segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Desinstalar a Igreja

Foto daqui
A frase mais citada do Papa, retirada da Evangelii Gaudium, é, seguramente, “A economia mata”. Mas não é a única. Uma que também é muito referida é: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”.
Não é original da Exortação, mas algo que o Cardeal Bergoglio já repetia em Buenos Aires. Nota-se que é uma frase decantada ao longo de anos vividos em íntima proximidade com o seu rebanho. Não é a formulação de um funcionário do sagrado, confinado à sacristia da sua igreja, mas de um pastor que vive no meio do rebanho e que contraiu o “cheiro das ovelhas”.
Ao longo de toda a Exortação é de tal forma evidente esse odor que este acaba por incomodar alguns narizes, mais habituados ao bafio dos corredores vaticanos. Numa entrevista o cardeal Burke chega a afirmar que, na sua opinião, a Evangelii Gaudium não “está destinada a fazer parte do magistério papal”.
Outros não vão tão longe, mas argumentam que o Papa não diz nada de novo. Que só a forma como o diz é que é original. Procuram, assim, amenizar um discurso que desinstala e põe todos em questão, até o próprio papado.
Há, também, quem sublinhe o estilo pastoral do Papa Francisco, não lhe reconhecendo, ainda, qualquer avanço doutrinal em relação aos seus antecessores. Poderá ser verdade: mas também é certo que se abriram perspetivas para relançar a reflexão no interior da Igreja. 
Na Exortação o Papa convoca exegetas e teólogos para ajudar a Igreja a “crescer na sua interpretação da Palavra revelada e na sua compreensão da verdade”. Abre essa reflexão ao contributo da filosofia e das ciências sociais. Consciente que “a quantos sonham com uma doutrina monolítica defendida sem nuances por todos, isto poderá parecer uma dispersão imperfeita; mas a realidade é que tal variedade ajuda a manifestar e desenvolver melhor os diversos aspetos da riqueza inesgotável do Evangelho”.
Se todos souberem corresponder aos apelos do Papa, notar-se-ão em breve os avanços na forma de compreender e viver hoje a doutrina – imutável nos princípios, mas actualizável nas prioridades – da Igreja.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 20/12/2013)

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