domingo, 26 de janeiro de 2014

Divorciados a comungar, sim ou não?

Para o cardeal Maradiaga o arcebispo Müller “ é, 
acima de tudo, um professor alemão de teologia”
Foto retirada de Religión Digital
O cardeal Oscar Maradiaga deu uma entrevista ao jornal alemão “Koelner Stadt-Anzeiger” em que recomenda uma maior flexibilidade ao arcebispo Gehrard Müller, o qual tinha reproposto num artigo a doutrina que veda a comunhão aos divorciados que se tenham voltado a casar.

Tanto um como o outro desempenham tarefas relevantes no governo da Igreja. Maradiaga, arcebispo da capital das Honduras, é o coordenador do grupo de oito cardeais conselheiros do Papa. Müller é o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé e está na lista dos futuros cardeais.
Não se deve estranhar que, entre os colaboradores mais próximos do Papa, haja divergência de perspetivas. O que não tem sido muito comum é elas serem tornadas públicas no registo que o cardeal hondurenho utilizou na entrevista. “Ele é, acima de tudo, um professor alemão de teologia; na sua mentalidade só existe o verdadeiro e o falso. Mas eu digo, meu irmão: o mundo não é assim; tu deves ser um pouco mais flexível”, disse.

Estas palavras de Maradiaga não terão agradado aos que defendem um discurso único para a Igreja e preferem que os seus mais altos dignatários falem a uma só. Mas essa não parece ser a perspetiva do Papa. Na “Evangelii Gaudium” apresenta a Igreja como a “discípula missionária” que precisa “de crescer na sua interpretação da Palavra revelada e na sua compreensão da verdade”. Por isso deve acolher os contributos de diferentes teólogos, exegetas e até peritos de outros saberes, como as ciências sociais. “A quantos sonham com uma doutrina monolítica defendida sem nuances por todos, isto poderá parecer uma dispersão imperfeita; mas a realidade é que tal variedade ajuda a manifestar e desenvolver melhor os diversos aspetos da riqueza inesgotável do Evangelho”, conclui o Papa.

Esta perspetiva “bergogliana” exigirá do Perfeito da Doutrina da Fé uma atuação menos inquisitorial e mais flexível. Que proponha com clareza as verdades que a fé coletiva foi consolidando ao longo do percurso multisecular da Tradição, mas que não coarte a reflexão teológica. Quanto aos teólogos, que desbravem caminhos novos –mas sem cederem à tentação de pretender impô-los rapidamente aos outros fiéis.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 24/01/2014)

domingo, 19 de janeiro de 2014

O anticiclone papal

Foto de Alessandra Tarantino, retirada do The Washington Times
A divulgação da lista dos escolhidos do Papa Francisco para receberem o título de cardeal, no próximo dia 22 de Fevereiro, provocou um verdadeiro anticiclone na Igreja. Teve o seu epicentro na Praça de S. Pedro, durante o Angelus do passado domingo, com ventos de renovação que varreram todo o mundo e abalaram os alicerces de vários edifícios fundados em lógicas carreirísticas. O sol brilhou e aqueceu o coração dos que vivem entre a Primavera e o Verão de uma Igreja que se rejuvenesce e desenvolve. Mas para os que veem cair as folhas de um passado considerado glorioso, e atravessam o Inverno do seu próprio anquilosamento, ainda que brilhe o sol, este novo vento traz frio, gripe e constipações.

Foi um anticiclone que deixou, apenas, quatro barretes cardinalícios na cabeça dos colaboradores mais próximos do Papa. Para além desses, só dois ficaram na Europa. Outros foram enviados para lugares mais ou menos recônditos e inesperados. Paragens que estavam habituados a recebê-los viram defraudadas as suas expetativas.

De entre as maiores surpresas destaca-se a nomeação do arcebispo de Perugia e a não inclusão dos titulares de dioceses como Veneza ou Turim, habituadas a serem distinguidas com essa dignidade. Transpondo para o contexto português o significado da escolha daquela diocese italiana, seria como se o Papa fizesse cardeal o arcebispo de Braga ou de Évora em detrimento do de Lisboa.

O Papa Francisco surpreendeu, também, ao incluir na lista dos cardeais o nome de D. Chibly Langlois, bispo da pequena cidade de Les Cayes, no Haiti. Para além de selecionar o bispo de um país periférico no contexto eclesial e mundial, que nunca teve um cardeal, vai buscá-lo à periferia da periferia haitiana. Seria como em Portugal escolher o bispo de Bragança ou dos Açores, as dioceses mais distantes da capital, conforme se considere o continente ou o todo nacional.

