Os cardeais mais próximos do Papa estão em sintonia na crítica ao sistema
económico que rege o mundo. Na semana passada, em Roma, o cardeal Pietro
Parolin, Secretario de Estado da Santa Sé, denunciava um sistema que está a
dificultar o acesso ao crédito dos mais pobres. Esta semana, em Fafe, o cardeal
Óscar Maradiaga, coordenador do grupo de nove purpurados que aconselham o Papa,
afirmou que “temos um sistema que desenvolveu o liberalismo económico mas não
traz igualdade, antes acrescenta desigualdade”. Criticou também a austeridade
que, mesmo sendo uma “virtude cristã”, não ajudou os países intervencionados
como se pretendia, mas gerou ainda mais pobreza.
Muitas dos políticos de esquerda reveem-se nestas e noutras críticas. Por
diversas vezes já manifestaram o seu apoio às posições do Papa em matéria
económica. Mas têm-no deixado a falar sozinho quando pede à “comunidade
internacional que não fique muda” perante a matança de cristãos, como tem
acontecido recentemente.
Lucia Annunziata, há dias, num blog italiano, censurava o silêncio da
esquerda, que se tem mobilizado em tantas causas, mas não manifestou “a pena e
o horror pela morte de tantos homens e mulheres por causa da sua fé”. (…) Fé
que, aliás, é a da maioria do nosso país, e é também a matriz (querendo ou não)
da história e da cultura do continente em que vivemos”.
Quem assim fala até pode suscitar a ideia de que é uma pessoa de direita e
crente. Mas percebe-se, pelo teor do artigo, que não se situa nessa área
política. Já quanto à crença, faz questão de dizer: “Não sou católica, nem
sequer neo-convertida. Sou ateia e pretendo continuar a sê-lo (…) Sou, contudo,
uma jornalista e creio que ainda consigo compreender o que é uma notícia. E a
notícia destes dias é a solidão a que foi votado precisamente este
popularíssimo Papa, que há meses é a única voz a denunciar os massacres de
fiéis e atualmente é o único chefe de estado a apontar o dedo contra o imobilismo
das Nações Ocidentais perante estas carnificinas. Na verdade, exatamente o
contrário do que aconteceu em relação ao Charlie Hebdo”.
Também, entre nós, se nota algum pudor em condenar categoricamente
o massacre dos cristãos. E dificilmente se vê um ateu a admitir e a valorizar a
nossa matriz cultural cristã.
(Texto publicado no Correio da Manhã de 10/04/2015)
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