segunda-feira, 28 de abril de 2014

Abril Católico

A Igreja Católica em Portugal, sobretudo a hierarquia, deixou-se conotar com o “Estado Novo”, apesar de alguns bispos, padres e muitos leigos terem tomado posições contundentes contra o regime. De entre os primeiros destacaram-se D. Sebastião Resende, bispo da Beira, D. Manuel Vieira Pinto, bispo de Nampula, ambos em Moçambique, ou D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto.

O Padre Abel Varzim é um exemplo entre muitos outros sacerdotes que a ditadura não conseguiu vergar. Também entre os leigos há “histórias do catolicismo militante” que violaram “o silêncio cúmplice com o regime do Estado Novo”. Foram presos devido à sua ousadia, mas contribuíram para o despertar da consciência crítica antes da revolução – e fizeram com que a “libertação de Abril” também tivesse “o ‘dedo’ católico”.

São estas histórias que o jornalista António Marujo tem publicado no blog “Religionline”, há um mês. Num dos textos aborda o papel da teologia como “fator de dissensão e despertador de consciências” em que fala de diversas iniciativas, muitas delas com a sua génese no dinamismo suscitado pelo Concílio Vaticano II. Na verdade, o 25 de Abril aconteceu no interior da Igreja, uma década antes da revolução. Resgatou o laicado da passividade e apelou a uma maior participação na vida eclesial, que João Paulo II designará como a corresponsabilidade laical.

Uma dessas iniciativas eram os cursos de Verão dos dominicanos em que as discussões teológicas adormeciam o agente da PIDE, sempre presente, mas despertavam os cristãos que “descobriram, através de livros, cursos, encontros ou publicações clandestinas uma forma de agir militante na oposição ao regime”. No período que antecedeu o 25 de Abril, e já desde os anos 50, para António Marujo “muitos cristãos começaram a ler e aprender teologia, passando da simples leitura ao debate sobre a relação entre fé e política e à ação militante contra a guerra de África”.

Quarenta anos depois, o país e a Igreja continuam a precisar que os leigos aprofundem os seus conhecimentos teológicos. Que debatam os problemas que afetam a humanidade à luz dos valores do Evangelho. E que se empenhem na “ação militante” contra a “ditadura dos mercados” e a “economia que mata”.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 25/04/2014)

domingo, 20 de abril de 2014

Pobres no Lava-Pés

Papa lava os pés num centro de deficientes
(Foto retirada daqui)
O Papa está a fazer uma revolução coperniciana ao fazer das periferias o centro do seu discurso. Aproveita todas as oportunidades, até as mais improváveis, para chamar a atenção para os pobres e os excluídos da sociedade. Nem mesmo as romanas cerimónias da Semana Santa, alérgicas à mudança, resistiram ao efeito renovador de Francisco, que introduziu práticas carregadas desde o “fim do mundo”.

Era normal para o cardeal Bergoglio, em Buenos Aires, fazer a celebração da missa da tarde de Quinta-feira Santa – em que se recorda a Última Ceia de Jesus, na qual este lavou os pés aos Apóstolos e instituiu a Eucaristia – numa prisão, num hospital ou num hospício. Assim, chamava a atenção para os que muitas vezes a sociedade quer esquecer logo no início dos três dias mais importantes para Igreja, aqueles em que se celebra a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus.

À semelhança do que fazia na sua diocese, no ano passado foi celebrar essa missa a uma prisão, chegando mesmo a lavar os pés a raparigas e, até, a uma muçulmana. Este ano, embora numa igreja, realizou essa cerimónia rodeado por pessoas portadoras de deficiência. Foram escolhidas doze de entre elas, que professam diferentes credos, de diversas etnias e de idades variadas, a quem o Papa lavou os pés.

São gestos simbólicos, que ajudam a despertar consciências, mas que nenhum efeito terão se não levarem os cristãos a empenharem-se na denúncia e no combate àquelas que são as causas da pobreza e marginalização. Essas “não são fruto do acaso nem uma inevitabilidade”, denunciou um manifesto divulgado recentemente, mas “decorrem do modo como a sociedade e a economia estão organizadas”. Esse texto é o resultado de uma reflexão promovida pela Rede Europeia Anti Pobreza, com a participação de várias personalidades e instituições nacionais ligadas a esta problemática. Para os seus signatários, a pobreza configura uma violação dos Direitos Humanos e é urgente a adoção de medidas políticas e económicas de acordo com uma “Estratégia de Erradicação da Pobreza e a Exclusão Social”.

Estas e outras iniciativas são uma oportunidade para os cristãos porem em prática o que, simbolicamente, o Papa faz no Lava-pés e noutros gestos.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 18/04/2014)

domingo, 13 de abril de 2014

Bispos “vermelhos”

D. António Ferreira Gomes
Foto da Fundação Spes
Um bispo que no seu discurso inclua a defesa dos mais pobres e oprimidos, rapidamente é catalogado como de esquerda, comunista ou “vermelho”. Aconteceu assim entre nós, antes e depois do 25 de Abril. E já há quem considere assim o atual Bispo de Roma.

