sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Negócios sagrados

Foto retirada daqui
A Igreja testemunha desde os seus inícios a gratuidade da salvação. Na Primeira Epístola de S. Pedro pode ler-se que não fomos resgatados por “bens corruptíveis, prata ou ouro, mas pelo sangue precioso de Cristo” (1Pe. 1,18). O Papa Francisco, sucessor de Pedro, na audiência de quarta-feira recordou que não se tem de pagar para passar a Porta do Ano Santo. “A salvação não se compra. A Porta é Jesus e Jesus é grátis”.

Contudo, ao longo dos séculos, foram cometidos abusos que levaram os fiéis a crer que é preciso pagar para se salvarem. Na Idade Média, por exemplo, vendiam-se e compravam-se indulgências, que eram, então, uma das principais formas de financiamento da Igreja.

Esse “comércio religioso” fez despoletar a revolta de Lutero e esteve na génese da Reforma Protestante. O Concílio de Trento procurou corrigir essa conceção errada da salvação e determinou que as “indulgências e outros favores espirituais de que o fiel não deve ser privado” devem ser administrados de forma gratuita, “de modo que todos pudessem finalmente compreender que estes tesouros celestes foram dispensados por causa da piedade e não do lucro”. Quatro anos apenas após o encerramento deste Concílio, em 1567, o Papa Pio V foi obrigado a ser ainda mais explícito e determinou que passava a ser proibido cobrar qualquer taxa ou valor pelas indulgências.

Apesar do esforço da Igreja para expurgar a sua atividade de todo o mercantilismo, ele prevalece no seu interior. É normal as pessoas dizerem que vão pagar a missa, o batizado ou o casamento.

Para um crente esclarecido a Eucaristia e os sacramentos têm um valor infinito. Nenhum dinheiro no mundo os pode pagar. Apenas se podem aceitar ofertas que a Igreja aplica na prossecução dos seus fins. E estes são, principalmente, o “culto divino”, a “sustentação do clero e dos outros ministros”, bem como as “obras do sagrado apostolado e de caridade, especialmente em favor dos necessitados” (cân. 1254 do Código de Direito Canónico).

Ainda que no contexto de alguns sacramentos se possa receber uma oferta, não se aceita qualquer quantia pela Confissão ou pela Unção dos Enfermos para sublinhar a gratuidade da salvação. Todavia, ainda muito há a fazer para expurgar a Igreja de algum “consumismo religioso”.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 18/12/2015)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Misericórdia para os recasados

Há questões que nos inquietam e desinstalam.
Uma senhora pergunta:
“Porque é que eu não posso comungar? O meu único erro foi ter falhado no meu casamento católico e ter refeito a minha vida com outra pessoa. Na nossa família esforço-me por ser boa esposa e boa mãe. Mas a Igreja não me permite ser uma boa cristã a que seja permitida a participação nos sacramentos da penitência e da eucaristia. Outros, no entanto, podem até não acolher a palavra do Papa, podem atacar o bispo e os padres e quando lhes convém, acomodarem-se à sombra da Igreja. Mas, como estão casados pela Igreja, é-lhes permitido ir todos os dias à missa e até comungar.

E que dizer de sacerdotes ordenados mesmo sem recolher a anuência das instâncias devidas? E os que não olham a meios para atingir os seus fins, aos quais o Papa chamou ‘trepadores’? E os padres que vivem em função da promoção ou da acumulação de riquezas, que procuram aparentar virtudes públicas e esconder vícios privados, mesmo quando estes são do conhecimento público?

Estes, apesar de tudo isso, podem continuar a presidir à eucaristia e a pregar piedosos sermões…para os outros. E podem, também, desempenhar os mais destacados cargos na estruturas eclesiásticas”.

A esta senhora – mesmo admitindo que, se é como diz, essas pessoas não reunirão as condições exigidas para receber a comunhão – pode sempre recordar-se a frase do Papa Francisco: “A Eucaristia não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos” (Evangelii Gaudium, 47). Contudo, a todos é dada a possibilidade de arrepender-se, acolher a misericórdia divina e corrigir o seu proceder.

Aqui surge um problema para o qual a Igreja ainda não conseguiu encontrar resposta. Um divorciado recasado, mantendo-se a atual disciplina da Igreja, não consegue emendar o erro que cometeu sem refazer o casamento anterior, que não pode ser anulado. Contrariamente ao que se diz, só pode ser declarado nulo caso não tenha existido.

Espera-se que durante este Ano da Misericórdia, que se iniciou no passado dia 8 de Dezembro, o Papa Francisco encontre uma forma de estender o manto da misericórdia divina às pessoas que falharam no seu primeiro compromisso matrimonial, permitindo-lhes casar novamente perante a Igreja.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 11/12/2015)


sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

A Igreja e o preservativo

Papa Francisco conversa com os jornalista no regresso a Roma
Foto retirada daqui
Quando Bento XVI visitou os Camarões e Angola, em Março de 2009, a questão do preservativo acabou por captar a atenção mediática e relegar para segundo plano questões tão importantes como, por exemplo, a condenação veemente da corrupção.

A bordo do avião o Papa defendeu que “não se pode superar este problema da SIDA só com a distribuição de preservativos”, mas que tal exigia “a conjugação de dois factores: o primeiro, uma humanização da sexualidade” e “o segundo, uma verdadeira amizade também e sobretudo pelas pessoas que sofrem”. Assim, Bento XVI tentou alargar o âmbito da discussão em torno do uso do preservativo, mas o que ficou foi que a Igreja continuava a ser contra o seu uso. Este Papa viria depois a corrigir a sua posição afirmando claramente que o seu uso é justificado em determinados casos.

Já o Papa Francisco, no regresso da visita ao Uganda, Quénia e República Centro Africana, quando confrontado com a questão, também a bordo do avião, furtou-se a dar uma resposta se “sim” ou “não” se deve usar. Insistiu nas grandes questões que abordou em África e voltou a chamar a atenção para “a desnutrição, a exploração das pessoas, o trabalho escravo, a falta de água potável: estes são os problemas”, disse. E considerou que a “grande ferida” do continente africano “é a injustiça social, a injustiça ao meio ambiente”. Desta forma o Papa voltou aos principais assuntos da viagem por África, apelando ao diálogo e à reconciliação entre as pessoas de diferentes religiões, etnias e condições sociais.

É desta forma que a Igreja pode dar o seu maior contributo ao mundo. Não “descer a reflexões de casuística”, nas palavras do Papa Francisco, mas elevar a reflexão ao nível dos princípios e dos valores.

