sábado, 29 de novembro de 2014

O Papa e a Europa

Papa Francisco no Parlamento Europeu
Foto retirada daqui
O Papa falou ao Parlamento Europeu e deixou uma “mensagem de esperança”. Ele tem “confiança de que as dificuldades podem revelar-se, fortemente, promotoras de unidade, para vencer todos os medos que a Europa – juntamente com o mundo inteiro – está a atravessar”. Dirigiu-se aos deputados europeus com os olhos postos na Turquia – e a pessoa humana foi o tema central do seu discurso.

A alusão à Turquia – o país que começou hoje a visitar – é evidente quando propõe o diálogo com os países que pretendem entrar na União Europeia, nomeadamente os países da “área balcânica” e os que confinam com ela. Referiu-se em particular aos que “assomam ao Mediterrâneo, muitos dos quais sofrem por causa de conflitos internos e pela pressão do fundamentalismo religioso e do terrorismo”.

No final deixou um apelo à construção de uma Europa “não em torno da economia, mas da sacralidade da pessoa humana, dos valores inalienáveis”. Uma Europa “que abraça com coragem o seu passado e olha com confiança o seu futuro, para viver plenamente e com esperança o seu presente”.

Ao longo de todo o seu discurso sublinhou por diversas vezes “a centralidade da pessoa humana”. Recordou aos parlamentares que “no centro deste ambicioso projeto político, estava a confiança no homem, não tanto como cidadão ou como sujeito económico, mas no homem como pessoa dotada de uma dignidade transcendente”. E alertou para o perigo “de ser reduzido a mera engrenagem dum mecanismo que o trata como se fosse um bem de consumo, de modo que a vida, quando deixa de ser funcional para esse mecanismo, é descartada sem muitas delongas, como no caso dos doentes, dos doentes terminais, dos idosos abandonados e sem cuidados, ou das crianças mortas antes de nascer”.

Ainda bem que vozes como a do Papa Francisco se elevam para reclamar a “centralidade da promoção da dignidade humana” e dar algum ânimo a uma União Europeia órfã de líderes com a dimensão dos seus pais fundadores. Agora, entregue a lideranças subservientes com o “poder financeiro ao serviço de impérios desconhecidos”, a que o Papa se referiu, parece mais empenhada com o controlo do deficit do que em resolver os graves problemas sociais dos europeus. É isto que tem de mudar.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 28/11/2014)

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

O padre de Canelas

Foto: José Coelho/Lusa retirada daqui
Nós, os padres, podemos fazer muito mal à Igreja e por vezes não resistimos à tentação de o fazer. É isso que acontece quando perdemos o sentido da nossa missão e nos deixamos levar pelas nossas conveniências. Nessas alturas instrumentalizamos o ministério, e até as pessoas, para conseguir os nossos objetivos.

A Igreja está organizada, territorialmente, em dioceses, as quais por sua vez se organizam em paróquias. A cada diocese é dado um bispo que confia as paróquias a um sacerdote, o pároco. Este não é dono da paróquia, nem a paróquia se pode apoderar do sacerdote que é colocado à sua frente. O próprio pode pedir ao bispo para sair quando achar que está esgotada a sua missão naquele espaço. E o bispo pode mudá-lo quando entender que é o melhor para o próprio e para a Igreja. Não o deve fazer de forma despótica e arbitrária, mas deve dialogar com o sacerdote que pretende mudar.

Parece que não foi o que aconteceu na remoção do pároco de Canelas (V. N. Gaia). Antes pelo contrário, parece que D. António dos Santos, o bispo do Porto, dialogou repetidamente com o pároco, acolheu as suas propostas, foi condescendente com os seus avanços e recuos. Contudo, quando teve de decidir, nomeou o padre Albino. Nem mesmo as ameaças de revelar comportamentos prevaricadores de um outro sacerdote o demoveram. O padre Roberto utilizou essa arma de arremesso talvez por ainda não ter percebido que o comportamento da hierarquia mudou radicalmente. Se antes a tentação era esconder esses comportamentos, hoje a práxis começa a ser de denunciá-los às autoridades competentes. Como fez, e bem, o bispo do Porto.

Foram vários os padres que os bispos mudaram no início deste ano pastoral. Houve, seguramente, muitas comunidades que ficaram descontentes com a mudança. Algumas delas fizeram chegar ao seu bispo a sua discordância e até equacionaram a possibilidade de se manifestarem publicamente contra a decisão. Mas não o fizeram, quase sempre porque o pároco cessante não lhes deu força, não quis ficar seu refém e os ajudou a perceber que são chamados a acreditar em Cristo e não no padre que têm à sua frente. É por isso que a sua fé é cristã e não robertina, albinina ou antonina, como lhes diria S. Paulo (cf. 1 Cor. 3, 1-5).

