quinta-feira, 6 de agosto de 2015

A procissão e o andor


Foto retirada daqui
Iniciou-se Agosto. Este mês empresta alguma vitalidade às nossas aldeias. Traz os emigrantes e os familiares espalhados pelo país. Este é, por isso, o mês em que se concentram a maioria das festas das nossas comunidades. Em muitas delas a procissão é o momento religioso com maior afluência, mas como acontece com tantos outros, as pessoas limitam-se a assistir em vez de participar: “Ver passar a procissão…”. Comentam e criticam em vez de viver o seu sentido mais profundo.

Não se trata de um mero cortejo religioso, mas de uma experiência de peregrinação. Ainda que curta e mais ou menos solene implica sempre uma deslocação de um ponto a outro ou então o regresso à igreja de onde se saiu. Tudo na procissão nos deve falar da nossa peregrinação de fé, sobretudo o andor. Nele transportamos a imagem central da festa, que pode ser uma imagem de Jesus Cristo, da Virgem Maria ou de um santo. As imagens dos santos não são ídolos, que adoramos, mas imagens que nos recordam essas pessoas que antes de nós trilharam o caminho da santidade e desafiam-nos a segui-los e imitá-los na peregrinação da nossa vida. Se para eles foi possível também nós o podemos e devemos percorrer.

O andor pode ser também uma bela parábola da comunidade que peregrina sobre a terra carregando aos ombros o Evangelho de Jesus Cristo, que a sua imagem nos recorda, ou o Evangelho vivo que tantos homens e mulheres atualizaram nas suas vidas.

Tal como na vida das comunidades, o andor não pode ser levado por uma só pessoa. E como seria ridículo alguém, sozinho, levá-lo de arrasto. Em alguns casos seria mesmo sobre-humano, dado o tamanho e o peso do andor. Exige, por isso, o envolvimento de vários e a coordenação de movimentos de todos. Que adianta colocar bem alto, como acontece em tantas das nossas festas, o santo padroeiro se depois para pegar ao andor se escolhem pessoas desequilibradas, descoordenadas e desvairadas? Se cada um puxar para seu lado; se um se quiser elevar em relação aos outros, então corre-se o risco de o santo inclinar e até cair ao chão. E quanto mais alto for o andor maior e mais estrondosa é a queda.

Também nas nossas comunidades, quando alguém procura absorver todas as responsabilidades e ser o centro de todas a atenções, não promove a participação dos demais e deixa de apontar para Deus, para tentar tornar-se no centro de todas as atenções. Quando cada um procura sobressair mais do que o outro não construímos uma comunidade harmoniosa e fraterna mas transformamos a igreja numa feira de vaidades. Não se fazem as coisas por amor à Igreja mas movidos pela ânsia de uma qualquer estéril promoção pessoal.

Aprendamos como Jesus Cristo o Bom Pastor, que após ter saciado a fome da multidão, em vez de ficar a deleitar-se com os aplausos da multidão e a espreitar a possibilidade de ser feito rei, retirou-se para um lugar solitário (Jo 6, 1-15).

Mais importante do que ver passar a procissão é incorporá-la. E, ainda mais importante que isso, seguir na vida o exemplo dado pelos santos e pela Virgem Maria. Como eles, não se procure o reconhecimento e os aplausos efémeros, mas servir com dedicação e zelo, sobretudo os que mais precisam. Não se invista na conquista dos lugares de maior destaque, mas na disponibilidade para as tarefas mais humildes, naquelas em que ninguém repara, mas que fazem toda a diferença. Os santos testemunham-nos que assim seremos muito mais felizes.

(Texto publicado no Mensageiro de Bragança de 06/08/2015)

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