quarta-feira, 24 de abril de 2024

Jesus, homem livre, e o 25 de Abril


Neste dia, há 50 anos, muitos sonhavam com o final da guerra colonial, a queda da ditadura e a construção de um Portugal melhor. Alguns arregaçaram as mangas e acreditaram que na madrugada seguinte seria possível derrubar um regime que já vigorava há demasiado tempo, 48 anos, e instaurar a liberdade.

Foi um regime que procurou amordaçar o povo com a conivência da hierarquia portuguesa da Igreja Católica. Não de toda: alguns, como D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto, nunca o abençoaram e sempre o criticaram. Foram também muitos os católicos que sempre se opuseram à ditadura, por fidelidade a Jesus Cristo, aquele que foi verdadeiramente livre em relação a qualquer instituição, fosse ela religiosa ou política. Ele veio para libertar da discriminação, da doença, do pecado e, até, da morte.

Meio século depois, há quem neste país volte a aspirar por um líder forte, que não estivesse dependente de eleições ou do parlamento. Dizem as sondagens que são um terço dos portugueses. Acham mesmo que Portugal seria melhor com um novo Salazar!... Não há qualquer sondagem do género que o comprove, mas é natural que cerca de um terço dos católicos pense o mesmo e acredite que esse regime seria benéfico para a sua igreja.

Um regime autoritário em Portugal recolheria, como acontece noutros países, um maior apoio, também económico, de outras confissões religiosas. Desenganem-se por isso os católicos reacionários: hoje um novo Salazar não procurará a bênção da Igreja Católica, mas de outras religiões ou igrejas com maior poder económico e maiores propensões totalitárias do que a católica.

Seja qual for o regime autoritário que se queira implantar em Portugal, ele deverá contar com a oposição dos verdadeiros seguidores de Jesus Cristo. E estes não deverão ter pudor em proclamar: 25 de Abril, sempre!

quarta-feira, 17 de abril de 2024

Rezar também pelas vocações cívicas

Há 60 anos Paulo VI convidou os fiéis a rezarem pelas vocações religiosas e ao sacerdócio, no domingo em que a liturgia apresenta Jesus como o Bom Pastor. É o quarto Domingo Pascal, a que se deu o nome de “Dia Mundial de Oração pelas Vocações”. Este ano celebra-se no próximo domingo e a Igreja vive uma semana dedicada ao tema. Os papas passaram a escrever uma mensagem para assinalar este dia.

Ao longo destes 60 anos, a oração pelas vocações foi ampliando o seu âmbito. João Paulo II incluiu o chamamento “à vida familiar”. Francisco, na mensagem de 2019, passou a considerar as “vocações ligadas ao mundo do trabalho e das profissões” que se comprometem “no campo da caridade e da solidariedade, nas responsabilidades sociais e políticas”.

Na mensagem deste ano, o Papa conjuga a felicidade com a realização pessoal que só se alcança quando se descobre a própria vocação. “A nossa vida realiza-se e torna-se plena quando descobrimos quem somos, as qualidades que temos e o campo onde é possível pô-las a render”, escreve o Papa. Depois recorda todos aqueles “que abraçaram uma vocação que envolve toda a sua vida”.

O Papa coloca – logo a seguir aos chamados à vida conjugal e antes das pessoas consagradas – “todos os homens e mulheres de boa vontade que se dedicam ao bem comum”. Refere-se aos que, pelo trabalho, pela dedicação à política ou à solidariedade “procuram construir um mundo melhor”. Todos são “chamados a semear a esperança e a construir a paz” – o título da mensagem.

A Igreja precisa muito de sacerdotes e de religiosos. Porém, o mundo precisa ainda mais de profissionais que assumam o seu trabalho por vocação. Políticos e atores sociais que ponham a render os seus talentos ao serviço do outro. Rezemos pelas vocações consagradas, mas também pelos que são chamados a dedicarem-se ao bem comum.

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Não basta manifestarem-se pela vida


Há cinco anos que a então Congregação para a Doutrina da Fé, agora Dicastério, decidiu redigir um texto sobre o caráter central e inviolável da dignidade humana. Anteontem, foi divulgada a redação final do documento “Dignitas infinita”.

