sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O PS e a Igreja

António Costa toma posse como primeiro-ministro 
Foto Mário Cruz/ Lusa retirada daqui
Há 40 anos o 25 de Novembro pôs fim a um “Verão Quente” de agitação política. Para uns, foi o fim de um sonho revolucionário e a ascensão ao poder das forças reacionárias. Para outros, foi evitada a instauração de uma ditadura de esquerda e a sovietização do país. Ainda hoje há quem leia este acontecimento com as mesmas perspetivas divergentes. A atual maioria de esquerda na Assembleia da República recusou-se mesmo a participar na reunião preparatória da comemoração dessa efeméride, alegando ser uma data “fraturante”.

Em 1975 o PS afastou-se do PCP, e aproximou-se dos partidos de direita, para garantir a democracia em Portugal. Foram precisos quatro décadas para voltarem a aproximar-se, para derrubar uma governação de direita e fazerem a viragem à esquerda na política nacional, prometendo o fim da austeridade e o cumprimento dos compromissos internacionais do país.

Com esta viragem à esquerda do PS e o acantonamento do PSD e do PP à direita, o eleitorado do centro – que alternadamente foi dando a vitória ao PSD e ao PS – terá de aguardar para ver de qual dos blocos se aproxima numa próxima eleição.

Para já o Presidente da República deu posse ao governo de António Costa, que a nova maioria de esquerda irá sustentar no Parlamento. É curioso que Cavaco Silva, intencionalmente ou não, tenha evitado a data de 25 de Novembro para efetivar a sua decisão. Indigitou António Costa no dia anterior; e deu posse ao governo no dia a seguir à efeméride.

Há 40 anos, durante o “Verão Quente”, o PS liderado por Mário Soares acolheu o apoio da Igreja Católica e teve como principal interlocutor o cardeal-patriarca de Lisboa, D. António Ribeiro. Hoje, ainda é muito cedo para perceber qual vai ser o relacionamento deste governo de maioria de esquerda com a Igreja. As reações da hierarquia são, para já, cautelosas – apenas dizem que estão disponíveis para colaborar com qualquer governo, na promoção do bem comum de todos, etc.

Os próximos meses esclarecerão se António Costa, apesar de ter feito algumas cedências aos partidos à sua esquerda, nomeadamente nas ditas “questões fraturantes”, conseguirá reconquistar o centro. Ou se vira demasiado à esquerda, tornando, assim, muito mais difícil o entendimento com a Igreja Católica.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 27/11/2015)

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

O Vaticano e a guerra

Foto AFP retirada daqui
A Europa tremeu com os ataques terroristas em Paris. A primeira reação, e a mais expectável, é a da vingança. Mas a violência só pode dar origem a novos atos ainda mais violentos do que os que lhe estiveram na origem.

A primeira tentativa da humanidade para travar a espiral de ódio e violência foi a Lei de Talião: “Olho por olho, dente por dente”. Há quase quatro mil anos, o Código de Hamurábi tentava desta forma evitar que a vingança não ultrapassasse o delito cometido. Já Jesus Cristo propôs o perdão para quebrar a escalada da violência.

Não é de estranhar, por isso, que o Vaticano não acompanhe a onda “securista” que varre a Europa, nem embarque no apoio a uma intervenção militar para resolver o problema do terrorismo. O últimos Papas, aliás, opuseram-se sempre ao recurso à guerra para resolver as questões intrincadas do Médio Oriente. O atual Papa, ainda que admita que é preciso travar o agressor, duvida que bombardear posições do autoproclamado Estado Islâmico seja a melhor solução para o problema.

Na sequência dos atentados em Paris, Francisco recordou, no Angelus do último domingo, que “usar Deus para justificar o ódio é uma blasfémia”. E, num telegrama enviado ao arcebispo de Paris, condenou “com vigor a violência, que nada resolve”.

O Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, numa entrevista ao jornal francês “La Croix”, defendeu uma “mobilização geral da França, da Europa e de todo o mundo” na luta contra o terrorismo, a qual envolva também os muçulmanos, que “devem fazer parte da solução”. E afirmou que só uma intervenção que tenha em conta a segurança, a política e a religião pode ter sucesso “na erradicação deste mal”.

Apesar de apostar no diálogo e na educação para a rejeição do ódio, o cardeal admitiu um ataque militar, embora circunscrito aos limites do Direito Internacional e da legítima defesa.

Em resumo: esmagar os terroristas, só por si, não garante que estes Estados Islâmicos não ressurgem noutros pontos, como aliás tem acontecido... É preciso investir, a sério, na melhoria da vida das pessoas, tanto nos países orientais, como nas cidades ocidentais onde estes fenómenos se têm instalado. E é necessário combater sempre o ódio e tentar construir a paz, suceda o que suceder.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 20/11/2015)

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O apelo do Papa

Foto retirada daqui
Em 2013, na “Evangelii Gaudium”, o Papa Francisco dirigiu-se aos “fiéis cristãos” no âmbito da celebração dos cinquenta anos do Concílio Vaticano II, para os convocar a “uma nova etapa evangelizadora” sob o signo da “Alegria do Evangelho”. O objetivo foi indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos (nº1), tendo por isso a Exortação sido classificada como o texto programático do pontificado.

