quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Decidir o voto com Santo Inácio

Iniciou-se a campanha eleitoral. Os candidatos procuram consolidar a sua base eleitoral de apoio e convencerem os indecisos a elegê-los no próximo dia 10 de março.

Não é correto, padres ou bispos dizerem aos católicos o partido em que deverão votar. Felizmente, são cada vez menos aqueles que se atrevem a fazê-lo. É mais habitual condenarem a abstenção e apelarem ao dever de votarem.

Correto é dar critérios para discernir esse direito e dever de votar. Santo Inácio, o fundador dos jesuítas, apurou a arte do discernimento, há 500 anos. “Será possível – inspirando-nos na tradição espiritual inaciana – enunciar alguns princípios e critérios que ajudem a formar uma opinião e consequente escolha, ao aproximar-se um ato eleitoral?”. A questão é levantada pelo padre jesuíta Miguel Gonçalves Ferreira, num artigo publicado no sítio Ponto SJ: “Regras para ordenar-se no votar”.

Apoiando-se nos “Exercícios Espirituais” redigidos por Santo Inácio, o Pe. Miguel propõe uma série de ideias que poderão ajudar os eleitores a discernirem melhor a orientação do seu voto. Pois “o momento da escolha deve ser ponderado e sereno, e não agitado ou precipitado”.

O padre jesuíta sugere que cada um considere a sua situação pessoal e a situação do país. Depois deve concentrar-se nas ideias e propostas dos programas eleitorais e nos candidatos que as defendem. Finalmente, deverá avaliar se a sua decisão tem em conta o bem comum ou apenas os interesses pessoais. Deverá, também, ter em consideração os eventuais “dilemas de consciência” que a sua escolha implica, pois poderá ter de “optar pelo menos mau”.

Quem ainda está indeciso, ou quem decidiu precipitadamente, deveria ler o artigo do Pe. Miguel Gonçalves Ferreira. Ele não indica em quem se deve votar, mas orienta bem o discernimento a fazer para tomar tal decisão.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Um clero mais maduro e preparado

Os seminários estão em transformação
Foto retirada daqui
O Concílio Vaticano II propôs uma renovação e atualização da Igreja Católica. Já passaram quase sessenta anos após o seu encerramento (8/12/1965). Por isso, quando alguns falam da necessidade de um Concílio Vaticano III, deve recordar-se que ainda não foram implementadas muitas das reformas preconizadas pelo Vaticano II.

No decreto sobre a formação sacerdotal, aprovado a 28/10/1965, os padres conciliares preconizaram uma maior atenção à maturidade humana. “Por meio duma formação bem ordenada, cultive-se também nos alunos a devida maturidade humana”, diz o referido decreto no nº11. Previa-se, então, a possibilidade de os bispos, para garantir uma maior maturidade e formação espiritual dos candidatos à ordenação, poderem ponderar a necessidade “duma interrupção dos estudos ou dum apto estágio pastoral” (nº12).

O Papa Francisco referiu num encontro com seminaristas de Nápoles, sexta-feira, que, “na formação sacerdotal, está em marcha um processo que inclui novas questões e novas aquisições: os itinerários formativos estão a passar por muitas transformações”. Isto acontece para corresponder aos “desafios que se colocam ao ministério sacerdotal e que exigem compromisso, paixão e criatividade saudável por parte de todos”.

O Papa saudou as “novas experiências pastorais e missionárias” e revelou que “estão a ser previstas interrupções no itinerário [formativo dos seminários] para promover o amadurecimento individual”. Francisco apelou a que estas “novidades” sejam acolhidas e examinadas.

Em Portugal, devido à falta de clero, verifica-se uma maior preocupação em acelerar o processo formativo do que em apostar em percursos mais longos e exigentes. Porém, se quisermos um clero com maior maturidade e uma formação mais adequada aos desafios de hoje, convém seguir as experiências que o Papa elogiou.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Igreja hipócrita com os homossexuais

O Papa Francisco chamou a atenção para a hipocrisia farisaica que se vive no interior da Igreja Católica. Estranhou que tenham surgido tantas críticas ao documento “Fiducia supplicans”, do Dicastério da Doutrina da Fé, que veio esclarecer que se podem dar bênçãos a casais “irregulares”, inclusive homossexuais. Na verdade, como esclareceu posteriormente, que o que se abençoa são as pessoas, não a situação em que vivem.

A hipocrisia que o Papa veio agora criticar, numa entrevista à revista católica “Credere” publicada quinta-feira, é o facto de “ninguém se escandalizar” se ele abençoar “um empresário que talvez explore pessoas”, o que, na opinião do Papa, é “um pecado muito grave”. Contudo, alguns setores da Igreja escandalizam-se se ele abençoar um homossexual, por considerarem que ele vive em pecado. Para o Papa, “isto é hipocrisia”. E disse mais: “Eu não abençoo um 'casamento homossexual', abençoo duas pessoas que se amam e também lhes peço que rezem por mim”.

