domingo, 29 de junho de 2014

Máfia excomungada

Papa na Calábria
Foto retirada daqui
O Papa Francisco foi corajoso ao proferir palavras duras contra a máfia e os mafiosos na visita à diocese calabresa de Cassano all’Jonio, no sul de Itália, no passado sábado. Afirmou: “A 'Ndrangheta’ [máfia calabresa] é isto: adoração do mal e desprezo pelo bem comum”. E concluiu: “Aqueles que na sua vida seguem o caminho do mal, como são os mafiosos, não estão em comunhão com Deus: estão excomungados”. São palavras fortes e constituem a crítica mais contundente de um Papa a esta organização criminosa.

João Paulo II, a 9 de maio de 1993, em Agrigento, na Sicília, atreveu-se a dizer aos mafiosos: “Arrependei-vos, virá o juízo de Deus”. Meses depois foi assassinado em Palermo o padre Pino Puglisi, um sacerdote que se dedicava à prevenção da toxicodependência e da delinquência juvenil. Para Alessandra Dino, professora da Universidade de Palermo, tratou-se de “uma vingança, uma resposta direta a João Paulo II” da máfia siciliana. A Igreja considera Pino Puglisi o primeiro mártir da “Cosa Nostra” e foi beatificado a 25 de maio do ano passado.

Desde a sua morte, “o compromisso antimáfia da cúpula eclesiástica pareceu enfraquecer-se, delegando tudo aos padres definidos como ‘de fronteira’ ou ‘de rua’, de acordo com a moda jornalística” escreveu há dias Roberto Saviano, jornalista perseguido pela 'Ndrangheta, no jornal “La Repubblica”. Alessandra Dino, que tem estudado a relação entre a Igreja e a máfia, identificou mesmo alguma condescendência dos párocos sicilianos para com os mafiosos, os quais, de acordo com a sua pesquisa em Palermo, chegam a considerar alguns como “homens de honra”.

O bispo de Cassano all’Jonio, nomeado pelo Papa Francisco secretário da Conferência Episcopal Italiana, quer corrigir essa atitude no clero da sua diocese e garante que “a Igreja calabresa sente-se parte do despertar das consciências contra o crime organizado”, porque “o crime organizado alimenta-se de consciências adormecidas”.

Apesar de o crime organizado não ter em Portugal a dimensão italiana, não faltam “mafiazinhas” que pervertem regras e prejudicam quem não lhes pertence. Seria bom que a Igreja portuguesa não se acobardasse perante elas e contribuísse para acordar as consciências.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 27/06/2014)

domingo, 22 de junho de 2014

O fazedor de pontes

O abraço junto ao Muro das Lamentações
Foto retirada daqui
O Papa apresentou-se ao mundo como Bispo de Roma e parece preferir esse título a outros, que a história foi atribuindo a essa função na Igreja, como o de Sumo Pontífice. Porém, o exercício do ministério petrino que o cardeal Bergoglio tem vindo a desempenhar está a tornar-se num verdadeiro pontificado, não no sentido tradicional do tema mas no sentido originário.

A palavra pontífice tem a sua origem etimológica nos termos latinos pons facere. É, portanto, um fazedor de pontes, literalmente. Atribuído ao Papa entende-se como aquele que faz a ponte entre os homens e Deus. Precedido do qualificativo Sumo, é mesmo considerado o mais elevado, mais excelso construtor de pontes.
O Papa Francisco não se limita a fazer a ponte entre Deus e os homens, mas preocupa-se também com os muros que dividem a humanidade, a começar pelos que têm a sua origem nas convicções religiosas.

