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quarta-feira, 30 de abril de 2025

No funeral, os últimos foram os primeiros

Os pobres na escadaria de S. Maria Maior à espera do Papa
Os últimos a despedirem-se do Papa Francisco foram um grupo de quarenta pessoas entre os quais migrantes, sem-abrigo, reclusos ou transsexuais, em representação daqueles que tiveram sempre o primeiro lugar no coração de Francisco: os mais pobres. Acolheram os restos mortais do Papa na escadaria da Basílica de S. Maria Maior e acompanharam-nos até ao túmulo.

Foram eles que ditaram a escolha do nome Francisco. Dias após a sua eleição, ele próprio revelou aos jornalistas que o cardeal brasileiro Cláudio Hummes lhe tinha recomendado que não esquecesse os pobres. Foi isso que o levou a escolher o nome do “Poverello de Assis”.

Contudo, mais importante do que a escolha do nome, foi a sua reiterada opção preferencial pelos mais pobres, aos quais sempre dedicou particular atenção. Se há palavras que caracterizam o seu pontificado, são as das denúncias das situações em que tantos homens e mulheres foram descartados pela sociedade.

A esta prioridade ficou intimamente ligado um conceito que ele repetiu muitas vezes: as periferias existenciais e geográficas. Francisco procurou sempre incluir e aproximar-se daqueles que estavam mais distantes. Ao ponto de, na Evangelii Gaudium, a sua Exortação Apostólica programática, pedir uma “Igreja em saída” que vá ao encontro daqueles que andam longe, que se antecipe às necessidades de todos. Introduziu mesmo um neologismo: “primeiriar”.

A “guarda de honra” que acompanhou o caixão foi uma ideia de D. Benoni Ambarus, delegado para sector da caridade do episcopado italiano. Foi acolhida por quem organizou o funeral porque traduziu bem aquela que foi a preocupação do Papa até ao fim do seu Pontificado: que os últimos fossem os primeiros. Do funeral para a práxis dos pastores, que estes primeiros o continuem a ser na atenção e nas iniciativas eclesiais.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Impostos e Igreja

A Igreja Católica em Portugal não está isenta de impostos como, por vezes, se afirma em público: está isenta de alguns impostos, tal como acontece com os partidos e outras instituições, nomeadamente do IMI de prédios afetos a determinadas atividades. Os sacerdotes católicos também não estão isentos de impostos e, até no exercício do seu múnus sacerdotal, pagam IRS sobre os rendimentos recebidos.

A Doutrina Social da Igreja defende políticas fiscais justas como forma de harmonizar os direitos da propriedade privada com as exigências do bem comum. O documento do Concílio Vaticano II Gaudium et Spes denuncia todos os subterfúgios de éticas de cariz individualista “que promovem a fuga aos impostos e outras obrigações sociais”. Na Evangelii Gaudium o Papa Francisco denuncia mesmo a “corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões mundiais”.

Ainda que alguns impostos – como infelizmente acontece tantas vezes... –  sejam desviados para alimentar clientelas e aumentar certos patrimónios, a Igreja nunca poderá pactuar com esquemas de fuga aos impostos e, muito menos, abençoá-los no seu discurso oficial. Só assim poderá manter a sua autoridade moral intacta para exigir uma justa redistribuição da riqueza, com prioridade às necessidades dos mais pobres.

Em relação ao IMI, se as outras instituições deixarem de estar abrangidas por essa isenção, a Igreja Católica não deverá exigir a sua manutenção para si. Deverá, isso sim, propor ao Estado que a verba daí resultante não se dilua no conjunto dos impostos arrecadados, mas que seja utilizada para ajudar as populações no restauro do seu património e para apoiar os mais desfavorecidos, nomeadamente, ampliando os apoios às IPSS’s que deles se ocupam.

E a Igreja deve – sempre! – pugnar para que sejam implementadas medidas mais eficazes na luta contra a corrupção e a formação de clientelas.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 07/10/2016)

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Vaticano e os pobres

Foto retirada daqui
O Papa Francisco dedica aos mais pobres uma atenção privilegiada. Na Evangelii Gaudium escreveu: “O Papa ama a todos, ricos e pobres, mas tem a obrigação, em nome de Cristo, de lembrar que os ricos devem ajudar os pobres, respeitá-los e promovê-los” (nº58).