No próximo domingo completam-se 25 anos sobre a morte de D. António Ferreira Gomes, um exemplo emblemático da defesa da verdade e da oposição à ditadura no interior da Igreja Portuguesa. Foi também ele um dos primeiros a denunciar os erros e exageros pós-revolucionários.

Um outro bispo que viria a receber os mesmos epítetos foi D. Manuel Martins, uma voz incómoda ao denunciar situações de exploração e miséria humana como as que encontrou em 1975, o ano em que tomou posse da recém-criada diocese de Setúbal, de que foi o seu primeiro bispo.

Há dias, numa curiosa entrevista a cinco jovens belgas, o Papa referiu que devido ao seu discurso em defesa dos pobres e à preferência que lhes dedica, alguém o classificou como comunista. “Não. Essa é uma bandeira do Evangelho, não do comunismo: do Evangelho! Mas a pobreza sem ideologia, a pobreza... E por isso creio que os pobres estão no centro do anúncio de Jesus. Basta ler o Evangelho”, reagiu.

Por isso, não é de estranhar. Nem ninguém se deve escandalizar quando os bispos, de uma forma mais ou menos contundente, anunciam os valores do Evangelho e denunciam as injustiças. Espera-se que eles sejam a voz dos que não têm voz e os catalisadores do empenhamento de todos na luta contra a pobreza. D. António Francisco dos Santos aproveitou a tomada de posse da diocese do Porto para lançar o desafio: “Sejamos ousados, criativos e decididos sempre, mas sobretudo quando e onde estiverem em causa os frágeis, os pobres e os que sofrem. Esses devem ser os primeiros, porque os pobres não podem esperar!”.

De estranhar é quando eles são esquecidos nas palavras e nas atitudes dos líderes religiosos. Motivos de escândalo são todos os cristãos que suspendem os valores em que acreditam e que compactuam com situações de exploração e de opressão. Preocupante é quando nos tornamos insensíveis ao sofrimento humano e embarcamos na “globalização da indiferença” que o Papa denunciou na ilha de Lampedusa.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 11/04/2014)

domingo, 6 de abril de 2014

As igrejas pós-concílio

Igreja de N. Sra. dos Navegantes
Foto retirada do sítio da Paróquia do Parque das Nações 
Os cristãos não têm templos, locais aos quais Deus esteja confinado: Ele está em toda a parte. Nos inícios do cristianismo os fiéis reuniam-se ao Domingo, o dia em que Jesus ressuscitou. Habitualmente à noite, porque era um dia de trabalho normal, e à volta da mesa, porque de uma refeição se tratava e na qual se recordava a Última Ceia de Jesus com os Apóstolos.

Estes espaços privados começaram a ser designados como “Domus Ecclesiae” expressão latina que significa casa da assembleia. Da palavra “Ecclesia” derivará a nossa palavra igreja, que passou a designar a casa onde se reúnem os cristãos. O continente acabou por receber o nome do conteúdo.

Ao longo dos séculos, numa lenta evolução, a mesa da refeição acabou encostada à parede, com todos os fiéis – mesmo o sacerdote que celebrava de costas para o povo – voltados para o altar-mor, onde pontificava o sacrário, o local onde se guarda o Corpo de Cristo, o Santíssimo Sacramento. Havia, assim, um ponto de referência, em função do qual se organizava todo o espaço, e orientava a conceção arquitetónica que se foi consolidando ao longo dos tempos.

O Concílio Vaticano II veio complicar tudo, ao pretender recuperar o ambiente de refeição para a celebração. A liturgia passou a organizar-se, não em função do Santíssimo, mas em função da mesa da refeição, o altar, que voltou a ser desencostado da parede.

Nestes 50 anos de pós-concílio, não tem sido fácil adaptar igrejas construídos em conformidade com outro ideário celebrativo, às novas exigências litúrgicas. E mesmo as construídas de raiz têm, muitas vezes, dificuldade em traduzir as ideias pós-conciliares.

Contudo, há bons exemplos espalhados pelo mundo e no nosso país foi inaugurada, esta semana, mais uma igreja que traduz bem a renovação litúrgica introduzida pelo Concílio Vaticano II. Trata-se da Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes, inaugurada no Parque das Nações, em Lisboa. É um edifício “de uma beleza não espalhafatosa mas essencial”, como a classificou D. Manuel Clemente, segundo o semanário “A Voz da Verdade”, em que facilmente se pode ler o Concílio e – em sintonia com o ambiente marítimo que o envolve – o complexo urbanístico resultante da Expo 98.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 04/04/2014)