Numa recente entrevista ele confidenciou que rejeitou o papa-móvel, com vidros à prova de bala, por detestar todas as barreiras, mesmo as que são colocadas para sua segurança, mas que o impedem de contactar com as pessoas. Nessa mesma entrevista referiu que na Argentina é normal a convivência entre emigrantes originários de diferentes países, culturas e religiões. Daí a sua amizade com o judeu Abraham Skorka e o muçulmano Ombar Abboud, que se abraçaram junto ao Muro das Lamentações, em Jerusalém. Um desejo antigo de todos e uma bela parábola das pontes que é preciso construir entre as três religiões

Francisco tem-se destacado como Sumo Pontífice, ou seja, altíssimo mediador dessa reconciliação que não é bem vista pelos fundamentalistas de todas as três religiões, presentes também entre os católicos. Basta consultar a Internet para tropeçar em inúmeras críticas à atitude tolerante e conciliadora do Papa. Contrariamente ao que se possa pensar, não quer, contudo, uma uniformização das diferentes e peculiares identidades de cada pessoa, crença ou cultura, o que ele denomina de má globalização. Propõe, isso sim, uma sadia globalização, em que as especificidades de cada um não ponham em causa o bom entendimento entre todos. Tal como acontece no seu relacionamento com os seus amigos judeu e muçulmano.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 20/06/2014)

domingo, 15 de junho de 2014

O diamante Taizé

Oração na Igreja da Reconciliação em Taizé
Foto retirada do site de Taizé
“O que tem de especial Taizé?” Foi essa a questão que um jovem colocou ao frei Alois, o prior da Comunidade. Ao que ele respondeu com simplicidade: “Eu acho que nada. Somos uma comunidade de frades com limitações e fraquezas”.

Mas este é, de facto, um local especial. Onde é possível um pastor protestante desempregado abeirar-se de um sacerdote católico paramentado e pedir-lhe que o abençoe para que Deus o ajude a encontrar emprego. Onde se vive e respira o acolhimento e a reconciliação. Onde o ritmo diário é marcado pelos sinos que convocam milhares de pessoas à oração na Igreja da Reconciliação, de manhã, ao meio da jornada e ao fim do dia.

A pequena aldeia de Taizé foi escolhida, em 1940, por Roger Schutz para ali se fixar. Comprou uma quinta com uma casa em ruínas e aí sonhou fundar uma fraternidade que se dedicasse a sarar as feridas de uma humanidade em conflito mundial. Dada a sua situação – a sul dos limites da França ocupada pelos nazis – começou por acolher refugiados de guerra, que ajudava a passar para o seu país de origem, a neutral Suíça. Entretanto foi desenhando uma comunidade que reunisse os seguidores do mesmo Jesus Cristo, que a história tinha dispersado em diferentes igrejas.

Estão agora a completar-se os setenta e cinco anos dessa caminhada. A Comunidade de Taizé é formada por uma centena de irmãos católicos e protestantes, de quase trinta países diferentes. Taizé é cada vez mais uma «parábola de comunidade», como se pode ler na sua página da Internet, “um sinal concreto de reconciliação entre cristãos divididos e entre povos separados”.

A sua vida de oração e comunhão atraem pessoas de todo mundo e milhares de jovens. Para o frei Alois, vão a Taizé “à procura de esperança, para olhar o futuro com alegria e não com medo”. A todos desafia a não se deixarem vencer pelo medo ou pela resignação, mas a trilharem o caminho de uma “nova solidariedade”, que “não se opõe a uma ‘antiga solidariedade’ que esteja hoje ultrapassada; ela deve corresponder mais a uma renovação, a uma ‘dinâmica do provisório’, que leva o crente a avançar, para lá de novos obstáculos”.

Para os monges de Taizé a solidariedade é, hoje, o caminho da reconciliação e da comunhão.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 13/06/2014)

domingo, 8 de junho de 2014

A doença do interior

Passos Coelho na Expo Trás-os-Montes, Bragança
Foto do Portal do Governo
O interior do país apresenta, há décadas, sintomas de uma doença grave, dos quais os mais preocupantes são o despovoamento e o envelhecimento da população. Parece que são problemas que afetam todo o mundo ocidental, mas sentem-se com maior incidência e relevância nas zonas mais periféricas dos países, como é o caso de Trás-os-Montes.

Uma vez que o diagnóstico está mais do que feito, é urgente encontrar terapêuticas para tratar esses males. Tal como acontece com os problemas mais graves, como a crise que atravessamos, os políticos, a maior parte das vezes, não têm a menor ideia de como os resolver. Compete à sociedade civil não se abandonar nas suas mãos e assumir a responsabilidade de rasgar novos horizontes.