No mesmo texto adverte que “o crescimento equitativo exige algo mais do que o crescimento económico, embora o pressuponha – requer decisões, programas, mecanismos e processos especificamente orientados para uma melhor distribuição dos rendimentos, para a criação de oportunidades de trabalho, para uma promoção integral dos pobres que supere o mero assistencialismo”.

Em sintonia com o Papa, o Pontifício Conselho Justiça e Paz promoveu, em 2014, um congresso para refletir sobre o investimento ao serviço do bem comum, na linha da Evangelii Gaudium. “A solidariedade com os pobres e com os excluídos estimulou-vos a refletir sobre uma forma emergente de investimento responsável, conhecida como Impact Investing”, disse então o Papa aos congressistas. E desafiou-os a “estudar formas inovadoras de investimento, que possam proporcionar benefícios às comunidades locais e ao ambiente circunstante”.

Durante esta semana reuniram-se no Vaticano académicos, políticos e clérigos para estudar o impacto dos investimentos no combate à pobreza. Este ano pretende-se aprofundar “como a Igreja Católica e outras instituições religiosas podem canalizar o resultado dos investimentos para sustentar a sua própria missão social”. E, também, como “ desenvolver estratégias para captar investimentos privados em ordem a servir os mais pobres e os mais vulneráveis”, disse o cardeal Peter Turkson, presidente da Justiça e Paz.

É importante que a Igreja, em relação à pobreza, vá vencendo a tentação do “mero assistencialismo”. E que saiba encontrar novas formas para financiar e gerir a luta contra as suas causas estruturais.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 01/07/2016)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Misericórdia para os recasados

Há questões que nos inquietam e desinstalam.
Uma senhora pergunta:
“Porque é que eu não posso comungar? O meu único erro foi ter falhado no meu casamento católico e ter refeito a minha vida com outra pessoa. Na nossa família esforço-me por ser boa esposa e boa mãe. Mas a Igreja não me permite ser uma boa cristã a que seja permitida a participação nos sacramentos da penitência e da eucaristia. Outros, no entanto, podem até não acolher a palavra do Papa, podem atacar o bispo e os padres e quando lhes convém, acomodarem-se à sombra da Igreja. Mas, como estão casados pela Igreja, é-lhes permitido ir todos os dias à missa e até comungar.

E que dizer de sacerdotes ordenados mesmo sem recolher a anuência das instâncias devidas? E os que não olham a meios para atingir os seus fins, aos quais o Papa chamou ‘trepadores’? E os padres que vivem em função da promoção ou da acumulação de riquezas, que procuram aparentar virtudes públicas e esconder vícios privados, mesmo quando estes são do conhecimento público?

Estes, apesar de tudo isso, podem continuar a presidir à eucaristia e a pregar piedosos sermões…para os outros. E podem, também, desempenhar os mais destacados cargos na estruturas eclesiásticas”.

A esta senhora – mesmo admitindo que, se é como diz, essas pessoas não reunirão as condições exigidas para receber a comunhão – pode sempre recordar-se a frase do Papa Francisco: “A Eucaristia não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos” (Evangelii Gaudium, 47). Contudo, a todos é dada a possibilidade de arrepender-se, acolher a misericórdia divina e corrigir o seu proceder.

Aqui surge um problema para o qual a Igreja ainda não conseguiu encontrar resposta. Um divorciado recasado, mantendo-se a atual disciplina da Igreja, não consegue emendar o erro que cometeu sem refazer o casamento anterior, que não pode ser anulado. Contrariamente ao que se diz, só pode ser declarado nulo caso não tenha existido.

Espera-se que durante este Ano da Misericórdia, que se iniciou no passado dia 8 de Dezembro, o Papa Francisco encontre uma forma de estender o manto da misericórdia divina às pessoas que falharam no seu primeiro compromisso matrimonial, permitindo-lhes casar novamente perante a Igreja.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 11/12/2015)


sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O apelo do Papa

Foto retirada daqui
Em 2013, na “Evangelii Gaudium”, o Papa Francisco dirigiu-se aos “fiéis cristãos” no âmbito da celebração dos cinquenta anos do Concílio Vaticano II, para os convocar a “uma nova etapa evangelizadora” sob o signo da “Alegria do Evangelho”. O objetivo foi indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos (nº1), tendo por isso a Exortação sido classificada como o texto programático do pontificado.