Quem se der ao trabalho de ler este documento e a explicação posteriormente publicada, verifica que nada foi alterado na doutrina católica em relação ao matrimónio ou às bênçãos. Veio apenas responder às questões sobre se, em determinadas circunstâncias, podiam ser negadas as bênçãos a determinadas pessoas. É evidente que não. O “coração” do documento “Fiducia supplicans”, segundo Francisco, “é o acolhimento”.

Ninguém, por enquanto, pergunta à entrada das igrejas se os fiéis estão em estado de graça ou em pecado, numa situação regular ou irregular, se são hétero ou homossexuais. No final da eucaristia o celebrante abençoa todos os presentes, sem ninguém nunca se ter escandalizado com isso. Não se percebe, pois, porque gerou tanta polémica o Dicastério da Doutrina da Fé ter reconhecido o óbvio. “Fariseus hipócritas”, diria Jesus.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Linguagem nova para pregar Jesus

O Papa Francisco encontrou-se pela quinta vez com o realizador Martin Scorsese. Foi um encontro entre “dois grandes homens de génio e experiência”, escreveu o padre jesuíta António Spadaro numa publicação da rede social X. Para ambos “a figura de Jesus tem um fascínio e um valor extraordinário”. Por isso, procuram dialogar sobre ele e encontrarem-se quando podem.

Martin Scorsese estreou em 1988 o filme “A última tentação de Cristo”. Está agora a trabalhar numa nova película sobre Jesus, a qual decidiu fazer, segundo Spadaro, ao ler o prefácio do Papa ao seu livro “Uma Trama Divina: Jesus em Contracampo”.

Esta publicação reúne os comentários de Spadaro aos Evangelhos dominicais, publicados no jornal italiano “Il Fatto Quotidiano”. Ele impôs-se a si próprio o desafio de escrever sobre os Evangelhos “sem cair nas típicas prosas homiléticas que dão por adquiridas tantas coisas – a própria fé – e estão acostumadas a fórmulas óbvias”, refere numa Nota do Autor no final do livro.

No prefácio a essa obra, o Papa afirma que “abrir os Evangelhos é como olhar por uma câmara de filmar que nos mostra Jesus em ação”. O livro de Spadaro é uma particular apropriação da figura de Jesus: “Parece mesmo o olhar do cinema”, escreve Francisco.

Termina o prefácio com um apelo: “Neste tempo de crise da ordem mundial, de guerra e de grandes polarizações, de paradigmas rígidos, de graves desafios a nível climático e económico, precisamos da genialidade de uma linguagem nova, de histórias e imagens poderosas, de escritores, poetas, artistas capazes de gritar ao mundo a mensagem evangélica, de nos fazer ver Jesus”.

Scorsese está a procurar corresponder ao apelo do Papa. Nós, padres, que pregamos o Evangelho todos os domingos, devíamos esforçar-nos por o fazer com essa “linguagem nova” que o Papa pede aos artistas.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Resistir às “sereias do populismo”

A democracia e a liberdade são como a saúde, só se valorizam quando se perdem. Cerca de cem anos após a instauração das ditaduras na Europa, voltam a ouvirem-se vozes a contestar os sistemas democráticos e a crescerem os adeptos de sistemas autocráticos, alimentados pelas notícias falsas e os populismos.

É certo que, como há cem anos, essas correntes alimentam-se de líderes políticos que comunicam mal as suas tentativas de resolver os problemas das populações. Que não parecem entregar-se à causa pública com dedicação e altruísmo. Que são acusados de defender interesses próprios ou do partido em vez do bem comum.

Então as populações deixam-se seduzir pelo canto das sereias que lhes dizem o que querem ouvir. O Papa Francisco tem denunciado essas “sereias do populismo” e apelado a que surjam políticos com mais sensibilidade para desenvolverem políticas que as pessoas sintam como melhores.

“Para se tornar possível o desenvolvimento duma comunidade mundial capaz de realizar a fraternidade a partir de povos e nações que vivam a amizade social, é necessária a política melhor, a política colocada ao serviço do verdadeiro bem comum”, escreve o Papa da sua última encíclica “Fratelli tutti”.

Os líderes populares, para o Papa, são aqueles que guiam o povo num “projeto duradouro de transformação e crescimento” da sociedade no seu todo. Degenera em populismo quando instrumentalizam o povo em função dos interesses próprios.

Em relação às propostas políticas que semeiam “o ódio e o medo” o Papa diz que “é necessário estar alerta, reagir a tempo e corrigir imediatamente o rumo”. Compreende-se porque é que os populistas, que cavalgam o medo e o ódio nas suas propostas eleitorais, não gostam do Papa. Neste ano, com tantas eleições em Portugal, não nos deixemos encantar pelas “sereias do populismo”.