domingo, 29 de dezembro de 2013

O acontecimento do ano

Foto: REUTERS/Stefano Rellandini (retirada daqui)
Ao chegar ao final do ano é normal eleger-se a figura e o acontecimento do ano. No âmbito eclesial e até mundial impôs-se a figura do Papa Francisco. Várias publicações o escolheram como personalidade que marcou o ano que agora termina.

Para além da Time, muitas outras publicações, como a The New Yorker, a Vanity Fair, ou a Foreign Policy o incluíram nas listas das individualidades que se destacaram em todo o mundo no último ano. Em Portugal, várias, como aconteceu com o Correio da Manhã e a revista Sábado, também o elegeram como figura do ano e não haverá nenhuma que não o tenha mencionado nas suas listas de personalidades e acontecimentos de 2013.

Todavia, este “efeito Francisco”, como já foi apelidado nos meios de comunicação social, só foi possível graças à resignação de Bento XVI. Esse acontecimento não tem sido devidamente realçado, mas terá sido o mais significativo para a Igreja e para o seu futuro. Não só por ter aberto caminho ao cardeal vindo do “fim do mundo”, mas, sobretudo, por ter contribuído para uma nova conceção do papado.

Paulo VI terá colocado a hipótese de resignar, quando se sentiu mais debilitado fisicamente, por fidelidade à doutrina conciliar. O Concílio impôs aos bispos que “vendo-se menos aptos para exercer o seu ministério por motivo de idade avançada ou por outra causa grave apresentem a renúncia do seu cargo” (Decreto sobre o Múnus Pastoral dos Bispos, nº 21). Paulo VI acabou por não resignar porque, entretanto, deu-se o rapto do primeiro-ministro italiano Aldo Moro e decidiu permanecer para ajudar a superar essa crise com a sua intervenção.

Caberá ao cardeal Ratzinger dar esse testemunho, ele que foi um dos teólogos mais influentes na reflexão conciliar. Ao renunciar, assume a sua fragilidade e, em sintonia com a perspetiva conciliar, como qualquer outro bispo, renuncia ao seu ministério, para que outro possa tomar o leme da Barca de Pedro e conduzi-la neste conturbado contexto da pós-modernidade. O Papa Francisco, que gosta de se apresentar como bispo de Roma, está a fazê-lo de forma admirável. A resignação de Bento XVI está na sua génese e, não só por isso, pode ser considerada o acontecimento eclesial mais relevante de 2013.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 27/12/2013)

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