Mostrar mensagens com a etiqueta cardeais. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta cardeais. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Cumprir Francisco com um traço de Leão

Foto oficial, assinatura e brasão de Leão XIV
Foto Vatican News
Um novo Papa enriquece a Igreja com a sua originalidade. Francisco significou uma lufada de ar fresco vinda do “fim do mundo” e promoveu uma série de reformas que carecem de ser consolidadas e até ampliadas. Espera-se que Leão XIV lhes dê continuidade, acrescentado o estilo próprio de alguém a quem se reconhecem algumas semelhanças com Francisco – e também diferenças evidentes.

Tal como Francisco, apesar de ser americano de nascimento, o cardeal Robert Francis Prevost é europeu e latino na sua ascendência. Não viveu sempre no sul do continente americano, como Jorge Mario Bergoglio, mas dedicou mais de vinte anos da sua atividade pastoral a uma região periférica do Perú.

O cardeal Bergoglio não tinha qualquer experiência da Cúria Romana, a não ser passagens esporádicas pelo Vaticano. Prevost foi, nos último dois anos, prefeito do Dicastério para os Bispos. Tem, por isso, um melhor conhecimento do funcionamento do governo central da Igreja e mais facilmente poderá identificar o que será preciso corrigir.

Ainda nem 48 horas tinham passado sobre a sua eleição e já Leão XIV estabelecia, numa reunião de três horas com os cardeais, duas linhas de ação para a reforma da Cúria: melhorar a comunicação institucional e promover uma melhor coordenação entre os diversos Dicastérios, com reuniões periódicas dos seus prefeitos. Uma espécie de “conselho de ministros”. Até aqui, os diversos órgãos de governo da Santa Sé funcionaram autonomamente com pouca coordenação ou partilha de informações entre si.

Desde a primeira hora, Leão XIV deixou claro que dará continuidade à renovação da Igreja em chave sinodal, introduzida por Francisco, porque a referiu explicitamente no seu primeiro discurso. Contudo, deu também sinais claros de que não a implementará do mesmo modo. Ainda faltam dados para perceber o novo rumo.

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Escolher o continuador de Francisco

Inicia-se hoje o conclave para eleger o bispo de Roma que será o 267.º Papa da Igreja Católica. Os cardeais eleitores – com menos de 80 anos – oriundos de 70 países formam o colégio cardinalício com maior diversidade desde sempre. Estiveram representados 52 países em 2005 e 48 em 2013, pelo que é muito difícil prever quem será o próximo Papa.

As informações que vão chegando do Vaticano dizem que os cardeais estão empenhados em escolher alguém que dê continuidade às reformas introduzidas por Francisco e ao dinamismo sinodal por ele suscitado na vida da Igreja. Nas congregações gerais – as reuniões com todos os cardeais que antecedem o conclave – foi referido o desejo de muitos participantes que “o próximo Papa tenha um espírito profético, capaz de guiar uma Igreja que não se feche sobre si própria, que saiba sair e levar a luz a um Mundo sem esperança”, segundo um comunicado de imprensa da Santa Sé.

Procura-se um Papa que prossiga, em termos bergoglianos, a promoção de uma “Igreja em saída”. Bergoglio já dizia em Buenos Aires que preferia “uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (Evangelii Gaudium, n.º 49).

Poderá acontecer que um cardeal claramente alinhado com Francisco não consiga obter os dois terços necessários de votos. Então os cardeais terão de encontrar alguém que, ainda que mais moderado, garanta a consolidação do caminho iniciado pelo antecessor.

Caso seja eleito alguém que procure travar os processos lançados por Francisco, isso significará um retrocesso no dinamismo que ele promoveu na Igreja. Nesse caso, os cardeais escolhidos por Bergoglio (108 dos 133 eleitores) estariam desalinhados com o pensamento de quem os nomeou. Tudo indica que tal não acontecerá.

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Mais cardeais na Ásia, menos na Europa

O Papa Francisco nomeou 21 novos cardeais, 18 bispos e 3 padres. Receberão o barrete vermelho no dia 8 de Dezembro. O Colégio Cardinalício tem como principal missão eleger o Papa. Passa a ser constituído por 235 elementos, dos quais 141 com direito de voto (menos de 80 anos). Ultrapassa em muito o número dos 120 que a legislação em vigor recomenda. Porém, 15 destes ultrapassarão até ao final de 2025 os 80 anos. Serão, então, menos de 126 os eleitores.

Quando foi convocado o Conclave que viria a eleger o Papa Francisco, havia 207 cardeais, dos quais 117 abaixo dos 80 anos. Acabaram por nele participar 115.

As escolhas de Francisco, para além de ampliarem o número de cardeais eleitores, têm vindo a alterar a fisionomia do Colégio Cardinalício. Em 2013, foi eleito por cardeais de 48 países. Os eleitores saídos do próximo Consistório passarão a representar 72 países.

Entre 2013 e 2024, a Europa é o único continente em que o número de cardeais eleitores diminuiu. Passaram de 60 para 55. Em 2013, representavam quase metade do colégio eleitoral. Com a recente nomeação de novos cardeais, passarão a ser um pouco mais de um terço.