A lista dos purpurados de Bergoglio, sendo surpreendente, é todavia congruente com a sua atenção às periferias, a qual não se tem cansado de referir nas mais variadas circunstâncias. Verifica-se, uma vez mais, uma profunda coerência entre as palavras do atual Papa e a forma concreta como governa a Igreja.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 17/01/2014)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Estima judaico-católica

O Papa com o rabino argentino Abraham Skorka
Foto retirada do sítio Religión Digital
A perseguição aos judeus e aos fiéis de outras religiões são comportamentos que mancharam os vinte séculos de história da Igreja Católica. Felizmente, já estamos longe dos tempos em que na Sexta-feira Santa se rezava pelos pérfidos judeus. João XXIII suprimiu o adjetivo em 1959. Desde então o diálogo inter-religioso tem-se vindo a intensificar e teve o seu momento alto no encontro promovido pelo Papa João Paulo II em Assis, a 27 de Outubro de 1986.

O Concílio Vaticano II reconheceu os erros do passado e considerou deploráveis todas as perseguições e manifestações de anti-semitismo, mesmo as promovidas pela Igreja (Cf. Declaração “Nostra aetate”, nº 4). O Papa João Paulo II, no dia 12 de março de 2000, pediu perdão por todos os pecados cometidos em nome da Igreja, ao longo de dois mil anos, nomeadamente a perseguição aos judeus.

Emmanuel Levinas, conhecido filósofo judeu de origem lituana que se autointitulava “um judeu católico”, em várias obras refletiu sobre a necessidade de entendimento entre judeus e católicos. “Mas mantendo a diferença essencial entre ambas religiões”, referiu Julia Urabayen, uma estudiosa deste filósofo central da pós-modernidade, numa entrevista à agência Zenit.

O livro “Sobre o Céu e a Terra” – fruto da amizade e das conversas entre o cardeal Bergoglio e o rabino Skorka – demonstra como o judaísmo e o catolicismo podem dialogar, numa comunhão de ideais que não põe em causa as suas especificidades. Neste ambiente, e após um longo caminho de aproximação percorrido, são de louvar todas as iniciativas que ajudem ao diálogo inter-religioso e de estranhar todas as que o dificultam.

Entre as primeiras situa-se a do Pe. Jardim Moreira, que perante um achado arquitetónico testemunho da presença judaica no Porto, imediatamente pensou na criação de um Centro da Memória Judaica, em torno do qual se promovesse a aproximação judaico-católica. Os rabinos das sinagogas de Lisboa e Belmonte aderiram de bom grado. Mas os judeus portuenses acharam “ignominioso” o projeto, pelo facto de ser liderado por um padre católico!

Seria bom que repensassem a sua posição. E que se decidissem a apoiar uma iniciativa que pode contribuir para sarar velhas feridas em vez de as reabrir.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 10/01/2014)

domingo, 5 de janeiro de 2014

Um bom 2014

Foto retirada daqui
Mais um ano chegou ao fim e outro, chamado Novo, se lhe seguirá. Espera-se e fazem-se votos que este seja melhor que o anterior. Para muitos, o último foi bem pior que o anterior.

No nosso país o espartilho da austeridade ditou a perda de empregos e o agravamento das condições de vidas de muitos. Um Verão que se previa o mais frio dos últimos 200 anos, afinal foi bem mais quente, com grandes incêndios que, para além de lançarem a destruição em campos e povoações, ceifaram vidas humanas. O que já não acontecia há alguns anos.

No mundo, catástrofes naturais varreram a China e as Filipinas. A instabilidade política, a guerra e a violência marcaram a atualidade de países como a Síria, o Egipto ou, mais recentemente, a Ucrânia. O terrorismo fez mais de setenta mortos e centenas de pessoas ficaram feridas. Mereceram um maior destaque os ataques na maratona de Boston e ao centro comercial Westgate, em Nairobi, no Quénia. A imigração ilegal vitimou centenas de pessoas. Só no naufrágio ao largo de Lampedusa perderam a vida cerca de quatrocentas pessoas.

Em muitos aspetos, para muitas pessoas e em muitas latitudes, foi um ano para esquecer.

Já para a Igreja Católica, o 13º ano deste milénio não foi de azar, mas bem mais positivo que o anterior. No ano de 2012, documentos confidenciais acabaram nas páginas dos jornais, revelando ao mundo as fragilidades humanas e as intrigas eclesiásticas que grassam no seio da Santa Sé. Foi o escândalo “Vatican Leaks”, como veio a ser conhecido. O ano que se lhe seguiu ficará marcado pelo gesto extraordinário da resignação de Bento XVI e pela consequente eleição do Papa Francisco, a qual significou uma lufada de ar fresco a soprar a partir do Vaticano para toda a Igreja.

Espera-se que 2014 seja o ano em que frutifiquem as ideias que o cardeal Bergoglio carregou desde o “fim do mundo” e semeou durante o ano de 2013. José Manuel Vidal escreve no sítio espanhol “Religión Digital”, de que é diretor, que 2014 será o ano em que se consolidará “a revolução tranquila de Francisco”. O ano em que “a primavera da Igreja florescerá em todas as estruturas e níveis”. Não é ele o único a acalentar essas expectativas e a fazer votos para que assim seja.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 03/01/2014)