Mereceu na altura um grande destaque na comunicação social. A sociedade civil deu-lhe alguma atenção, sobretudo ao segundo capítulo, dedicado à análise da situação do mundo atual. Uns reagiram, outros aplaudiram a crítica que faz do consumismo e do capitalismo. Dessa parte da Exortação ficou célebre a frase – “Esta economia mata”(nº 53).

E coloca-se a questão: os católicos de todo o mundo deram-lhe a devida importância e procuraram acompanhar o Papa no percurso que ele propõe?

No início desta semana o Papa esteve presente em Florença no 5.º Congresso Nacional da Igreja Católica na Itália. Num discurso que dirigiu aos 2500 participantes desafiou-os a refletir, nos próximos anos, a “Evangelii Gaudium”. Durante o discurso citou sete vezes a Exortação. Por duas vezes referiu-se ao nº 49 em que, há dois anos, afirmava: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”.

Aos católicos italianos reunidos em Florença sublinhou a sua preferência por uma Igreja “inquieta, cada vez mais próxima dos abandonados, dos esquecidos e dos imperfeitos”. Pediu aos congressistas: “Sonhai vós também com esta Igreja, acreditai nela e inovai com liberdade”. Para que este sonho se torne realidade sugeriu que “em cada comunidade, em cada paróquia e instituição, em cada diocese e circunscrição, em cada região, procurai lançar, de modo sinodal, um aprofundamento da Evangelii Gaudium, para dela retirar critérios práticos e para pôr em prática as suas disposições”.

Perante este apelo do Papa, Andrea Tornielli, no sítio “Vatican Insider”, conclui: “Se o Pontífice convida a retomar aquele texto evidentemente ele pressupõe que a Igreja italiana não o tenha feito ou não o tenha feito suficientemente”.

E a Igreja portuguesa, fê-lo?

(Texto publicado no Correio da Manhã de 13/11/2015)

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

A Igreja e as eleições

D. António Marto
Foto: Fatima.pt retirada daqui
O futuro político do país está dependente das decisões dos líderes políticos, particularmente de António Costa, que determinarão se teremos um governo de esquerda ou de direita. Os bispos portugueses acompanham estes tempos “de uma certa incerteza e ansiedade em todo o país”, como os classificou D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima e vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa. E pediu aos políticos “para que, neste processo, manifestem uma profunda responsabilidade que os leve a colocar o interesse nacional acima de todos os interesses partidários”.

Já em relação à opção concreta por um governo de esquerda ou de direita, embora não seja uma questão “indiferente” e em que “cada um terá a sua opinião” – segundo o P. Manuel Barbosa, porta-voz da Conferência Episcopal – os bispos não se comprometem com nenhuma das soluções. Limitam-se a apelar à estabilidade governativa “porque o país está em primeiro lugar, tal como o interesse comum”.

Nesta posição estão em perfeita sintonia com os ensinamentos dos últimos Papas. “A Igreja não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política”, escrevia Bento XVI na Encíclica “Deus caritas est” (nº 28). “No diálogo com o Estado e com a sociedade, a Igreja não tem soluções para todas as questões específicas. Mas, juntamente com as várias forças sociais, acompanha as propostas que melhor correspondam à dignidade da pessoa humana e ao bem comum. Ao fazê-lo, propõe sempre com clareza os valores fundamentais da existência humana, para transmitir convicções que possam depois traduzir-se em ações políticas”, pode ler-se no nº 224 da “Evangelii Gaudium” do Papa Francisco.

No mesmo texto, o Papa diz: “Às vezes interrogo-me sobre quais são as pessoas que, no mundo atual, se preocupam realmente mais com gerar processos que construam um povo do que com obter resultados imediatos que produzam ganhos políticos fáceis, rápidos e efémeros, mas que não constroem a plenitude humana. A história julgá-los-á” (nº 224).