Mereceu na altura um grande destaque na comunicação social. A sociedade civil deu-lhe alguma atenção, sobretudo ao segundo capítulo, dedicado à análise da situação do mundo atual. Uns reagiram, outros aplaudiram a crítica que faz do consumismo e do capitalismo. Dessa parte da Exortação ficou célebre a frase – “Esta economia mata”(nº 53).

E coloca-se a questão: os católicos de todo o mundo deram-lhe a devida importância e procuraram acompanhar o Papa no percurso que ele propõe?

No início desta semana o Papa esteve presente em Florença no 5.º Congresso Nacional da Igreja Católica na Itália. Num discurso que dirigiu aos 2500 participantes desafiou-os a refletir, nos próximos anos, a “Evangelii Gaudium”. Durante o discurso citou sete vezes a Exortação. Por duas vezes referiu-se ao nº 49 em que, há dois anos, afirmava: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”.

Aos católicos italianos reunidos em Florença sublinhou a sua preferência por uma Igreja “inquieta, cada vez mais próxima dos abandonados, dos esquecidos e dos imperfeitos”. Pediu aos congressistas: “Sonhai vós também com esta Igreja, acreditai nela e inovai com liberdade”. Para que este sonho se torne realidade sugeriu que “em cada comunidade, em cada paróquia e instituição, em cada diocese e circunscrição, em cada região, procurai lançar, de modo sinodal, um aprofundamento da Evangelii Gaudium, para dela retirar critérios práticos e para pôr em prática as suas disposições”.

Perante este apelo do Papa, Andrea Tornielli, no sítio “Vatican Insider”, conclui: “Se o Pontífice convida a retomar aquele texto evidentemente ele pressupõe que a Igreja italiana não o tenha feito ou não o tenha feito suficientemente”.

E a Igreja portuguesa, fê-lo?

(Texto publicado no Correio da Manhã de 13/11/2015)

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

O pároco de Rio de Onor

Mons. Lucio Angel Vallejo Balda
Foto retirada daqui
Um monsenhor está detido no Vaticano, acusado de ter divulgado documentos confidenciais da Santa Sé. É Dom Angel, como era conhecido na pequena aldeia fronteiriça de Rihonor de Castilla onde foi pároco nos seus três primeiros anos de sacerdócio.

Aquela aldeia espanhola é contígua à portuguesa Rio de Onor, no distrito de Bragança. Nos finais dos anos oitenta os cristãos daquelas duas aldeias, que a fronteira nunca separou, iam um domingo à missa ao lado espanhol e, no domingo seguinte, à igreja portuguesa. Por isso, Dom Angel também foi, embora só quinzenalmente, pároco de Rio de Onor. Nessa época em que foi pároco naquela zona raiana chegou mesmo a ser diretor espiritual do seminário de Bragança. Por pouco tempo, é certo, porque o bispo de Astorga logo o colocou na administração dos bens da diocese. Tornou-se então o mais jovem sacerdote a desempenhar tais funções em Espanha.

Devido ao bom trabalho desenvolvido na sua diocese e à colaboração na organização da Jornada Mundial da Juventude de 2011, presidida em Madrid por Bento XVI, acabou por nesse mesmo ano ir para Roma para ser Secretário da Prefeitura para Assuntos Económicos. O Papa Francisco escolheu-o para integrar a Cosea, a comissão que orienta a organização das estruturas económico-administrativas da Santa Sé. Foi aí que teve acesso a documentos confidenciais e que terá gravado conversas que agora são reportadas em dois livros apresentados ontem em Roma, o que levou o Papa a ordenar a sua prisão.

É possível que Angel Balda esteja convencido de ter feito o melhor para a Igreja, se de facto passou informações confidenciais aos jornalistas. Há, por vezes, a tentação de divulgar os vícios e a podridão que grassa no interior das instituições para, com a ajuda da exposição mediática, obrigar os seus responsáveis a corrigi-los.

Só que esse não é, por regra, o procedimento correto. Neste caso nem se pode alegar uma eventual passividade de quem dirige, uma vez que o Papa criou a Cosea precisamente para atacar a corrupção e os desperdícios no interior do Vaticano que o monsenhor Angel terá passado à imprensa. Estas fugas de informação, afirmou a Santa Sé, “não ajudam de modo algum a estabelecer clareza e verdade, mas apenas geram confusão e interpretações parciais e tendenciosas”.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 06/11/2015)