O Ano da Fé concluiu-se com a
publicação da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria do
Evangelho), sobre o anúncio do Evangelho no Mundo atual. O título e o assunto
evocam, imediatamente, a Gaudium et Spes (Alegria e Esperança), o texto
do Concílio Vaticano II sobre a Igreja no mundo atual. A leitura do documento
papal revela que as coincidências não se ficam pela utilização das palavras.
Constata-se que é a mesma perspetiva sobre o mundo e o mesmo dinamismo que se
quer imprimir à Igreja.
A Gaudium et Spes é “o
olhar amoroso da Igreja sobre o mundo, a cara carinhosa da Igreja sobre as
realidades terrenas”, para Ramón Cazallas Serrano, missionário da Consolata,
numa entrevista a António Marujo, publicada no livro “Quando a Igreja desceu à
Terra”. O texto conciliar desafiou os cristãos a saírem da sacristia e a
comprometerem-se com “as alegrias e esperanças” da humanidade. “O sonho e a
ousadia de João XXIII lançaram a Igreja num diálogo aberto com a modernidade”,
afirma aquele sacerdote.
O Papa Francisco lança o
mesmo olhar sobre o mundo e sonha com uma Igreja “em saída” para a rua.
Constituída por pessoas que testemunham a alegria do Evangelho com espírito
missionário, que “tomam a iniciativa”, “que se envolvem, que acompanham, que
frutificam e festejam”.
A grande diferença entre os
dois documentos advém do estilo próprio do cardeal Bergoglio. Utiliza uma
linguagem bem mais acessível e um timbre maternal.
“A
boa mãe sabe reconhecer tudo o que Deus semeou no seu filho, escuta as suas
preocupações e aprende com ele. O espírito de amor que reina numa família guia
tanto a mãe como o filho nos seus diálogos, nos quais se ensina e aprende, se
corrige e valoriza o que é bom”.
Por vezes a mãe vê-se
obrigada a repreender o seu filho. Não para o humilhar, mas para o ajudar a ser
melhor. É assim que devem ser lidas as contundentes críticas que o Papa não se
coíbe de fazer, tanto para dentro como para fora da Igreja.
Ainda que o Ano da Fé não
tivesse tido outros frutos, pelo menos dotou a Igreja de um texto programático.
Um guião para a sua ação no mundo atual, que deve ser lido e relido, debatido e
meditado, em ordem à sua efetiva implementação.
(Texto publicado no Correio da Manhã de 29/11/2013)
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