Mais importante do que ditar o uso ou não uso do preservativo, a Igreja deve preocupar-se em propor valores, como sejam o altruísmo e a abertura à vida, ou a humanização da sexualidade, como defendeu Bento XVI. No fundo, é fazer o mesmo caminho que percorreu em relação à organização política das sociedades: em vez de propor um modelo a partir da sua Doutrina Social, fornecer os valores a respeitar no exercício do poder. E denunciar todos os comportamentos que não os respeitam, sem canonizar um qualquer sistema político.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 04/12/2015)

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

O PS e a Igreja

António Costa toma posse como primeiro-ministro 
Foto Mário Cruz/ Lusa retirada daqui
Há 40 anos o 25 de Novembro pôs fim a um “Verão Quente” de agitação política. Para uns, foi o fim de um sonho revolucionário e a ascensão ao poder das forças reacionárias. Para outros, foi evitada a instauração de uma ditadura de esquerda e a sovietização do país. Ainda hoje há quem leia este acontecimento com as mesmas perspetivas divergentes. A atual maioria de esquerda na Assembleia da República recusou-se mesmo a participar na reunião preparatória da comemoração dessa efeméride, alegando ser uma data “fraturante”.

Em 1975 o PS afastou-se do PCP, e aproximou-se dos partidos de direita, para garantir a democracia em Portugal. Foram precisos quatro décadas para voltarem a aproximar-se, para derrubar uma governação de direita e fazerem a viragem à esquerda na política nacional, prometendo o fim da austeridade e o cumprimento dos compromissos internacionais do país.

Com esta viragem à esquerda do PS e o acantonamento do PSD e do PP à direita, o eleitorado do centro – que alternadamente foi dando a vitória ao PSD e ao PS – terá de aguardar para ver de qual dos blocos se aproxima numa próxima eleição.

Para já o Presidente da República deu posse ao governo de António Costa, que a nova maioria de esquerda irá sustentar no Parlamento. É curioso que Cavaco Silva, intencionalmente ou não, tenha evitado a data de 25 de Novembro para efetivar a sua decisão. Indigitou António Costa no dia anterior; e deu posse ao governo no dia a seguir à efeméride.

Há 40 anos, durante o “Verão Quente”, o PS liderado por Mário Soares acolheu o apoio da Igreja Católica e teve como principal interlocutor o cardeal-patriarca de Lisboa, D. António Ribeiro. Hoje, ainda é muito cedo para perceber qual vai ser o relacionamento deste governo de maioria de esquerda com a Igreja. As reações da hierarquia são, para já, cautelosas – apenas dizem que estão disponíveis para colaborar com qualquer governo, na promoção do bem comum de todos, etc.

Os próximos meses esclarecerão se António Costa, apesar de ter feito algumas cedências aos partidos à sua esquerda, nomeadamente nas ditas “questões fraturantes”, conseguirá reconquistar o centro. Ou se vira demasiado à esquerda, tornando, assim, muito mais difícil o entendimento com a Igreja Católica.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 27/11/2015)

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

O Vaticano e a guerra

Foto AFP retirada daqui
A Europa tremeu com os ataques terroristas em Paris. A primeira reação, e a mais expectável, é a da vingança. Mas a violência só pode dar origem a novos atos ainda mais violentos do que os que lhe estiveram na origem.

A primeira tentativa da humanidade para travar a espiral de ódio e violência foi a Lei de Talião: “Olho por olho, dente por dente”. Há quase quatro mil anos, o Código de Hamurábi tentava desta forma evitar que a vingança não ultrapassasse o delito cometido. Já Jesus Cristo propôs o perdão para quebrar a escalada da violência.

Não é de estranhar, por isso, que o Vaticano não acompanhe a onda “securista” que varre a Europa, nem embarque no apoio a uma intervenção militar para resolver o problema do terrorismo. O últimos Papas, aliás, opuseram-se sempre ao recurso à guerra para resolver as questões intrincadas do Médio Oriente. O atual Papa, ainda que admita que é preciso travar o agressor, duvida que bombardear posições do autoproclamado Estado Islâmico seja a melhor solução para o problema.

Na sequência dos atentados em Paris, Francisco recordou, no Angelus do último domingo, que “usar Deus para justificar o ódio é uma blasfémia”. E, num telegrama enviado ao arcebispo de Paris, condenou “com vigor a violência, que nada resolve”.

O Secretário de Estado do Vaticano, cardeal Pietro Parolin, numa entrevista ao jornal francês “La Croix”, defendeu uma “mobilização geral da França, da Europa e de todo o mundo” na luta contra o terrorismo, a qual envolva também os muçulmanos, que “devem fazer parte da solução”. E afirmou que só uma intervenção que tenha em conta a segurança, a política e a religião pode ter sucesso “na erradicação deste mal”.

Apesar de apostar no diálogo e na educação para a rejeição do ódio, o cardeal admitiu um ataque militar, embora circunscrito aos limites do Direito Internacional e da legítima defesa.

Em resumo: esmagar os terroristas, só por si, não garante que estes Estados Islâmicos não ressurgem noutros pontos, como aliás tem acontecido... É preciso investir, a sério, na melhoria da vida das pessoas, tanto nos países orientais, como nas cidades ocidentais onde estes fenómenos se têm instalado. E é necessário combater sempre o ódio e tentar construir a paz, suceda o que suceder.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 20/11/2015)

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

O apelo do Papa

Foto retirada daqui
Em 2013, na “Evangelii Gaudium”, o Papa Francisco dirigiu-se aos “fiéis cristãos” no âmbito da celebração dos cinquenta anos do Concílio Vaticano II, para os convocar a “uma nova etapa evangelizadora” sob o signo da “Alegria do Evangelho”. O objetivo foi indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos (nº1), tendo por isso a Exortação sido classificada como o texto programático do pontificado.

Mereceu na altura um grande destaque na comunicação social. A sociedade civil deu-lhe alguma atenção, sobretudo ao segundo capítulo, dedicado à análise da situação do mundo atual. Uns reagiram, outros aplaudiram a crítica que faz do consumismo e do capitalismo. Dessa parte da Exortação ficou célebre a frase – “Esta economia mata”(nº 53).

E coloca-se a questão: os católicos de todo o mundo deram-lhe a devida importância e procuraram acompanhar o Papa no percurso que ele propõe?

No início desta semana o Papa esteve presente em Florença no 5.º Congresso Nacional da Igreja Católica na Itália. Num discurso que dirigiu aos 2500 participantes desafiou-os a refletir, nos próximos anos, a “Evangelii Gaudium”. Durante o discurso citou sete vezes a Exortação. Por duas vezes referiu-se ao nº 49 em que, há dois anos, afirmava: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”.

Aos católicos italianos reunidos em Florença sublinhou a sua preferência por uma Igreja “inquieta, cada vez mais próxima dos abandonados, dos esquecidos e dos imperfeitos”. Pediu aos congressistas: “Sonhai vós também com esta Igreja, acreditai nela e inovai com liberdade”. Para que este sonho se torne realidade sugeriu que “em cada comunidade, em cada paróquia e instituição, em cada diocese e circunscrição, em cada região, procurai lançar, de modo sinodal, um aprofundamento da Evangelii Gaudium, para dela retirar critérios práticos e para pôr em prática as suas disposições”.

