sexta-feira, 24 de abril de 2015

O poder e o serviço

Foto retirada daqui
Os bispos portugueses aprovaram, na sua última assembleia, um “modelo de estatutos” a aplicar aos Centros Sociais Paroquiais para adequar os atuais à legislação aprovada no final do ano passado, que regulamenta as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS).

Nos “novos estatutos” os párocos deixam de ser os presidentes por inerência e passam a “poder” desempenhar esse cargo. Houve quem lesse essa alteração como uma perca de poder dos sacerdotes. Ou, então, o desejo dos bispos de os afastarem da direção das IPSS’s.

D. Manuel Clemente, no final da reunião dos bispos, apressou-se a esclarecer que “não está isso em causa”. E reconheceu que “nós, como sociedade, não só como Igreja, somos muito devedores a excelentes padres que investiram o melhor que tinham, que sabiam e podiam, para criar e sustentar instituições de solidariedade social”.

Na verdade, as alterações introduzidas vêm permitir que um sacerdote que não se sinta capacitado, ou com disponibilidade, para dirigir essas instituições, possa escolher entre os seus paroquianos alguém mais indicado para o fazer e proponha a sua nomeação ao bispo.

Seja clérigo ou leigo, não é evangélico assumir esse encargo como uma posição de poder; ele deve é ser exercido numa atitude de serviço aos mais pobres. “Quem quiser ser o primeiro entre vós, faça-se o servo de todos”, recomendou Jesus aos seus discípulos (Mc. 10, 44). Ou, como diz o Papa Francisco, que tem mesmo um livro com esse título, “o verdadeiro poder é o serviço”.

Não falta, todavia, quem aspire à direção de uma IPSS, mais atraído pelas quantias que movimenta e pelos empregos que garante do que por uma genuína caridade cristã ou pelo serviço à comunidade. Isso pode levar, como já levou, a que por vezes os recursos sejam usados, não para combater a pobreza, mas para gerar e alimentar “clientelas”. Uma tentação a que ninguém está imune, tanto padres como leigos, e que pode mesmo descambar em esquemas de corrupção e de tráfico de influências.

Ora, para que isto seja evitado, não bastam estatutos bem elaborados: os dirigentes também devem ser escolhidos de forma criteriosa. E a sua atuação à frente das instituições tem de ser acompanhada de perto pelo pároco – quer ele seja, ou não, o presidente – e, sobretudo, pelo bispo.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 24/04/2015)

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Papa em contracorrente

Genocídio do povo arménio entre 1915 e 1917
Foto retirada daqui
O Papa não receia expressar as suas ideias mesmo quando elas não são “politicamente corretas” ou vão ao arrepio das tendências da cultura contemporânea.

Papa interroga-se sobre "teoria de género"
Foto retirada 
daqui
No final da semana passada agitou o mundo diplomático ao condenar o “genocídio” do povo arménio pelo império turco otomano. Nunca um Papa tinha verbalizado dessa forma a matança dos arménios no início do século passado, apesar de João Paulo II ter assinado com o Patriarca Arménio, em 2001, um documento conjunto em que o condenava e referia explicitamente.

As palavras de Francisco irritaram o presidente da Turquia que as comentou em termos pouco simpáticos. “Quando os políticos e os religiosos assumem o trabalho de historiadores, não dizem verdades, mas estupidezes”, disse Erdogan. Curiosamente, foi o mesmo Erdogan que, no final do ano passado, num encontro de líderes muçulmanos na Turquia, defendeu que a América foi descoberta por marinheiros islâmicos, baseando-se numa alegada referência de Cristóvão Colombo à existência de uma mesquita em Cuba. Na verdade, é Bartolomeu de las Casas que narra o que o navegador vê ao chegar a terras cubanas, descrevendo o cume de uma montanha como “uma elegante mesquita”, como recordou Diego Contreras no blog “LaIglesia en la prensa”.

O Papa atreveu-se também, na última audiência, a questionar se a “teoria de género” não será “um passo atrás”? E fê-lo em clara contradição com os que vêm nela uma solução para a redutora distinção entre masculino e feminino, bem como para a submissão da mulher ao homem. Estes defendem que as diferenças não provêm das característica biológicas, mas das construções culturais. E, por isso, não faz sentido falar-se de homem e de mulher, de masculino ou feminino.

Para Bergoglio, porém, a solução das desigualdades entre homem e mulher não passa pela negação das diferenças, mas pela defesa da sua complementaridade, da sua mesma dignidade, até porque ambos são “imagem e semelhança de Deus”. E propôs a promoção da mulher e o reconhecimento da sua importância na sociedade e na Igreja.

