paróquia os padres prevaricadores. Hoje, são obrigados a denunciar os casos às autoridades civis e eclesiásticas. Vindo-se a provar a veracidade das denúncias, sujeitam-se às penas civis e canónicas. E estas últimas podem implicar a perda do estatuto clerical.

A bordo do avião, no regresso do México, o Papa falou da questão aos jornalistas. Recordou a pessoa a quem muito se deve a mudança de atitude por parte da hierarquia. “Aqui gostaria de prestar homenagem a um homem que lutou, num momento em que não tinha força para se impor, até conseguir impor-se: o Cardeal Ratzinger – uma salva de palmas para ele” disse o Papa. Depois, já como Bento XVI, continuou a sua luta contra esta chaga na Igreja. E obrigou todas as conferências episcopais a definirem diretrizes claras para intervir nestes casos.

O Papa Francisco continuou a obra do seu antecessor. No diálogo com os jornalistas, elencou as várias medidas que tem tomado e deixou uma séria advertência aos seus irmãos no episcopado: “Um bispo que muda de paróquia um sacerdote quando se verifica um caso de pedofilia, é um inconsciente. E a melhor coisa que pode fazer é apresentar a renúncia”.

Apesar de globalmente a atitude dos bispos se ter modificado muito na abordagem da pedofilia, ainda se nota alguma condescendência com outros comportamentos que também corrompem os clérigos. Estes, ainda que pareçam menos graves – como o carreirismo, o apego ao dinheiro, o plágio, a sobranceria ou a vaidade –têm merecido a condenação veemente do Papa.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 26/02/2016)

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Mensagem ao México

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O Papa Francisco propôs uma mensagem de esperança a um país com muitas potencialidades mas que enfrenta tantas contrariedades. Convocou todos para a construção de um futuro melhor. Desafiou a Igreja a vencer as tentações do desânimo e da resignação. A sair da “sacristia” e a comprometer-se na transformação da sociedade mexicana.

Nas suas primeiras palavras – dirigidas ao presidente da república e às autoridades que o receberam no aeroporto – disse que o México é um país “abençoado com riquezas naturais abundantes e uma enorme biodiversidade”. Contudo, a sua maior riqueza “são os seus jovens”. E estes merecem um melhor México, na certeza de que “um futuro rico de esperança se forja num presente feito de homens e mulheres justos, honestos, capazes de se comprometerem com o bem comum”. O Papa denunciou que, “quando se busca o caminho do privilégio ou do benefício para poucos em detrimento do bem de todos, mais cedo ou mais tarde, a vida em sociedade transforma-se num terreno fértil para a corrupção, o tráfico de drogas, a exclusão das culturas diferentes, a violência e até o tráfico humano, o sequestro e a morte, que causam sofrimento e travam o desenvolvimento”.

A Igreja foi também convocada pelo Papa a contribuir para inverter essa tendência. Aos jovens confiou a esperança e pediu a “ousadia de sonhar”. Aos trabalhadores convidou “a sonhar o México que os filhos mereçam”. E até os presos, que experimentaram o “inferno”, podem ser “profetas na sociedade” e ajudá-la a encontrar formas de prevenir a criminalidade e a reincidência.

O anúncio da esperança a um país submerso em criminalidade, violência e morte foi a principal preocupação do Papa: é o que se pode constatar pela leitura dos seus discursos. Já na cobertura noticiosa foi mais difícil de perceber, uma vez que o ruído introduzido por elementos marginais não deixou concentrar no essencial.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 19/02/2016)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

A ilha da reunião

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O Papa Francisco e o Patriarca Cirilo, da Igreja Ortodoxa Russa, encontraram-se hoje em Havana, Cuba. Nos anos 60, esta ilha foi o palco da tensão mais grave entre as duas superpotências de então – os Estados Unidos e a União Soviética – colocando o mundo à beira da guerra nuclear. Na altura João XXIII contribuiu para que prevalecesse a paz. E, há pouco tempo, o Papa Francisco conseguiu que Cuba e os EUA reatassem relações diplomáticas suspensas há mais de cinquenta anos.

Hoje Cuba pode tornar-se no símbolo da reconciliação entre a Igreja Ortodoxa e a Igreja Católica. Em 1054, deu-se a primeira grande cisão na Igreja, que ainda não foi remediada. Nessa data o Papa e o Patriarca de Constantinopla excomungaram-se mutuamente. Também por razões teológicas, mas, sobretudo, por causa da questão do reconhecimento da autoridade do sucessor de Pedro sobre toda a Igreja. Desde então a Igreja Ortodoxa organiza-se em torno de diversos Patriarcas, sendo o da Igreja Russa o que reúne o maior número de fiéis, cerca de 135 milhões.

Na sequência do Concílio Vaticano II a Igreja Católica abriu-se ao ecumenismo, isto é, ao diálogo com os cristãos de outras confissões cristãs. Estes, de hereges, passaram a ser irmãos que a história separou. Em 1965 o Papa Paulo VI e o Patriarca de Constantinopla encontraram-se e levantaram as excomunhões do passado. Desde então tem-se intensificado o diálogo entre o Papa e os diversos Patriarcas Ortodoxos. O único que nunca tinha entrado nesta dinâmica era o Patriarca Russo. Inicia-se, portanto, uma nova fase nas relações entre o catolicismo e a ortodoxia.

Tudo isto só é possível graças ao esforço de abertura dos últimos papas. Sem renunciarem ao essencial do primado petrino, tentam complementar o seu exercício com a escuta dos irmãos no episcopado – o carácter sinodal, “de caminhar juntos”, da Igreja – de que Francisco tanto tem falado e pedido.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 12/02/2016)

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Inseminação vocacional

Encontro do Papa com os consagrados no dia 01/02/2016
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Na Europa, Estados Unidos e Canadá os sacerdotes, os religiosos e as religiosas são cada vez menos e mais idosos. Na América Latina aumentam ligeiramente. Já no continente africano e asiático a Igreja rejuvenesce-se e aumentam os que optam por uma vida de consagração. Graças ao contributo destes continentes o número dos consagrados tem aumentado nos últimos anos. Contudo, ainda se está longe de atingir o pico que se registou no final dos anos 60, em que haveria mais de 1,5 milhões de consagrados. De acordo com as estatísticas da Santa Sé, em 2013 havia no mundo 1,2 milhões de consagrados.

A diminuição das vocações, sobretudo no mundo ocidental, tem feito com que os critérios de admissão aos seminários e às casas de formação religiosa sejam menos rigorosos do que num passado recente, quando ainda havia candidatos em abundância. O Papa Francisco tem consciência que assim acontece. Num encontro com cinco mil consagrados, em Roma, no passado dia 1, denunciou que algumas congregações, devido à sua esterilidade vocacional, recorrem ao que chamou a “inseminação artificial”.

Como têm falta de vocações, deixam entrar todos os que aproximam sem o devido discernimento. Ou, então, recrutam na Ásia e em África para viabilizar as comunidades religiosas no Ocidente. “Não!”, exclamou o Papa. “Deve-se recrutar com seriedade! Deve-se discernir bem se existe uma verdadeira vocação e ajudá-la a crescer”, disse.

Quando se procede levianamente na consagração de pessoas que não reúnem as condições para abraçar este estilo de vida, para além de não se resolver o problema da falta de consagrados, geram-se outros. São disso um bom exemplo os párocos que, por não serem líderes, têm dificuldade em orientar as suas comunidades e em gerir os conflitos. Esses, em vez de serem parte da solução, são parte dos problemas. E, por vezes, são até os instigadores das controvérsias.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 05/02/2016)