O NERBA (Núcleo Empresarial de Bragança), na comemoração dos seus 25 anos de existência, promoveu, na semana passada, um Fórum Empresarial com o objetivo de "identificar algumas orientações estratégicas e ideias de projetos mobilizadores, ao nível regional e no âmbito da cooperação transfronteiriça, focadas numa trajetória de crescimento económico e de criação de emprego, em sintonia com a estratégia da União Europeia para o crescimento inteligente, sustentável e inclusivo".

Foram mais uma vez elencados os problemas acima referidos, e sublinhada a sua "tendência a agravarem-se". As políticas nacionais não têm ajudado a inverter esta tendência na região, antes pelo contrário, têm-na acentuado com "a redução da presença de serviços públicos, a eliminação das ligações aéreas, a incompreensível exclusão do distrito de Bragança dos investimentos previsto para os próximos sete anos" a candidatar aos fundos da União Europeia.

Passos Coelho esteve presente e confirmou outra medida que vai dificultar, ainda mais, o desenvolvimento desta região: a introdução de portagens na autoestrada. Não seria uma medida muito gravosa se os políticos tivessem o engenho de a fazer acompanhar por outras que minimizassem o seu impacto.

Tal, porém, não irá acontecer. E também não deverão ser aproveitadas algumas das ideias surgidas nesse Fórum, como a da criação de uma agência para o desenvolvimento do interior que corrigisse as escandalosas assimetrias entre o litoral e estes territórios.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 06/06/2014)

domingo, 1 de junho de 2014

Diplomacia papal

Logo da Peregrinação do Papa à Terra Santa
retirado da página do Vaticano
A questão do celibato quase relegou para segundo plano a importância da viagem do Papa Francisco à Terra Santa na comemoração dos cinquenta anos do encontro em Jerusalém entre o Paulo VI e o Patriarca Atenágoras.

Em relação a essa temática o Papa limitou-se a repetir que não se trata de uma questão teológica, mas meramente disciplinar. E recordou algo que muitos continuam a desconhecer: que a Igreja Católica já tem padres casados, no Rito Oriental. Por isso não constituirá um grande problema estender essa disciplina ao catolicismo ocidental, de Rito Latino. Contudo, não parece estar para breve essa alteração, pois Francisco continua a valorizar o testemunho do celibato e não o considera uma questão decisiva para a vida da Igreja. “Temos coisas mais importantes a abordar”, disse o Papa aos jornalistas no voo de regresso a Roma. E recentrou o debate em algo que o preocupa muito mais: a unidade da Igreja.

A paz entre os povos do Médio Oriente, o diálogo inter-religioso e a reconciliação entre as igrejas cristãs foram as grandes questões abordadas pelo Papa, não só por palavras, mas, sobretudo, por gestos muito significativos. Nestes destacam-se os momentos de oração silenciosa junto do muro que separa a Palestina de Israel, no Muro das Lamentações e na visita ao memorial dedicado às vítimas do holocausto de Yad Vashem, onde beijou as mãos de alguns sobreviventes da perseguição nazi.

Em apenas três dias o Papa “desativou as minas do ódio multisecular da divisão e do receio, para semear sobre elas as rosas do diálogo, da reconciliação, da unidade, da paz e da esperança. Para fora e para dentro da Igreja”. Esta é a avaliação que José Manuel Vidal, diretor do sítio religioso “Religión Digital”, faz da viagem papal.

Nesta deslocação à Terra Santa o Papa Francisco demonstrou a sua habilidade na abordagem de questões sensíveis, como a conturbada convivência entre os povos do Médio Oriente ou o diálogo com a Igreja Ortodoxa – e recuperou para o papado e para o Vaticano um papel destacado na cena diplomática mundial. “Francisco tem essa capacidade de tocar a tecla apropriada em todos os momentos, que torna fácil o difícil”, conclui José Manuel Vidal.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 30/05/2014)