(Texto publicado no Correio da Manhã de 21/11/2014)

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Basílica na aldeia

Foto de Manuel Roberto retirada daqui
A igreja do Santo Cristo em Outeiro, uma aldeia perto de Bragança, foi promovida pelo Papa Francisco a Basílica Menor.

Outeiro já foi Vila e sede de concelho entre 1514 e 1853. Durante esse período foi construída a igreja de Santo Cristo para albergar uma imagem do crucificado que se encontrava numa pequena capela e que terá suado sangue a 26 de Abril de 1698. Nesse mesmo ano foi lançada a primeira pedra de um grande templo, o qual foi inaugurado a 3 de Maio de 1713. Em 1927 foi classificado como Monumento Nacional.

Apenas quatro basílicas, todas em Roma, são classificadas como Maiores. São elas a Basílica de S. João de Latrão (sede da diocese de Roma), a de S. Pedro no Vaticano, a de S. Maria Maior e a de S. Paulo Fora-de-Muros. Todas as outras, como é o caso da Basílica da Estrela em Lisboa, a Real em Castro Verde ou a do Rosário em Fátima, são Menores. E é a primeira vez que uma igreja localizada numa aldeia portuguesa é elevada à dignidade basilical. O que só foi possível, graças ao empenhamento do atual bispo de Bragança-Miranda, D. José Cordeiro, que soube dar continuidade a um desejo antigo e obter a sua aprovação em apenas um ano.

Quando comemos o pão que chega à nossa mesa raramente lembramos as mãos que desbravaram a terra. Por isso é bom lembrar que quem deitou a semente para que o título de Basílica fosse atribuído à igreja do Santo Cristo foi D. António Rafael, há mais de trinta anos. Na celebração do Ano Santo da Redenção, em 1983, durante a peregrinação diocesana àquele santuário, o então bispo de Bragança-Miranda, realçou a grandiosidade do templo que “merecia ser Basílica”.

O cónego João Gomes, pároco de Outeiro, não deixou cair no esquecimento a ideia de D. António e recuperou-a por ocasião da celebração dos trezentos anos da inauguração da, agora, Basílica Menor. Para além de não deixar apagar “a torcida que ainda fumegava”, soube soprá-la no momento certo para que a ideia pudesse acender-se no tempo oportuno e tornar-se uma realidade.

Agora que despontou a primeira folha, é preciso continuar a cuidar da planta para que ela dê frutos. A Basílica do Santo Cristo é razão bastante para colocar Outeiro no mapa religioso, cultural e turístico do país.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 14/11/2014)

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Ser bispo é…

Foto retirada daqui
Subir na carreira é uma aspiração legítima e louvável em qualquer percurso profissional, mas não no eclesiástico. A única ambição admitida a um clérigo é a de servir. Porque ele não é um profissional do sagrado, que vai ascendendo na hierarquia, subindo degrau a degrau até ao episcopado, mas é escolhido para desempenhar funções diversas na Igreja, sempre tendo como horizonte o serviço à comunidade e não a promoção pessoal.

Por diversas vezes o Papa tem criticado aqueles que aspiram a subir na carreira eclesiástica, cumprindo um plano que tudo submete a essa pretensão, muitas vezes travestida de serviço à Igreja, a qual, contudo, não passa de uma estratégia para atingir esse objetivo pessoal.

Na audiência desta semana censurou os sacerdotes que embarcam nessa “mentalidade mundana” e que veem no episcopado uma promoção. Para o Papa ser bispo “é um serviço e não uma honra para se vangloriar”. Esse é o testemunho de tantos santos que demonstraram que “esse ministério não se procura, não se pede, não se compra, mas se acolhe em obediência, não para se elevar, mas para se baixar, como Jesus”, disse. Por isso “é triste quando se vê um homem que procura este ofício e que faz muitas coisas para lá chegar, e, quando lá chega, não serve, pavoneia-se, vive somente para a sua vaidade”.

Para além do desagrado, Francisco, no fundo, reconhece também que tal como acontece no mundo – por exemplo na política – por vezes os eleitos não são os mais aptos para desempenhar um cargo, mas os que mais fazem por isso, por vezes sem olhar a meios para atingir os seus fins. Cujo objetivo não é, seguramente, servir, mas servir-se. Não é governar, mas governar-se.

A constatação está feita. A enfermidade está identificada. Agora aguarda-se a implementação de uma terapia adequada para a combater e um investimento na sua prevenção. O Papa já interveio de forma determinada na correção dos desmandos de alguns bispos, não se coibindo mesmo de os suspender, dada a gravidade de alguns casos. Espera-se que em relação aos “trepadores”, como já os apelidou, para além dessa firmeza nos casos mais graves, consiga igualmente encontrar formas de dificultar o seu acesso ao episcopado.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 07/11/2014)