Perante este apelo do Papa, Andrea Tornielli, no sítio “Vatican Insider”, conclui: “Se o Pontífice convida a retomar aquele texto evidentemente ele pressupõe que a Igreja italiana não o tenha feito ou não o tenha feito suficientemente”.

E a Igreja portuguesa, fê-lo?

(Texto publicado no Correio da Manhã de 13/11/2015)

sexta-feira, 6 de novembro de 2015

O pároco de Rio de Onor

Mons. Lucio Angel Vallejo Balda
Foto retirada daqui
Um monsenhor está detido no Vaticano, acusado de ter divulgado documentos confidenciais da Santa Sé. É Dom Angel, como era conhecido na pequena aldeia fronteiriça de Rihonor de Castilla onde foi pároco nos seus três primeiros anos de sacerdócio.

Aquela aldeia espanhola é contígua à portuguesa Rio de Onor, no distrito de Bragança. Nos finais dos anos oitenta os cristãos daquelas duas aldeias, que a fronteira nunca separou, iam um domingo à missa ao lado espanhol e, no domingo seguinte, à igreja portuguesa. Por isso, Dom Angel também foi, embora só quinzenalmente, pároco de Rio de Onor. Nessa época em que foi pároco naquela zona raiana chegou mesmo a ser diretor espiritual do seminário de Bragança. Por pouco tempo, é certo, porque o bispo de Astorga logo o colocou na administração dos bens da diocese. Tornou-se então o mais jovem sacerdote a desempenhar tais funções em Espanha.

Devido ao bom trabalho desenvolvido na sua diocese e à colaboração na organização da Jornada Mundial da Juventude de 2011, presidida em Madrid por Bento XVI, acabou por nesse mesmo ano ir para Roma para ser Secretário da Prefeitura para Assuntos Económicos. O Papa Francisco escolheu-o para integrar a Cosea, a comissão que orienta a organização das estruturas económico-administrativas da Santa Sé. Foi aí que teve acesso a documentos confidenciais e que terá gravado conversas que agora são reportadas em dois livros apresentados ontem em Roma, o que levou o Papa a ordenar a sua prisão.

É possível que Angel Balda esteja convencido de ter feito o melhor para a Igreja, se de facto passou informações confidenciais aos jornalistas. Há, por vezes, a tentação de divulgar os vícios e a podridão que grassa no interior das instituições para, com a ajuda da exposição mediática, obrigar os seus responsáveis a corrigi-los.

Só que esse não é, por regra, o procedimento correto. Neste caso nem se pode alegar uma eventual passividade de quem dirige, uma vez que o Papa criou a Cosea precisamente para atacar a corrupção e os desperdícios no interior do Vaticano que o monsenhor Angel terá passado à imprensa. Estas fugas de informação, afirmou a Santa Sé, “não ajudam de modo algum a estabelecer clareza e verdade, mas apenas geram confusão e interpretações parciais e tendenciosas”.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 06/11/2015)

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Nas mãos do Papa

Papa na missa de Encerramento do Sínodo dos Bispos
Foto ANSA retirada daqui
O Sínodo dos Bispos chegou ao fim. A forma como decorreram os trabalhos, e os problemas que estiveram em cima da mesa, têm permitido as mais diversas leituras. Muitas delas reduzem o Sínodo ao confronto entre duas posições antagónicas: conservadores e progressistas. Parece que a abordagem mais correta é a da existência de dois pequenos grupos mais “extremistas” e uma grande maioria ao centro, tentando esta aproximar esses dois extremos para evitar cismas e encontrar soluções o mais consensuais possíveis para a Igreja. Esta é a convicção de um padre sinodal, revelada pelo sítio espanhol “Religión Digital”, sem contudo referir a sua identificação.

Esse ambiente de um amplo consenso transparece no Relatório Final do Sínodo. Todos os parágrafos foram aprovados com uma maioria qualificada de dois terços. Apenas alguns mereceram uma oposição maior – e todos eles se encontram no capítulo que aborda o “acompanhamento pastoral da família”. Alguns foram rejeitados por vinte por cento dos padres sinodais. São os parágrafos dedicados às situações familiares mais complexas dos dias de hoje. É neles que se aborda, também, o problema do acolhimento à homossexualidade.

Para além desses, apenas três parágrafos estiveram muito próximos de não passarem. São os que referem a necessidade de discernir e de promover a integração dos divorciados recasados, apesar do acesso aos sacramentos nunca ter sido referido explicitamente.

Por mais que se tente dizer que neste Sínodo se abordaram muitas outras questões, foram estas, de facto, que o marcaram. E, perante elas, há pelo menos vinte por cento dos bispos que se opõem a uma mudança, como se viu. E muitos mais experimentam algum desconforto em relação ao acolhimento dos divorciados recasados e dos homossexuais.

Tal como se previa desde o início, o Sínodo não conseguiu encontrar “soluções exaustivas para todas as dificuldades e dúvidas que desafiam e ameaçam a família”, como reconheceu o Papa Francisco no encerramento dos trabalhos. Mas, mesmo assim, permitiu que fossem abordadas “sem medo e sem esconder a cabeça na areia”. Ficou claro que não haverá substanciais mudanças doutrinais, mas a linguagem e a práxis pastoral terá de se adequar às circunstâncias particularmente difíceis das famílias de hoje.

Em resumo: está nas mãos do Papa promover essa mudança, eventualmente através de uma Exortação Apostólica.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 30/10/2015)

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

A cultura e as Missões

Foto retirada daqui
Uma Igreja que não escuta as preocupações e inquietações dos seus contemporâneos, que não dialoga com o mundo e não tem uma palavra nova para lhes transmitir está a trair a sua primordial missão. “Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura” (Mc. 16, 15), é o primeiro e principal encargo que Jesus Ressuscitado confia aos seus discípulos na manhã de Páscoa. Num primeiro momento eles ficam fechados no Cenáculo, mas, após receberem a força do Espírito Santo, segundo Lucas, vencem então o medo e começam a anunciar Jesus Cristo morto e ressuscitado à multidão.

Desde então, a tarefa missionária é a mais importante e decisiva para a vida da Igreja. Para sublinhar esta característica – e todos os fiéis puderem refletir sobre esta realidade e dar o seu contributo – o terceiro domingo de outubro é celebrado como o Dia Mundial das Missões.