A Ásia é onde se verificou o maior aumento, passaram de dez para 26 cardeais. Em 2013, representavam seis países, agora 17. Segue-se África, com um aumento de 11 para 18 cardeais e de dez para 17 países. Nas Américas o número de cardeais aumentou de 33 para 38 e na Oceânia de 1 para 4.

Todos estes números manifestam a visão estratégica de Francisco e acompanham a evolução do número de católicos nos diferentes continentes. Na Europa os católicos têm diminuído e na África têm aumentado. A Ásia é o continente com o maior potencial de crescimento. 

Justifica-se o maior investimento do Papa na Ásia, sem negligenciar os países africanos, que se seguem nas suas escolhas cardinalícias.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Os cardeais de Francisco

Foto retirada daqui
O Papa Francisco anunciou este domingo a criação de 17 novos cardeais no consistório que se realizará a 19 de Novembro, na vigília do encerramento da Porta Santa do Ano da Misericórdia.

Quatro dos cardeais agora nomeados ultrapassaram os oitenta anos, pelo que já não poderão participar na eleição do Papa. Um deles é um sacerdote albanês, perseguido pelo regime comunista que proclamou a Albânia como “o primeiro estado ateu no mundo”. O P. Ernest Simoni, agora com 88 anos, foi sujeito a trabalhos forçados entre 1963 e 1990. O seu testemunho emocionou Francisco durante a visita à Albânia em Setembro de 2014, que agora decidiu conceder-lhe o título cardinalício.

Esta não é uma novidade de Francisco. Já no consistório de 26 de Novembro de 1994, João Paulo II fez cardeal Mikel Koliqi, ele um sacerdote albanês perseguido pelo comunismo.

Com mais esta nomeação de Francisco, continua a verificar-se a tendência de universalização do colégio cardinalício iniciada por Pio XII. Desde então, tem vindo a diminuir o número de cardeais italianos e europeus e a aumentar o dos oriundos de outras geografias. Dos 13 cardeais com menos de 80 anos, três são europeus, três da América Latina, três dos Estados Unidos, dois africanos, um da Ásia e outro da Oceânia. Isto traduz bem a preocupação de Francisco em nomear cardeais dos cinco continentes.

Para além dessa tendência, o Papa continua a não atribuir o barrete cardinalício em função das prerrogativas que determinadas dioceses adquiriram no passado, mas sim pelo perfil pastoral dos bispos escolhidos para receberem essa distinção. Os bispos de Turim e de Veneza, dioceses habituadas a ter um cardeal, voltaram a ser preteridos nas escolhas do Papa.

A lógica de Francisco não é a dos privilégios, por vezes adquiridos no passado a peso de ouro. A sua lógica é pastoral, determinada por uma especial atenção às “periferias”.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 14/10/2016)

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Tocar o leproso

Foto retirada daqui
As periferias e os marginalizados ganharam o lugar central nas preocupações e no discurso do Papa Francisco.

No tempo de Jesus, os leprosos eram obrigados a viver fora do acampamento ou das povoações para “salvar os sãos”. Marginalizava-se o “perigo” sem compaixão para com o contagiado, “para proteger os justos”, recordou o Papa na homilia do domingo passado.

Quem ousasse tocar o leproso sujeitava-se à mesma pena, viver à margem da sociedade. Jesus não hesitou em tocar o leproso, para o curar e reintegrar. Como não se coibiu de conviver com os pecadores, os publicanos e as prostitutas, apesar da recriminação dos “puros” – os doutores da lei, os fariseus ou a casta sacerdotal.

São abordagens diferentes que no evangelho se confrontam e que continuam a verificar-se nos nossos dias. “Hoje, às vezes, também acontece encontrarmo-nos na encruzilhada destas duas lógicas: a dos doutores da lei, ou seja: marginalizar o perigo afastando a pessoa contagiada; e a lógica de Deus: este, com a sua misericórdia, abraça e acolhe, reintegrando e transformando o mal em bem, a condenação em salvação e a exclusão em anúncio”, disse o Papa.

Jesus ilustrou a lógica da misericórdia com as parábolas da ovelha perdida, da moeda encontrada e do filho pródigo (Lc. 15). Desafia os seus discípulos a deixarem as noventa e nove para ir à procura da que anda perdida. Hoje como ontem, não faltam os que têm medo de abandonar as noventa e nove “justas” para se aventurar à procura da que se afastou do rebanho. E tudo fazem para as proteger do contágio das que andam tresmalhadas. Por vezes nem se apercebem que nas últimas décadas, em vez de uma, foram noventa e nove as que se afastaram de uma Igreja que resiste em sair de si. Cristalizada numa “casta” de puros, com receio de se deixar contaminar pelo mundo.

O Papa advertiu os cardeais e os cristãos, neste Domingo, para que “não se sintam tentados a estar com Jesus sem quererem estar com os marginalizados, isolando-se numa casta que nada tem de autenticamente eclesial”.

