domingo, 1 de dezembro de 2013

Uma Igreja para a rua

O Ano da Fé concluiu-se com a publicação da Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho), sobre o anúncio do Evangelho no Mundo atual. O título e o assunto evocam, imediatamente, a Gaudium et Spes (Alegria e Esperança), o texto do Concílio Vaticano II sobre a Igreja no mundo atual. A leitura do documento papal revela que as coincidências não se ficam pela utilização das palavras. Constata-se que é a mesma perspetiva sobre o mundo e o mesmo dinamismo que se quer imprimir à Igreja.

A Gaudium et Spes é “o olhar amoroso da Igreja sobre o mundo, a cara carinhosa da Igreja sobre as realidades terrenas”, para Ramón Cazallas Serrano, missionário da Consolata, numa entrevista a António Marujo, publicada no livro “Quando a Igreja desceu à Terra”. O texto conciliar desafiou os cristãos a saírem da sacristia e a comprometerem-se com “as alegrias e esperanças” da humanidade. “O sonho e a ousadia de João XXIII lançaram a Igreja num diálogo aberto com a modernidade”, afirma aquele sacerdote.

O Papa Francisco lança o mesmo olhar sobre o mundo e sonha com uma Igreja “em saída” para a rua. Constituída por pessoas que testemunham a alegria do Evangelho com espírito missionário, que “tomam a iniciativa”, “que se envolvem, que acompanham, que frutificam e festejam”.

A grande diferença entre os dois documentos advém do estilo próprio do cardeal Bergoglio. Utiliza uma linguagem bem mais acessível e um timbre maternal.

“A boa mãe sabe reconhecer tudo o que Deus semeou no seu filho, escuta as suas preocupações e aprende com ele. O espírito de amor que reina numa família guia tanto a mãe como o filho nos seus diálogos, nos quais se ensina e aprende, se corrige e valoriza o que é bom”.

Por vezes a mãe vê-se obrigada a repreender o seu filho. Não para o humilhar, mas para o ajudar a ser melhor. É assim que devem ser lidas as contundentes críticas que o Papa não se coíbe de fazer, tanto para dentro como para fora da Igreja.

Ainda que o Ano da Fé não tivesse tido outros frutos, pelo menos dotou a Igreja de um texto programático. Um guião para a sua ação no mundo atual, que deve ser lido e relido, debatido e meditado, em ordem à sua efetiva implementação.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 29/11/2013)

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