Ainda hoje, tal como aconteceu com os apóstolos, a Igreja sente o medo de sair e até de se deixar contaminar pelo mundo. Isso tem, aliás, levado o Papa Francisco a apelar continuamente a uma “Igreja em saída”, que vá ao encontro das “periferias existenciais e geográficas”. No passado, a Igreja permitiu que a sua atividade missionária servisse de justificação para a conquista, colonização e destruição de culturas ancestrais, como aconteceu, sobretudo, na América Latina e em África. Felizmente, a Igreja foi evoluindo na sua forma evangelizar.

“Hoje, a missão enfrenta o desafio de respeitar a necessidade que todos os povos têm de recomeçar das próprias raízes e de salvaguardar os valores das respetivas culturas. Trata-se de conhecer e respeitar outras tradições e sistemas filosóficos e de reconhecer a cada povo e cultura o direito de fazer-se ajudar pela própria tradição na compreensão do mistério de Deus e no acolhimento do Evangelho de Jesus, que é luz para as culturas e força transformadora das mesmas”, adverte o Papa Francisco na mensagem para o Dia Mundial das Missões deste ano.

Há quinhentos anos achava-se normal que se impusesse a nossa cultura aos povos conquistados. Esperemos que não sejam precisos tantos anos para se perceber o disparate que é abandonarmos as nossas ancestrais tradições para assumir outras, como por exemplo o “Halloween”, que já aí vem...

(Texto publicado no Correio da Manhã de 23/10/2015)

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

A Igreja e as eleições

D. António Marto
Foto: Fatima.pt retirada daqui
O futuro político do país está dependente das decisões dos líderes políticos, particularmente de António Costa, que determinarão se teremos um governo de esquerda ou de direita. Os bispos portugueses acompanham estes tempos “de uma certa incerteza e ansiedade em todo o país”, como os classificou D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima e vice-presidente da Conferência Episcopal Portuguesa. E pediu aos políticos “para que, neste processo, manifestem uma profunda responsabilidade que os leve a colocar o interesse nacional acima de todos os interesses partidários”.

Já em relação à opção concreta por um governo de esquerda ou de direita, embora não seja uma questão “indiferente” e em que “cada um terá a sua opinião” – segundo o P. Manuel Barbosa, porta-voz da Conferência Episcopal – os bispos não se comprometem com nenhuma das soluções. Limitam-se a apelar à estabilidade governativa “porque o país está em primeiro lugar, tal como o interesse comum”.

Nesta posição estão em perfeita sintonia com os ensinamentos dos últimos Papas. “A Igreja não pode nem deve tomar nas suas próprias mãos a batalha política”, escrevia Bento XVI na Encíclica “Deus caritas est” (nº 28). “No diálogo com o Estado e com a sociedade, a Igreja não tem soluções para todas as questões específicas. Mas, juntamente com as várias forças sociais, acompanha as propostas que melhor correspondam à dignidade da pessoa humana e ao bem comum. Ao fazê-lo, propõe sempre com clareza os valores fundamentais da existência humana, para transmitir convicções que possam depois traduzir-se em ações políticas”, pode ler-se no nº 224 da “Evangelii Gaudium” do Papa Francisco.

No mesmo texto, o Papa diz: “Às vezes interrogo-me sobre quais são as pessoas que, no mundo atual, se preocupam realmente mais com gerar processos que construam um povo do que com obter resultados imediatos que produzam ganhos políticos fáceis, rápidos e efémeros, mas que não constroem a plenitude humana. A história julgá-los-á” (nº 224).

Para o bem do povo português, deseja-se que a intensa atividade política a que se tem assistido, e as decisões que venham a ser tomadas, não sejam corrompidas por um qualquer estéril e fútil tacticismo político-partidário. A história encarregar-se-á de julgar.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 16/10/2015)

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

O início do Sínodo

Primeiro "briefing" do Sínodo da família
Da esquerda para a direita:
Bruno Forte, Vingt-Trois, Péter Erdo e Federico Lombardi
Foto: LaPresse, retirada daqui
Os principais responsáveis pela condução dos trabalhos do Sínodo dos Bispos procuraram baixar as expectativas em relação aos resultados dessa reunião magna do episcopado mundial, que decorre no Vaticano desde o passado domingo até ao dia 25 deste mês.

No início dos trabalhos o cardeal Peter Erdö, relator geral do Sínodo, sublinhou o valor da “indissolubilidade do matrimónio proposta pelo próprio Jesus Cristo”, pelo que vê com dificuldade o acesso dos divorciados recasados aos sacramentos. Contudo, essa não é a única questão que será debatida, mas muito outras, organizadas em três grandes áreas temáticas: a escuta dos desafios sobre a família; o discernimento da vocação familiar; a missão da família hoje. São estes os três capítulos do “Instrumentum Laboris” que resultou da reflexão do último Sínodo e que constituem o ponto de partida do que agora se iniciou.

“Se viestes a Roma com a ideia de uma mudança espetacular da doutrina, regressareis desiludidos”, disse aos jornalistas no final do primeiro dia o responsável pela condução dos trabalhos, cardeal Vingt-Trois. Contudo, “este Sínodo não se reúne para não dizer nada”, afirmou na mesma conferência de imprensa o secretário especial do Sínodo, o arcebispo Bruno Forte.

Na abertura dos trabalhos do Sínodo o Papa Francisco colocou as balizas para a reflexão, não deixando de desafiar os padres sinodais: “Recordo que o Sínodo não é um congresso, ou um ‘parlatório’, não é um parlamento ou um senado, onde se procura o consenso”. Para o Papa, este deve ser um espaço em que a Igreja procura “ler a realidade com os olhos da fé”. Em que se questiona “sobre a fidelidade ao depósito da fé”, o qual não é “um museu para olhar ou salvaguardar, mas é uma fonte viva em que a Igreja sacia a sede para saciar e iluminar o depósito da vida”. Ou seja, o Sínodo deve ser fonte de inspiração para dialogar com o mundo contemporâneo e responder às suas questões.

Mesmo quem não conhece em profundidade a Igreja Católica, não deve esperar que esta, de repente, reescreva a doutrina que foi consolidando no seu seio ao longo de dois milénios. O que se deve aspirar – e já será um grande salto – é que as formulações doutrinais se adequem aos tempos atuais e deem resposta aos seus problemas.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 09/10/2015)

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Igreja, Direita e Esquerda

Papa fala aos jornalistas no avião
Foto retirada daqui
A classificação dos líderes da Igreja como de direita ou de esquerda, conservadores ou progressistas, habitualmente não é ajustada. Não só por na política partidária serem cada vez mais difusas as diferenças entre a esquerda e a direita. Mas, sobretudo, porque os responsáveis eclesiásticos têm de, por um lado, ser fiéis à tradição da Igreja – e por isso conservadores –, e, por outro lado, de ser fiéis ao dinamismo do Evangelho, o que os obriga a atualizar a doutrina às circunstâncias concretas de cada tempo – e, por isso, a ser progressistas.