Para o bem do povo português, deseja-se que a intensa atividade política a que se tem assistido, e as decisões que venham a ser tomadas, não sejam corrompidas por um qualquer estéril e fútil tacticismo político-partidário. A história encarregar-se-á de julgar.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 16/10/2015)

sexta-feira, 10 de julho de 2015

A crise e a pobreza

Foto retirada daqui
A Europa está concentrada na resolução da crise grega e não estará a dar a devida atenção à visita do Papa Francisco ao Equador, à Bolívia e ao Paraguai.

As instituições europeias e o governo grego estão concentrados na discussão de um plano económico que concilie o pagamento das dívidas com a recuperação financeira do país e têm, porventura, esquecido as pessoas. Sobretudo as que mais sofrem com as consequências da falta de entendimento: os mais pobres.

Já no discurso e na atuação do Papa eles, os pobres, têm o maior destaque. Por isso, Francisco escolheu três dos países com mais pobreza na primeira visita por ele planeada à América Latina, uma vez que a ida ao Brasil estava já agendada pelo seu antecessor. Escolheu esses países para expor ao mundo as virtualidades, e os problemas, do continente que ele tão bem conhece.

Logo nas primeiras palavras em Quito, capital do Equador, referiu os contributos que o Evangelho pode oferecer “para que as realizações alcançadas no progresso e desenvolvimento se consolidem e possam garantir um futuro melhor para todos, prestando especial atenção aos nossos irmãos mais frágeis e às minorias mais vulneráveis, uma dívida que tem ainda toda a América Latina”.

Também aos universitários transmitiu a sua preocupação com os esquecidos da sociedade. E recordou um pensamento já expresso na Evangelii Gaudium: “Um pobre morre por causa do frio e da fome e isso não é notícia, mas se as bolsas das principais capitais do mundo caem dois ou três pontos arma-se um grande escândalo mundial”.

Antecipando as vozes que consideram o discurso do Papa demasiado à “esquerda”, disse no encontro com os representantes da sociedade equatoriana: “Vós podeis perguntar-me: Padre, porque fala tanto destes temas? Simplesmente porque esta realidade, e a resposta a esta realidade, estão no coração do Evangelho, está no protocolo de Mateus 25”. (Nesse texto do Evangelho, Jesus diz ao seu discípulos que sempre que dão de comer e de vestir aos mais pobres ou visitam os doentes e os detidos é a Ele que visitam).

Se os mais pobres dos europeus fossem a maior preocupação dos seus líderes, talvez já se tivesse encontrado uma solução para o problema da dívida grega e das dívidas soberanas de outros estados da União Europeia.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 10/07/2015)

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Os riscos do Sínodo

Foto retirada daqui
Está a mudar a forma como a Igreja debate as questões que preocupam as pessoas e a maneira como dialoga com o mundo.

O Papa Francisco quer uma “Igreja em saída” e com as portas abertas. Que vá ao encontro das “periferias geográficas e existenciais”. Que acolha as suas preocupações e inquietações e as reflita sem ter medo de enfrentar as questões mais polémicas.

Na abertura do último Sínodo dos Bispos o Papa pediu que se falasse claro. No discurso inaugural afirmou: “É necessário dizer tudo aquilo que, no Senhor, sentimos que devemos dizer: sem hesitações, sem medo. E, ao mesmo tempo, é preciso ouvir com humildade e aceitar de coração aberto aquilo que os irmãos dizem. A sinodalidade exerce-se com estas duas atitudes”.

Fruto dos trabalhos sinodais, foram identificadas as questões em torno da problemática da família a aprofundar no próximo Sínodo, o qual se reunirá no Vaticano de 4 a 25 de outubro deste ano. Algumas delas não obtiveram a maioria de dois terços, como é o caso do acesso dos divorciados recasados aos sacramentos e o acolhimento aos homossexuais. Todavia o Papa impôs que elas fizessem parte do Relatório Final e que sejam refletidas na próxima assembleia de bispos.

Esta semana foi apresentado o documento onde constam os assuntos que serão refletidos e aprofundados pelos padres sinodais. Foi sublinhado o desejo do Papa de que todos falassem com coragem e abertamente. Contudo a maior novidade foi a de deixar à “discrição e responsabilidade” dos participantes a liberdade de comunicar aos média os assuntos que estão a ser debatidos no Sínodo.