Depois de ter proposto o evangelho da alegria, na sua primeira exortação apostólica, agora enuncia o evangelho dos marginalizados. Porque, conclui o Papa, “é no evangelho dos marginalizados que se joga, descobre e revela a nossa credibilidade!”

(Texto publicado no Correio da Manhã de 20/02/2015)

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Passos decididos

Foto Lusa retirada daqui
Há dois anos Bento XVI tornava pública a sua resignação. Um gesto inesperado que abriu caminho ao advento de Francisco. Desde então sentiram-se na Igreja ventos de renovação.

Precisamente um mês após a sua eleição, a 13 de Abril de 2013, o Papa Francisco criou o conselho composto por nove cardeais (C9), oriundos dos cinco continentes, para o coadjuvar no governo da Igreja. Começou a funcionar em Setembro desse ano e apresentou ontem as suas primeiras propostas para a reforma da Cúria aos cardeais de todo o mundo. Estes estão reunidos no Vaticano, num Consistório que já inclui aqueles que irão receber o barrete cardinalício amanhã.

O C9 não está a criar uma nova Igreja, mas, em sintonia com o Papa, estão a contribuir para que se respire “um ar fresco” e se dê “um passo em frente” em muitas matérias, como disse um dos seus membros, o cardeal Reinhard Marx, numa entrevista ao sítio “Religión Digital”.

Alguns dos passos que a Igreja tem dado recuperam ideias que o Concílio Vaticano II propôs, outros aprofundam preocupações dos últimos Sumo Pontífices. E outros aventuram-se por caminhos nunca antes trilhados.

A “desclericalização” da Cúria e a atribuição de papéis relevantes aos leigos na sua orgânica retoma a perspetiva conciliar da dignificação do laicado, deixando de o subalternizar em relação ao clero. Um exemplo disso é a Pontifícia Comissão para Tutela dos Menores, constituída por leigos e clérigos, onde os primeiros têm um papel relevante.

Esta semana decorreu em Roma uma reunião plenária dessa comissão, a qual propôs a responsabilização dos bispos, e dos responsáveis de congregações religiosas, nos casos de negligência ou de tentativa de encobrimento de comportamentos pedófilos no interior das suas comunidades. Intensifica-se, assim, a luta contra a pedofilia iniciada por João Paulo II e aprofundada por Bento XVI.

O acolhimento pastoral às famílias em situações irregulares é um dos caminhos em que a Igreja se está a aventurar e que tem motivado algumas das críticas mais contundentes ao Papa, vindas dos que se opõem a qualquer flexibilização da doutrina católica sobre o matrimónio.

Deseja-se que, apesar dessa oposição interna, os ventos de mudança continuem a soprar e a renovar a multissecular Igreja Católica.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 13/02/2015)

domingo, 19 de janeiro de 2014

O anticiclone papal

Foto de Alessandra Tarantino, retirada do The Washington Times
A divulgação da lista dos escolhidos do Papa Francisco para receberem o título de cardeal, no próximo dia 22 de Fevereiro, provocou um verdadeiro anticiclone na Igreja. Teve o seu epicentro na Praça de S. Pedro, durante o Angelus do passado domingo, com ventos de renovação que varreram todo o mundo e abalaram os alicerces de vários edifícios fundados em lógicas carreirísticas. O sol brilhou e aqueceu o coração dos que vivem entre a Primavera e o Verão de uma Igreja que se rejuvenesce e desenvolve. Mas para os que veem cair as folhas de um passado considerado glorioso, e atravessam o Inverno do seu próprio anquilosamento, ainda que brilhe o sol, este novo vento traz frio, gripe e constipações.

Foi um anticiclone que deixou, apenas, quatro barretes cardinalícios na cabeça dos colaboradores mais próximos do Papa. Para além desses, só dois ficaram na Europa. Outros foram enviados para lugares mais ou menos recônditos e inesperados. Paragens que estavam habituados a recebê-los viram defraudadas as suas expetativas.

De entre as maiores surpresas destaca-se a nomeação do arcebispo de Perugia e a não inclusão dos titulares de dioceses como Veneza ou Turim, habituadas a serem distinguidas com essa dignidade. Transpondo para o contexto português o significado da escolha daquela diocese italiana, seria como se o Papa fizesse cardeal o arcebispo de Braga ou de Évora em detrimento do de Lisboa.

O Papa Francisco surpreendeu, também, ao incluir na lista dos cardeais o nome de D. Chibly Langlois, bispo da pequena cidade de Les Cayes, no Haiti. Para além de selecionar o bispo de um país periférico no contexto eclesial e mundial, que nunca teve um cardeal, vai buscá-lo à periferia da periferia haitiana. Seria como em Portugal escolher o bispo de Bragança ou dos Açores, as dioceses mais distantes da capital, conforme se considere o continente ou o todo nacional.

A lista dos purpurados de Bergoglio, sendo surpreendente, é todavia congruente com a sua atenção às periferias, a qual não se tem cansado de referir nas mais variadas circunstâncias. Verifica-se, uma vez mais, uma profunda coerência entre as palavras do atual Papa e a forma concreta como governa a Igreja.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 17/01/2014)