O Papa Francisco tem sido aplaudido à esquerda, quando critica o sistema capitalista, ou apela à ecologia, ou se preocupa com os divorciados recasados e os homossexuais. E é aplaudido à direita quando defende a família ou condena a legalização do aborto. Na sua última viagem ao continente americano acabou por, de certa forma, desiludir os ditos conservadores e progressistas, por não se deixar acantonar em nenhum dos polos. Para os primeiros não foi suficientemente contundente na condenação do aborto e dos casamentos homossexuais. Já para os segundos terá sido muito suave na abordagem do problema dos homossexuais católicos ou do papel da mulher na Igreja.

No voo entre Cuba e os Estados Unidos, foi mesmo questionado se era “esquerdista” e até católico. Ao que ele respondeu: “Não disse nada além do que está na Doutrina Social da Igreja.” Esclareceu depois que o matrimónio continua a ser indissolúvel. Não há divórcio católico, apesar de ter simplificado o processo de declaração de nulidade dos casamentos na Igreja. Nestas posições alguns leram um virar à direita.

Na verdade, ele não é de esquerda nem de direita, mas alguém que quer responder às questões que afetam e preocupam os homens e mulheres de hoje. Como são o acolhimento aos divorciados recasados e aos homossexuais, ou o papel da mulher na Igreja.

Para dar resposta a estes e outros problemas, o Papa quer que se reflita, se discuta e que, à luz do Evangelho e em conformidade com a tradição da Igreja, se encontrem as soluções adaptadas aos dias de hoje. Apesar de ter pedido isso à Igreja, nomeadamente na preparação do próximo Sínodo dos Bispos, ainda se nota pouco essa preocupação no interior das organizações católicas...

(Texto publicado no Correio da Manhã de 02/10/2015)

sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Igrejas sem povo

Homilia do Papa Francico no santuário de N. Sra. da Caridade
Foto retirada daqui
A visita do Papa a um país permite dar a conhecer a forma como nele se vive, celebra e mantém a fé, por vezes em contextos bem adversos à prática religiosa. Este é o caso de Cuba. Na última missa presidida pelo Papa Francisco no santuário de Nossa Senhora da Caridade, em Cobre, perto de Santiago de Cuba, estiveram presentes membros de “comunidades sem templo”. São cristãos a quem estava vedada a construção de uma igreja, os quais, devido à falta de clero, se congregam em torno de missionários leigos.

Durante a homilia, o Papa referiu as circunstâncias em que o cristianismo se tem mantido naquela ilha e o contributo de tantos para que não se apague a chama da fé. “A alma do povo cubano foi forjada por entre dores e privações que não conseguiram extinguir a fé; aquela fé que se manteve viva, graças a tantas avós que continuaram a tornar possível, na vida diária do lar, a presença viva de Deus; a presença do Pai que liberta, fortalece, cura, dá coragem e é refúgio seguro e sinal de nova ressurreição. Avós, mães e tantas outras pessoas que, com ternura e carinho, foram sinais de visitação, como Maria, de valentia, de fé para os seus netos, nas suas famílias. Mantiveram aberta uma fenda, pequena como um grão de mostarda, por onde o Espírito Santo continuou a acompanhar o palpitar deste povo”, disse.

Enquanto em Cuba a fé mantém-se mesmo sem igrejas, na Europa fecham-se igrejas por falta de fiéis, devido à diminuição da população e da prática religiosa. No início deste ano o “Wall Street Journal” abordou a questão do encerramento e venda das igrejas na Europa. Nesse artigo dizia-se que em Inglaterra fecham cerca de vinte igrejas anglicanas por ano – e que, nos últimos dez anos, a Igreja Católica na Alemanha desativou mais de quinhentas. Na Holanda, onde as perspetivas são mais negativas, prevê-se que sejam encerradas cerca de mil igrejas católicas nos próximos dez anos, mais setecentas protestantes.

Entre nós ainda se têm inaugurado algumas igrejas, sobretudo nas cidades. Contudo, devido à falta de clero, têm cada vez menos celebrações. Com o despovoamento e o envelhecimento que se tem verificado, sobretudo no interior do país, algumas aldeias irão desaparecer e as suas igrejas irão fechar e, provavelmente, ser vendidas.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 25/09/2015)

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

O Papa e os jovens

Foto retirada daqui
O Papa Francisco, no encontro com os bispos portugueses, em Roma, na visita “Ad limina”, chamou a atenção para a “debandada da juventude” que, “na idade em que lhe é dado tomar as rédeas da vida nas suas mãos”, se afastam da Igreja.

Em Portugal, para além de se preocuparem com o abandono da prática religiosa, têm também de se interrogar sobre os inúmeros jovens, altamente qualificados, que estão a sair do país. Para além disso, sobretudo no interior, são cada vez mais as comunidades que quase não têm jovens nem crianças.

Em relação aos que sobram, faz todo o sentido refletir sobre as questões que o Papa propôs aos bispos portugueses, desafiando-os a encontrar formas de atrair os mais novos à Igreja. “A juventude deixa, porque assim o decide? Decide assim, porque não lhe interessa a oferta recebida? Não lhe interessa a oferta, porque não dá resposta às questões e interrogativos que hoje a inquietam? Não será simplesmente porque, há muito, deixou de lhe servir o vestido da Primeira Comunhão, e mudou-o? É possível que a comunidade cristã insista em vestir-lho?”

Para além de questionar as razões que levam os jovens a afastar-se da prática religiosa, o Papa alerta para que não sejam tratados como crianças. Não se pode pretender atraí-los para os domesticar, mas deve-se aproveitar o seu dinamismo para renovar e dinamizar as comunidades cristãs. Tem de se integrar a sua irreverência, o seu desejo de fazer diferente e a sua maneira própria de celebrar a fé. Que, muitas vezes, não se coaduna nem com as tradições, nem com os hábitos das gerações mais velhas.

Os jovens afastam-se pelas mais variadas razões, mas também por não encontrarem pessoas que os ajudem a descobrir a novidade e até a irreverência do Evangelho de Jesus Cristo. “Hoje a nossa proposta de Jesus não convence. Eu penso que, nos guiões preparados para os sucessivos anos de catequese, esteja bem apresentada a figura e a vida de Jesus; talvez mais difícil se torne encontrá-Lo no testemunho de vida do catequista e da comunidade inteira que o envia e sustenta”, disse o Papa aos bispos.

O desafio deixado pelo Papa, não se dirige só aos bispos, aos catequistas, mas a todos os cristãos adultos que se devem esforçar por dar um testemunho que cative e atraia a juventude.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 18/09/2015)


sexta-feira, 11 de setembro de 2015

O "simplex" papal

O Papa Francisco simplificou o processo para a declaração da nulidade de um matrimónio e pediu que passasse a ser gratuito.