Esta é uma opção arriscada de transpor para os meios de comunicação social a discussão que decorre na Aula Sinodal, com o perigo de ser deturpado e corrompido pela lógica mediática, mas confere uma maior transparência e visibilidade ao debate eclesiástico. Está também de acordo com o que dizia o cardeal Bergoglio em Buenos Aires e que reafirmou, como Papa, na Evangelii Gaudium: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (nº49).

Em Outubro poderemos verificar se foram maiores os danos ou os benefícios desta decisão do Sínodo.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 26/06/2015)

sexta-feira, 27 de março de 2015

Os sem-abrigo no museu

Sem-abrigo na Capela Sistina
Foto retirada daqui
O Papa Francisco na Evangelii Gaudium criticou “a economia da exclusão e da desigualdade social” (nº 53) e pediu aos políticos o empenhamento numa melhor distribuição da riqueza, na criação de emprego e na “promoção integral dos pobres que supere o mero assistencialismo” (nº204). Recordou aos peritos financeiros e aos governantes as palavras de S. João Crisóstomo: “Não fazer os pobres participar dos seus próprios bens é roubá-los e tirar-lhes a vida. Não são nossos, mas deles, os bens que aferrolhamos” (nº 57).

Desde que vive no Vaticano, tem sido sensível às necessidades dos sem-abrigo que dormem na colunata de Bernini e nas soleiras dos palácios à sua volta. De entre muitas das suas iniciativas algumas têm sido amplamente noticiadas, como a instalação de sanitários onde eles pudessem tomar banho e cortar o cabelo. Bem como a distribuição de quatrocentos sacos-camas pelas ruas de Roma.

Estes e outros gestos do Papa podem ser facilmente catalogados como mero assistencialismo, ainda que traduzam a sua preocupação com aqueles que lhe estão mais próximo e a ânsia de fazer o que está ao seu alcance para aliviar os seus sofrimentos.

Contudo, não se tem ficado por aí.

No domingo passado, os mais pobres foram escolhidos para entregar os Evangelhos aos milhares peregrinos presentes na Praça de São Pedro. “Hoje ofereço-vos a todos vós que estais na Praça um presente: um Evangelho de bolso. Será distribuído gratuitamente por algumas pessoas sem teto, que vivem em Roma (…). Os mais necessitados são os que nos dão a Palavra de Deus”, disse o Papa.

Ontem, cento e cinquenta sem-abrigo visitaram gratuitamente os museus do Vaticano e comeram nos seus restaurantes. A visita foi promovida pelo arcebispo polaco Konrad Krajewski, responsável da Esmolaria Apostólica – a instituição da Santa Sé que se encarrega dos mais pobres – que guiou a visita. Desta forma “os mais carenciados, que geralmente apenas têm acesso à escadaria exterior à colunata da Praça de São Pedro” tiveram a oportunidade de “apreciar o património artístico do Vaticano”, de acordo com uma nota divulgada pela Santa Sé.

Estes são dois exemplos do empenhamento do Papa em elevar os mais pobres. E em investir na sua promoção integral, seja ela física, espiritual ou cultural.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 27/03/2015)

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Um Papa comunista?!

Foto AFP retirada daqui
O Papa promoveu um encontro global dos movimentos populares que lutam por causas como a erradicação da pobreza ou a inclusão social, tanto nos países ricos como nos países (ditos) do Terceiro Mundo, esta semana no Vaticano. Estas organizações reuniram-se pela primeira vez em Porto Alegre, no Brasil, em 2001 reagindo ao encontro anual de banqueiros e empresários em Davos, na Suíça. Desde então formam o “Fórum Mundial Social”, que nas suas primeiras edições continuou a realizar-se naquela cidade brasileira, tendo depois rumado a outras paragens.

É a primeira vez que um Papa se encontra com representantes de movimentos como os Sem Terra do Brasil, os Indignados de Espanha ou as associações que lutam em África contra a compra de enormes áreas de terreno para as destinar a culturas intensivas, como a produção de biocombustíveis. Para além de os receber juntou a sua voz à deles para dar um ainda maior impacto às suas reivindicações, mesmo correndo o risco de ser apelidado de “comunista”.