Nestas como noutras questões, é de louvar que Francisco não se submeta à lógica do “politicamente correto”. Precisamos dele como uma consciência crítica de um mundo que se submete com facilidade às modas intelectuais e culturais.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 17/04/2015)

sexta-feira, 10 de abril de 2015

O silêncio da esquerda

Cardeal Óscar Rodriguez Maradiaga
(Foto: Manuel Meira, retirada do sítio Religionline)
Os cardeais mais próximos do Papa estão em sintonia na crítica ao sistema económico que rege o mundo. Na semana passada, em Roma, o cardeal Pietro Parolin, Secretario de Estado da Santa Sé, denunciava um sistema que está a dificultar o acesso ao crédito dos mais pobres. Esta semana, em Fafe, o cardeal Óscar Maradiaga, coordenador do grupo de nove purpurados que aconselham o Papa, afirmou que “temos um sistema que desenvolveu o liberalismo económico mas não traz igualdade, antes acrescenta desigualdade”. Criticou também a austeridade que, mesmo sendo uma “virtude cristã”, não ajudou os países intervencionados como se pretendia, mas gerou ainda mais pobreza.

Muitas dos políticos de esquerda reveem-se nestas e noutras críticas. Por diversas vezes já manifestaram o seu apoio às posições do Papa em matéria económica. Mas têm-no deixado a falar sozinho quando pede à “comunidade internacional que não fique muda” perante a matança de cristãos, como tem acontecido recentemente.

Lucia Annunziata, há dias, num blog italiano, censurava o silêncio da esquerda, que se tem mobilizado em tantas causas, mas não manifestou “a pena e o horror pela morte de tantos homens e mulheres por causa da sua fé”. (…) Fé que, aliás, é a da maioria do nosso país, e é também a matriz (querendo ou não) da história e da cultura do continente em que vivemos”.

Quem assim fala até pode suscitar a ideia de que é uma pessoa de direita e crente. Mas percebe-se, pelo teor do artigo, que não se situa nessa área política. Já quanto à crença, faz questão de dizer: “Não sou católica, nem sequer neo-convertida. Sou ateia e pretendo continuar a sê-lo (…) Sou, contudo, uma jornalista e creio que ainda consigo compreender o que é uma notícia. E a notícia destes dias é a solidão a que foi votado precisamente este popularíssimo Papa, que há meses é a única voz a denunciar os massacres de fiéis e atualmente é o único chefe de estado a apontar o dedo contra o imobilismo das Nações Ocidentais perante estas carnificinas. Na verdade, exatamente o contrário do que aconteceu em relação ao Charlie Hebdo”.

Também, entre nós, se nota algum pudor em condenar categoricamente o massacre dos cristãos. E dificilmente se vê um ateu a admitir e a valorizar a nossa matriz cultural cristã.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 10/04/2015)

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Crítica ao sistema económico

Pietro Grasso, Presidente do Senado italiano e o card. Pietro Parolin
Foto retirada daqui
O Secretário de Estado do Vaticano e o Presidente do Senado Italiano uniram as suas vozes na crítica ao sistema económico vigente, que promove a exploração dos mais fracos e a promiscuidade ente a finança e o poder, durante a apresentação de um volume da revista italiana “Limes”, dedicada ao tema “Moeda e império” , na passada terça-feira em Roma.

O cardeal Parolin denunciou que “os grandes capitais tendem a financiar os poderes estabelecidos e as atividades mais rentáveis”, enquanto o povo se vê arredado do acesso ao crédito.

O senador Pietro Grasso recordou o discurso do Papa ao Parlamento Europeu e a sua Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”, na qual critica a “economia capitalista global dominada pelos poderes financeiros” que subordina ao lucro valores como o da dignidade humana, da democracia e da solidariedade. Em sintonia com o Papa defendeu uma recuperação da “economia real” que produza “bens e valores tangíveis”. Também devem ser subtraídas à lógica do lucro as “empresas de caráter estratégico, que satisfaçam necessidades sociais primárias” e deve-se “reafirmar o seu papel público”. Finalmente, para este magistrado italiano, é preciso reorientar “o fim último da produção”, que deve partir “da pessoa humana, das suas necessidades e das suas expectativas”.

Para corrigir os desvarios do atual sistema económico é decisivo, segundo o líder do Senado, o empenhamento na luta contra a corrupção e o que apelida de “capitalismo criminoso” que acolhe “sem escrúpulos” capitais “sem olhar às suas origens”. Que “não distingue o dinheiro que vem do trabalho, do engenho, da produção ou do empenho, do dinheiro de origem oculta, que resulta do crime, da exploração dos pobres ou o dinheiro de sangue”. Segundo o senador, o sistema económico deve ser reorientado para “o fim único de combater a pobreza e a miséria em coerência com o valor da solidariedade humana e cristã, da misericórdia, destinando os lucros a ajudar os últimos, os fracos, os marginalizados”.

Pietro Grasso apelou a “um verdadeiro sobressalto ético da sociedade civil e da política que imponha aos Estados novas linguagens e novos modelos de relacionamento fundeados, não nos interesses, mas nos princípios e valores”.

Já agora, que resgatasse igualmente a política da subserviência à finança!

(Texto publicado no Correio da Manhã de 03/04/2015)