Para o tornar mais célere, conferiu maiores responsabilidades aos bispos de cada diocese, podendo eles próprios julgar os pedidos mais evidentes. Mais importante ainda, aboliu a obrigatoriedade de uma dupla sentença positiva. Até agora, para um casamento ser declarado nulo, tinha de obter o aval do tribunal eclesiástico da diocese em que era introduzida a causa e do tribunal da diocese metropolita. Caso o primeiro dissesse que sim e o segundo que não, então transitava para Roma, que resolveria a questão. Com a legislação agora aprovada pelo Papa, se ninguém recorrer na primeira instância, o casamento é automaticamente declarado nulo.

No caso português, depois de um processo passar nas respetivas dioceses, tinha de ir para Braga, metropolita das dioceses do norte, Lisboa, do centro e ilhas, ou Évora, das do sul. Com o acumular de processos nessas dioceses, os esposos tinham de esperar vários anos, e de gastar muito dinheiro, para conseguirem a sua almejada pretensão. Em Espanha pode mesmo demorar entre quatro e cinco anos a ser despachada uma anulação – e custa cerca de cinco mil euros, segundo o sítio "Religión Digital". No nosso país pode demorar mais tempo e ficar ainda mais dispendioso.

Preocupado com a situação das pessoas que vivem afastadas dos sacramentos  devido à morosidade da justiça eclesiástica, ou por não terem dinheiro para introduzir a causa de nulidade, o Papa decidiu legislar para que esta possa ser declarada num mês e de forma gratuita. Não se trata de promover ou facilitar o divórcio, nem de anular os casamentos católicos, mas de declarar nulo com maior rapidez e de forma gratuita o que nunca existiu e que, por isso, não pode continuar a atormentar a vida das pessoas. Trata-se de colocar a lei ao serviço das pessoas.

Com esta legislação, a um mês do Sínodo dos Bispos, o Papa dá um sinal claro aos padres sinodais para se concentrarem nos casos em que o casamento não foi nulo, mas que, por diversos motivos, falhou. Para esses espera-se que o Sínodo encontre uma resposta que não continue a manter os crentes afastados dos sacramentos, mas os reintegre plenamente na vida da Igreja.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 11/09/2015)

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

O Papa do perdão

No Ano da Misericórdia a porta da cela é Porta Santa
Foto retirada daqui
O Papa Francisco tem proposto um discurso inclusivo acompanhado por gestos de atenção a tantos que são excluídos e habitualmente esquecidos. O jubileu extraordinário da Misericórdia, que se iniciará no dia 8 de Dezembro, é mais um desses gestos. O Papa pretende que a experiência do perdão de Deus seja feita por todos durante o ano jubilar. Numa carta dirigida terça-feira ao arcebispo Rino Fisichella, presidente do Pontifício Conselho para a promoção da nova evangelização diz claramente que “este Ano Jubilar da Misericórdia não exclui ninguém” e deseja que seja “um verdadeiro momento de encontro com a misericórdia de Deus” e uma ocasião para todos experimentarem “a sua ternura”.

A carta refere também os peregrinos que farão a experiência de peregrinação às Portas Santas em Roma, ou nas diversas dioceses do mundo, sem esquecer os que não a puderem fazer “sobretudo os doentes e as pessoas idosas e sós”.

Francisco lembra-se igualmente dos reclusos “que experimentam a limitação da sua liberdade”: também eles podem acolher as graças do Ano Santo. “Nas capelas dos cárceres poderão obter a indulgência, e todas as vezes que passarem pela porta da sua cela, dirigindo o pensamento e a oração ao Pai, que este gesto signifique para eles a passagem pela Porta Santa, porque a misericórdia de Deus, capaz de mudar os corações, consegue também transformar as grades em experiência de liberdade”.

O Papa está convencido que “o perdão de Deus não pode ser negado a quem quer que esteja arrependido, sobretudo quando, com coração sincero, se aproxima do Sacramento da Confissão para obter a reconciliação com o Pai”. Por isso, durante o Jubileu da Misericórdia concede a todos os sacerdotes “a faculdade de absolver do pecado de aborto quantos o cometeram e, arrependidos de coração, pedirem que lhes seja perdoado”. Habitualmente o perdão desta pecado grave está reservado ao bispo ou ao sacerdote que ele designar para esse efeito.

Como são diferentes esta e outras atitudes do Papa! Em vez de colocar barreiras ou entraves a quem se quer abeirar da Igreja, prefere abrir as portas para acolher e sanar as feridas de tantos que deambulam pelas “periferias existenciais e geográficas”. Um Papa que se preocupa mais em incluir do que em excluir ou excomungar.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 04/09/2015)

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

O plágio do cardeal

Foto retirada daqui
O cardeal Juan Luis Cipriani, arcebispo de Lima, no Perú, utilizou em artigos de opinião, publicados no principal diário daquele país latino-americano, o “El Comercio”, textos do Papa Paulo VI e do então cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa-emérito Bento XVI, sem os citar.

Logo que foi detetado o plágio, o jornal decidiu não publicar mais textos assinados pelo arcebispo. Cipriani, numa carta ao diretor da publicação, pediu desculpa aos leitores pelo sucedido e tentou justificar o injustificável, socorrendo-se de dois argumentos. Referiu a falta de espaço para citar as fontes e, o mais extraordinário, que se escusou a citá-las porque os “ensinamentos de Cristo, dos Papas e da Doutrina Social da Igreja”, que ele segue fielmente, são um “património comum da fé, não têm uma propriedade intelectual”.

Como acontece muitas vezes em determinados meios eclesiásticos, bem como no seio de outras instituições, quando não se consegue abafar o escândalo tenta-se tapar o sol com a peneira. Só que isso revela-se sempre uma péssima estratégia. Neste caso, o purpurado peruano acicatou ainda mais os jornalistas, que foram investigar se ele teria feito o mesmo com ideias provenientes de outras fontes. E descobriram que, em 2009, utilizou numa homilia textos do filósofo espanhol Alejandro Llano Cifuentes, publicados no livro “La Nueva Sensibilidad”, sem referir o autor.

Plagiar alguém é sempre um comportamento abjeto e condenável. Não há forma de o justificar nem de o escamotear. Mas fazê-lo em textos publicados on-line, para além de ser desonesto, é imbecil. Se por um lado a internet e os motores de pesquisa permitem o acesso fácil a muita informação, também permitem detetar facilmente a apropriação indevida das ideias de outra pessoa. Pelo que quem se habituou a copiar as ideias dos outros o melhor é não disponibilizar os “seus” textos on-line, porque rapidamente poderá ser apanhado. Quando tal acontece, é preferível reconhecer que errou, sem tentar justificar-se.