“É estranho, mas, quando falo destas coisas, alguns concluem que o Papa é comunista. Não percebem que o amor pelos pobres está no centro do Evangelho. Terra, casa e trabalho – isso pelo que vós lutais – são direitos sagrados. Reivindicar isso não é nada estranho, é a doutrina social da Igreja", disse no discurso de encerramento do encontro.

Também não se coibiu de voltar a criticar o sistema económico que coloca no centro o “Deus do dinheiro e não a pessoa humana”. E pediu aos políticos que abandonassem o “assistencialismo paternalista” e promovessem “novas formas de participação que incluam os movimentos populares e animem as estruturas de governo locais, nacionais e internacionais com esta torrente de energia moral que surge da incorporação dos excluídos na construção do destino comum”.

Desta forma, o Papa, mais uma vez, perante os atropelos à dignidade humana, dá um sinal claro de que prefere correr o risco de ser criticado a ficar calado. Prefere “uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”, tal como ele próprio escreveu na Evangelii Gaudium.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 31/10/2014)

domingo, 28 de setembro de 2014

Papa prende bispo

Arcebispo Josef Wesolowski
Foto retirada daqui
O Papa Francisco recebeu esta semana os bispos por ele nomeados durante o último ano. E, tal como noutras circunstâncias, usou esse encontro para sublinhar algumas das características que quer ver nos Pastores da Igreja: acima de tudo não quer que estes sejam “apagados ou pessimistas”, mas que cultivem e ofereçam ao mundo a “alegria do Evangelho”.

Quando são colocados numa diocese não devem aspirar a uma outra. Têm de resistir à tentação de mudar de povo, bem como de “mudar o povo”. E devem ter uma particular atenção aos mais jovens e aos mais idosos.

O Papa solicitou também aos bispos uma grande disponibilidade para receber, acolher, escutar e guiar os sacerdotes que lhes são confiados. E a manterem-se “acessíveis” a todos, “sem discriminação”. Na Evangelii Gaudium já tida recomendado aos bispos que deviam “ouvir a todos, e não apenas alguns sempre prontos a lisonjeá-lo” (nº31). Agora pediu-lhes para resistirem à “tentação” de sacrificar a própria liberdade rodeando-se de “cortes ou coros de consenso”.

Os bispos são chamados, segundo o Papa, a oferecer nos mais diversos contextos “a doçura de uma paternidade que gera”, acompanhada da “firmeza da autoridade que faz crescer”. No exercício do ministério petrino, Jorge Mario Bergoglio tem preconizado para os bispos a bondade e o acolhimento. Mas não abdica da determinação e da firmeza em relação a eles quando as circunstâncias o exigem.

Disto é um bom exemplo a forma como conduziu o escândalo do ex-núncio apostólico na República Dominicana, o arcebispo Josef Wesolowski. Logo que foram tornados públicos os comportamentos reprováveis do representante diplomático da Santa Sé junto do Governo daquele país, removeu-o imediatamente do seu cargo – embora lhe tenha garantido a liberdade de movimentos, em Roma, enquanto decorria o processo.

Porém, quando se comprovaram as acusações, a Congregação da Doutrina da Fé fê-lo regressar ao estado laical. Enquanto decorre o processo judicial, o tribunal civil do Vaticano decretou a sua prisão domiciliária, dando seguimento “à vontade expressa do Papa, para que um caso tão sério e delicado fosse tratado sem demora, com o justo e necessário rigor”, revelou o porta-voz da Santa Sé.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 26/09/2014)

domingo, 26 de janeiro de 2014

Divorciados a comungar, sim ou não?

Para o cardeal Maradiaga o arcebispo Müller “ é, 
acima de tudo, um professor alemão de teologia”
Foto retirada de Religión Digital
O cardeal Oscar Maradiaga deu uma entrevista ao jornal alemão “Koelner Stadt-Anzeiger” em que recomenda uma maior flexibilidade ao arcebispo Gehrard Müller, o qual tinha reproposto num artigo a doutrina que veda a comunhão aos divorciados que se tenham voltado a casar.

Tanto um como o outro desempenham tarefas relevantes no governo da Igreja. Maradiaga, arcebispo da capital das Honduras, é o coordenador do grupo de oito cardeais conselheiros do Papa. Müller é o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e está na lista dos futuros cardeais.
Não se deve estranhar que, entre os colaboradores mais próximos do Papa, haja divergência de perspetivas. O que não tem sido muito comum é elas serem tornadas públicas no registo que o cardeal hondurenho utilizou na entrevista. “Ele é, acima de tudo, um professor alemão de teologia; na sua mentalidade só existe o verdadeiro e o falso. Mas eu digo, meu irmão: o mundo não é assim; tu deves ser um pouco mais flexível”, disse.

Estas palavras de Maradiaga não terão agradado aos que defendem um discurso único para a Igreja e preferem que os seus mais altos dignatários falem a uma só. Mas essa não parece ser a perspetiva do Papa. Na “Evangelii Gaudium” apresenta a Igreja como a “discípula missionária” que precisa “de crescer na sua interpretação da Palavra revelada e na sua compreensão da verdade”. Por isso deve acolher os contributos de diferentes teólogos, exegetas e até peritos de outros saberes, como as ciências sociais. “A quantos sonham com uma doutrina monolítica defendida sem nuances por todos, isto poderá parecer uma dispersão imperfeita; mas a realidade é que tal variedade ajuda a manifestar e desenvolver melhor os diversos aspetos da riqueza inesgotável do Evangelho”, conclui o Papa.

Esta perspetiva “bergogliana” exigirá do Perfeito da Doutrina da Fé uma atuação menos inquisitorial e mais flexível. Que proponha com clareza as verdades que a fé coletiva foi consolidando ao longo do percurso multisecular da Tradição, mas que não coarte a reflexão teológica. Quanto aos teólogos, que desbravem caminhos novos –mas sem cederem à tentação de pretender impô-los rapidamente aos outros fiéis.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 24/01/2014)

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Desinstalar a Igreja

Foto daqui
A frase mais citada do Papa, retirada da Evangelii Gaudium, é, seguramente, “A economia mata”. Mas não é a única. Uma que também é muito referida é: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”.
Não é original da Exortação, mas algo que o Cardeal Bergoglio já repetia em Buenos Aires. Nota-se que é uma frase decantada ao longo de anos vividos em íntima proximidade com o seu rebanho. Não é a formulação de um funcionário do sagrado, confinado à sacristia da sua igreja, mas de um pastor que vive no meio do rebanho e que contraiu o “cheiro das ovelhas”.
Ao longo de toda a Exortação é de tal forma evidente esse odor que este acaba por incomodar alguns narizes, mais habituados ao bafio dos corredores vaticanos. Numa entrevista o cardeal Burke chega a afirmar que, na sua opinião, a Evangelii Gaudium não “está destinada a fazer parte do magistério papal”.
Outros não vão tão longe, mas argumentam que o Papa não diz nada de novo. Que só a forma como o diz é que é original. Procuram, assim, amenizar um discurso que desinstala e põe todos em questão, até o próprio papado.
Há, também, quem sublinhe o estilo pastoral do Papa Francisco, não lhe reconhecendo, ainda, qualquer avanço doutrinal em relação aos seus antecessores. Poderá ser verdade: mas também é certo que se abriram perspetivas para relançar a reflexão no interior da Igreja. 
Na Exortação o Papa convoca exegetas e teólogos para ajudar a Igreja a “crescer na sua interpretação da Palavra revelada e na sua compreensão da verdade”. Abre essa reflexão ao contributo da filosofia e das ciências sociais. Consciente que “a quantos sonham com uma doutrina monolítica defendida sem nuances por todos, isto poderá parecer uma dispersão imperfeita; mas a realidade é que tal variedade ajuda a manifestar e desenvolver melhor os diversos aspetos da riqueza inesgotável do Evangelho”.
Se todos souberem corresponder aos apelos do Papa, notar-se-ão em breve os avanços na forma de compreender e viver hoje a doutrina – imutável nos princípios, mas actualizável nas prioridades – da Igreja.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 20/12/2013)

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Um Papa global

O Papa Francisco está a tornar-se numa fenómeno verdadeiramente planetário. Não só por liderar uma instituição com presença em todo o mundo, mas porque a sua palavra se dirige de forma direta aos grandes problemas de toda a humanidade. Ergueu a sua voz, por diversas vezes – também na Evangelii Gaudium – para denunciar a “globalização da indiferença”. Apela ao empenhamento de todos, em particular dos católicos, para “eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da sociedade e entre os vários povos”. Os pobres e excluídos ganharam o lugar central no seu discurso e nos seus gestos.