Quem o faz num órgão de informação, tal como aconteceu com Cipriani, deve ser imediatamente impedido de publicar porque pode voltar a ceder à tentação. E, para além disso, ficará sempre nos leitores a dúvida se os textos por ele assinados são, ou não, da sua autoria.


(Texto publicado no Correio da Manhã de 28/08/2015)

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

O Papa e Taizé

Festa da luz para celebrar o irmão Roger
Foto retirada daqui
A comunidade de Taizé celebrou este domingo os setenta e cinco anos da sua criação, bem como o centésimo aniversário do seu fundador, o irmão Roger Schutz, e os dez anos da sua morte.

O Papa Francisco mencionou essas efemérides na Audiência geral de quarta-feira. No domingo já tinha enviado uma mensagem pelo cardeal Kurt Koch, na qual classifica a comunidade “como uma verdadeira ‘parábola de comunhão’, que, até hoje, vem desempenhando um papel importante para construir pontes de fraternidade entre cristãos”. Nessa mensagem refere as principais características da experiência de Taizé: a oração, a reconciliação e a solidariedade, que atraem jovens de todo o mundo. Entre 9 e 16 de Agosto, reuniram-se naquela pequena aldeia da Borgonha mais de sete mil jovens.

“Ao buscar com paixão a unidade da Igreja Corpo de Cristo, o irmão Roger abriu-se aos tesouros depositados nas diversas tradições cristãs, sem com isto romper com a sua origem protestante. Pela perseverança que demonstrou durante a sua longa vida, ele contribuiu para modificar as relações entre cristãos ainda separados, traçando para muitos um caminho de reconciliação”, escreveu o Papa.

Recorda também que o irmão Roger “amava os pobres, os desfavorecidos, os que, aparentemente, não contam. Ele mostrou, por sua existência e pela de seus irmãos, que a oração caminha junto com a solidariedade humana”.

O atual líder da comunidade, o irmão Alois, num encontro com os jovens, atualizou as preocupações do seu antecessor e falou dos novos sofrimentos, como são as populações deslocadas, catástrofes ecológicas, desemprego em massa, violências... “Tudo isso reclama novas solidariedades”. Propôs mesmo, em sintonia com o que têm dito os últimos papas, a criação de “instâncias supranacionais e mesmo de uma espécie de autoridade universal, que fixe as regras para assegurar uma maior justiça e para manter a paz”, como se pode ler no blogue “Religionline”, num texto de António Marujo, que tem acompanhado as celebrações em Taizé.

No dia em que se completaram dez anos sobre a morte do irmão Roger, cinco mil pessoas participaram numa “Festa da Luz”. Espera-se que Taizé continue a congregar os cristãos em torno da reconciliação e da solidariedade e a irradiar a sua luz ao mundo.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 21/08/2015)

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Oração ecológica

Foto retirada daqui
O Papa Francisco estendeu ao mundo católico uma Jornada de Oração Mundial pela Criação, já celebrada pelos Ortodoxos. A partir deste ano, no dia 1 de setembro os católicos juntam-se aos ortodoxos para rezarem pelo ambiente. O Papa pretende que outras confissões cristãs, como os evangélicos e os anglicanos, se associem também a esta iniciativa. Deste modo, para além de um dia dedicado à ecologia, ele pretende que esta Jornada seja também ecuménica, de unidade entre todos os seguidores de Cristo.

“Vivemos num tempo em que todos os cristãos enfrentam idênticos e importantes desafios, diante dos quais, para ser mais críveis e eficazes, devemos dar respostas comuns. Por isto, é meu desejo que este Dia também possa envolver, de alguma forma, outras Igrejas e Comunidades eclesiais, e ser celebrado em sintonia com as iniciativas que o Conselho Mundial de Igrejas promove sobre este tema”, escreve o Papa na carta, em que institui este dia, enviada aos cardeais Peter Turkson e Kurt Koch, Presidentes dos Pontifícios Conselhos da Justiça e da Paz e para a Promoção da Unidade dos Cristãos.

No passado os cristãos, para justificarem alguns comportamentos de exploração despótica da natureza, os quais contribuíram para a degradação do ambiente, serviram-se do mandato bíblico do Criador: “…dominai a terra”. Agora o Papa acredita que os cristãos podem dar o seu contributo “para a superação da crise ecológica que a humanidade está a viver”. Não só pela força da oração, em que acreditam, mas também através de uma educação e espiritualidade ecológica que já enunciou na Encíclica “Laudato si’”. No número 218 apelou para que, da mesma forma que noutros aspetos da sua vida devem reconhecer “os próprios erros, pecados, vícios ou negligências, e arrepender-se de coração, mudar a partir de dentro”, também devem fazer o mesmo em relação à Criação. Uma espécie de exame de consciência ecológico. E, do mesmo modo que devem corrigir o seu relacionamento com Deus e com os outros, também se devem empenhar numa conversão ecológica e corrigir uma distorcida relação com a Criação.

Assim, o Papa Francisco, ao desafiar os cristãos de todo o mundo a darem as mãos na defesa da “casa comum”, num mesmo dia promove a aproximação ecuménica e a militância ecológica.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 14/08/2015)

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Bispos contra o Papa?!

Manchete da última edição do “Sol”
Imagem recortada daqui
Publicamente, todos os bispos portugueses têm aplaudido o Papa. Ainda nenhum, que me tenha apercebido, criticou alguma das posições e das perspetivas que ele tem proposto para a Igreja. Admito que em privado façam eco de algum desconforto para com certas teses “bergoglianas”. Contudo, como noticiou o semanário "Sol", na sua última edição, chegar ao ponto de não respeitar o desafio que o Papa fez à Igreja de todo mundo para refletir o problema dos divorciados recasados, e enviar um documento votado por todos os bispos, incluindo os eméritos, em que, simplesmente, se lhes recusa o acesso à comunhão, parece-me inconcebível!

Situar o debate só em torno da questão de os católicos recasados poderem, ou não, comungar, é muito redutor. Assim posta a questão, é natural que se criem divisões entre os que defendem, e os que negam, essa possibilidade.

Ora, o objetivo do Papa não terá sido esse ao levantar essa questão (e outras). O que ele pediu à Igreja foi que reflita sobre a forma de conciliar a indissolubilidade do matrimónio com o acesso dos recasados à comunhão. Ou seja: como continuar a valorizar e a propor o matrimónio católico para toda a vida; e ter uma solução para aqueles que falharam nesse projeto e, por isso, se veem arredados dos sacramentos só por terem contraído uma nova união.

Assim sendo, a preocupação dos bispos deverá ser ler as sensibilidades e propostas da Igreja em Portugal. E, depois, enviar para o Sínodo sugestões, linhas de reflexão, pistas para que os bispos de todo mundo possam encontrar uma saída para este problema que, à primeira vista, parece irreconciliável.

Em muitos contextos, e por diferentes personalidades da Igreja, já foram sugeridas diversas soluções. Espera-se que os bispos portugueses, tendo ouvido as diferentes sensibilidades nacionais, consigam retirar das diferentes posições, por vezes diametralmente opostas, um contributo válido para o Sínodo. É crucial para a Igreja, no mundo de hoje, encontrar a solução para este e outros problemas que afetam a vida de pessoas concretas.

Por isso, limitarem-se a dizer ao Papa que se é a favor ou contra a comunhão dos recasados, é, manifestamente, muito pouco. Ele, seguramente, espera muito mais da reflexão dos católicos espalhados por todo o mundo.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 07/08/2015)

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

A procissão e o andor


Foto retirada daqui
Iniciou-se Agosto. Este mês empresta alguma vitalidade às nossas aldeias. Traz os emigrantes e os familiares espalhados pelo país. Este é, por isso, o mês em que se concentram a maioria das festas das nossas comunidades. Em muitas delas a procissão é o momento religioso com maior afluência, mas como acontece com tantos outros, as pessoas limitam-se a assistir em vez de participar: “Ver passar a procissão…”. Comentam e criticam em vez de viver o seu sentido mais profundo.

Não se trata de um mero cortejo religioso, mas de uma experiência de peregrinação. Ainda que curta e mais ou menos solene implica sempre uma deslocação de um ponto a outro ou então o regresso à igreja de onde se saiu. Tudo na procissão nos deve falar da nossa peregrinação de fé, sobretudo o andor. Nele transportamos a imagem central da festa, que pode ser uma imagem de Jesus Cristo, da Virgem Maria ou de um santo. As imagens dos santos não são ídolos, que adoramos, mas imagens que nos recordam essas pessoas que antes de nós trilharam o caminho da santidade e desafiam-nos a segui-los e imitá-los na peregrinação da nossa vida. Se para eles foi possível também nós o podemos e devemos percorrer.

O andor pode ser também uma bela parábola da comunidade que peregrina sobre a terra carregando aos ombros o Evangelho de Jesus Cristo, que a sua imagem nos recorda, ou o Evangelho vivo que tantos homens e mulheres atualizaram nas suas vidas.

Tal como na vida das comunidades, o andor não pode ser levado por uma só pessoa. E como seria ridículo alguém, sozinho, levá-lo de arrasto. Em alguns casos seria mesmo sobre-humano, dado o tamanho e o peso do andor. Exige, por isso, o envolvimento de vários e a coordenação de movimentos de todos. Que adianta colocar bem alto, como acontece em tantas das nossas festas, o santo padroeiro se depois para pegar ao andor se escolhem pessoas desequilibradas, descoordenadas e desvairadas? Se cada um puxar para seu lado; se um se quiser elevar em relação aos outros, então corre-se o risco de o santo inclinar e até cair ao chão. E quanto mais alto for o andor maior e mais estrondosa é a queda.

Também nas nossas comunidades, quando alguém procura absorver todas as responsabilidades e ser o centro de todas a atenções, não promove a participação dos demais e deixa de apontar para Deus, para tentar tornar-se no centro de todas as atenções. Quando cada um procura sobressair mais do que o outro não construímos uma comunidade harmoniosa e fraterna mas transformamos a igreja numa feira de vaidades. Não se fazem as coisas por amor à Igreja mas movidos pela ânsia de uma qualquer estéril promoção pessoal.

Aprendamos como Jesus Cristo o Bom Pastor, que após ter saciado a fome da multidão, em vez de ficar a deleitar-se com os aplausos da multidão e a espreitar a possibilidade de ser feito rei, retirou-se para um lugar solitário (Jo 6, 1-15).

Mais importante do que ver passar a procissão é incorporá-la. E, ainda mais importante que isso, seguir na vida o exemplo dado pelos santos e pela Virgem Maria. Como eles, não se procure o reconhecimento e os aplausos efémeros, mas servir com dedicação e zelo, sobretudo os que mais precisam. Não se invista na conquista dos lugares de maior destaque, mas na disponibilidade para as tarefas mais humildes, naquelas em que ninguém repara, mas que fazem toda a diferença. Os santos testemunham-nos que assim seremos muito mais felizes.

(Texto publicado no Mensageiro de Bragança de 06/08/2015)

sexta-feira, 31 de julho de 2015

Chantagem e difamação

Padre Roberto
Foto retirada daqui
“Experto crede roberto” é uma expressão latina cuja origem é desconhecida. Pensa-se que terá a sua origem num provérbio latino, que é citado na “Eneida” de Virgílio: “Experto credite” (lib. XI, versi 283-285). Que significa: “Acreditai no experiente”, a que a Idade Média terá acrescentado o Roberto, talvez para rimar.

No caso de Canelas, V. N. de Gaia, se a experiência é muito discutível, a credibilidade do padre Roberto Carlos foi posta em causa ao não se comprovarem as acusações que lançou contra o Padre Abel Maia.

E é estranho que, mesmo assim, Miguel Rangel, o líder do movimento que apoia a permanência do anterior pároco, continue a defender e a tentar tapar o sol com a peneira. Chega mesmo a afirmar que ele nem sequer fez chantagem! Aqui, sim, aplica-se outro provérbio em bom português: “Pior que ser cego é não querer ver”. Ou, como diria Nelson Rodrigues, o brasileiro do óbvio ululante: “O pior cego é o míope”.

No dicionário da Porto Editora pode ler-se que chantagem é “obter uma situação vantajosa sob a ameaça de revelações comprometedoras, reais ou fictícias”. Não foi isso que o Roberto fez em relação ao bispo do Porto? Não ameaçou ele revelar um comportamento grave de um sacerdote caso fosse removido de Canelas?

Teve azar, porque o bispo do Porto não se deixou chantagear. Em vez de aceder às suas pretensões e tentar abafar o caso, mandou a denúncia para o Ministério Público, que não comprovou as acusações e arquivou o processo.

O Padre Abel Maia pondera agora avançar com um processo contra Roberto Carlos por difamação. Tem todo o direito a fazê-lo, embora haja danos que nunca poderão ser ressarcidos, nomeadamente a perturbação provocada à comunidade de Fafe, que se viu privada do seu legítimo pastor, que, segundo consta, muito estimava e deverá continuar a estimar.

Não sei se juridicamente isso é possível, mas tanto a arquidiocese de Braga como a paróquia de Fafe deveriam poder exigir perante a justiça uma indemnização pelos danos causados na vida da comunidade, fruto das afirmações que vieram a ser declaradas infundadas.

Seria bom que os apoiantes de Roberto Carlos repensassem o seu apoio incondicional e cego a quem parece não o merecer. E, já agora, que não deixassem que as paixões lhes turvem as vistas.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 31/07/2015)