Esta semana, foi apresentado como personalidade do ano, pela revista Time. Não é a primeira vez que um Papa recolhe esta classificação, conferida a quem durante o ano marcou a atualidade. Já aconteceu o mesmo com João XXIII, em 1962, e com João Paulo II, em 1994. Em ambos os casos, vários anos depois de terem assumido o papado. Ao atual Bispo de Roma bastaram apenas nove meses para se impor no espaço mediático. A diretora da Time justifica, precisamente, a escolha do Papa para capa da próxima semana, por “ser raro que um novo ator do cenário mundial suscite tão rapidamente a atenção tanto entre os jovens como entre os mais velhos e de igual modo entre os crentes e os céticos”.

Alguns acham que o sucesso mediático do Papa Bergoglio se deve às características do seu discurso, que todos compreendem, sem a linguagem hermética e complexa típica dos eclesiásticos.
Outros leem nas palavras e gestos do Papa uma estratégia refletida e exemplarmente implementada, para recuperar a base social de apoio, abordando temas e dando destaque a acontecimentos que marcam a atualidade.

Apesar de já ter dito que não se sente confortável nos palcos mediáticos, tem demonstrado uma facilidade de comunicação e um à vontade extraordinário. Contudo, essa eficácia não se deve tanto a uma estratégia delineada, nem é fruto de qualquer “media training” para a presença pública, a que se submetem tantos líderes mundiais: a sua eficácia comunicativa advém da sua autenticidade e coerência. Diz o que pensa e age em conformidade. Um grande exemplo, a ser seguido por outras lideranças eclesiásticas e até políticas.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 13/12/2013)

domingo, 1 de dezembro de 2013

Uma Igreja para a rua

O Ano da Fé concluiu-se com a publicação da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho), sobre o anúncio do Evangelho no Mundo atual. O título e o assunto evocam, imediatamente, a Gaudium et Spes (Alegria e Esperança), o texto do Concílio Vaticano II sobre a Igreja no mundo atual. A leitura do documento papal revela que as coincidências não se ficam pela utilização das palavras. Constata-se que é a mesma perspetiva sobre o mundo e o mesmo dinamismo que se quer imprimir à Igreja.

A Gaudium et Spes é “o olhar amoroso da Igreja sobre o mundo, a cara carinhosa da Igreja sobre as realidades terrenas”, para Ramón Cazallas Serrano, missionário da Consolata, numa entrevista a António Marujo, publicada no livro “Quando a Igreja desceu à Terra”. O texto conciliar desafiou os cristãos a saírem da sacristia e a comprometerem-se com “as alegrias e esperanças” da humanidade. “O sonho e a ousadia de João XXIII lançaram a Igreja num diálogo aberto com a modernidade”, afirma aquele sacerdote.

O Papa Francisco lança o mesmo olhar sobre o mundo e sonha com uma Igreja “em saída” para a rua. Constituída por pessoas que testemunham a alegria do Evangelho com espírito missionário, que “tomam a iniciativa”, “que se envolvem, que acompanham, que frutificam e festejam”.

A grande diferença entre os dois documentos advém do estilo próprio do cardeal Bergoglio. Utiliza uma linguagem bem mais acessível e um timbre maternal.

“A boa mãe sabe reconhecer tudo o que Deus semeou no seu filho, escuta as suas preocupações e aprende com ele. O espírito de amor que reina numa família guia tanto a mãe como o filho nos seus diálogos, nos quais se ensina e aprende, se corrige e valoriza o que é bom”.

Por vezes a mãe vê-se obrigada a repreender o seu filho. Não para o humilhar, mas para o ajudar a ser melhor. É assim que devem ser lidas as contundentes críticas que o Papa não se coíbe de fazer, tanto para dentro como para fora da Igreja.

Ainda que o Ano da Fé não tivesse tido outros frutos, pelo menos dotou a Igreja de um texto programático. Um guião para a sua ação no mundo atual, que deve ser lido e relido, debatido e meditado, em ordem à sua efetiva implementação.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 29/11/2013)