Como habitualmente nos documentos da Igreja Católica, faz-se um percurso, ainda que breve, do caminho trilhado, desde as perspetivas bíblicas, passando pelo desenvolvimento do pensamento cristão sobre a dignidade humana, para definir como a Igreja hoje a propõe e defende. O documento cita o Papa Francisco e recorda que “a dignidade de cada ser humano tem um caráter intrínseco e vale desde o momento da sua conceção até a sua morte natural”.

É esta perspetiva da dignidade humana e esta conceção da vida que leva a Igreja a empenhar-se na defesa da vida e na condenação do aborto e da eutanásia. Como refere o documento, “não existem condições, na ausência das quais a vida humana deixe de ser digna e possa, por isso, ser suprimida”.

Não é de estranhar, portanto, que os católicos promovam “Caminhadas pela Vida”, como as que aconteceram, no passado sábado, em doze cidades portuguesas. Nem que os bispos apelem à participação dos fiéis nessas iniciativas.

Essas não são, porém, as únicas violações graves referidas pela “Dignitas infinita”. O documento revela que, no final de 2023, o Papa solicitou que fossem colocados em evidência afrontas à dignidade como “o drama da pobreza, a situação dos migrantes, as violências contra as mulheres, o tráfico de pessoas, a guerra e outras”. Foram incluídas.

Em sintonia com o Papa, os bispos devem também movimentar os seus diocesanos para combater estes ataques à dignidade humana. Discursos xenófobos e racistas, ou as manifestações contra imigrantes, são razões igualmente graves para mobilizar os fiéis na sua condenação.

quarta-feira, 3 de abril de 2024

Verónica e os insultos nas redes sociais

Pela primeira vez o Papa Francisco escreveu as meditações da Via-Sacra, que se reza habitualmente na Sexta-feira Santa no Coliseu de Roma. Foi também a primeira vez que o Papa não esteve presente, nestes 11 anos de Pontificado, por motivos de saúde.

Não foram estas, contudo, as únicas originalidades deste tradicional exercício da piedade católica. Na Via-Sacra acompanham-se os passos de Jesus desde a condenação perante Pôncio Pilatos até à sua sepultura, em 14 Estações ou Passos, que se foram fixando ao longo dos séculos.

Francisco seguiu esse elenco tradicional, embora introduzindo pequenas nuances, tanto na designação como nas ocorrências que são propostos à meditação dos fiéis. No texto do Papa há um pormenor surpreendente que poderá ter passado despercebido a muitos dos que assistiram à Via-Sacra na sexta-feira, quer presencialmente, quer através dos meios de comunicação social.

A propósito do quadro de Verónica, a mulher que limpa o rosto ensanguentado de Jesus, o Papa sublinhou o contraste entre uma mulher que age e a multidão que insulta Jesus. “O mesmo acontece hoje, Senhor, e nem sequer é preciso um cortejo macabro: basta um teclado para insultar e publicar sentenças”, escreve o Papa.

Infelizmente, são demasiados os exemplos de católicos que insultam outros católicos na Internet só porque têm opiniões e posições diferentes das suas. São muitos os que não compreendem que, como tem ensinado o Papa Francisco, a Igreja não é uma “unidade monolítica” mas antes um “maravilhoso poliedro”.

Mudam-se os tempos, mudam-se os contextos – mas permanecem os mesmos comportamentos desumanos e execráveis. Até muitos dos que se emocionam ao rezar a Via-Sacra, e se escandalizam com os insultos da multidão a Jesus, não se apercebem que adotam eles próprios comportamentos similares nas redes sociais.

quarta-feira, 27 de março de 2024

Desafio aos novos ministros

Amanhã vai ser apresentado ao Presidente da República o novo Governo, o qual será empossado em circunstâncias políticas e sociais muito particulares. Exige-se aos novos governantes capacidade de diálogo, e de gerar sinergias, para a promoção do bem comum.

Em algumas funções sociais do Estado, têm sido as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS’s), entre as quais se incluem muitas da Igreja Católica, a garantirem várias das respostas sociais que competem ao Estado. São os casos do apoio à infância e juventude, aos idosos e aos mais desfavorecidos.

Os novos governantes não deverão olhar para as IPSS’s como concorrentes do Estado, mas como suas coadjuvantes. Devem, nomeadamente os ministros da Segurança Social e da Saúde, aproveitar as suas virtualidades, promover boas práticas, estar atentos às suas carências e acorrer às suas necessidades. Só assim estas poderão continuar a prestar um bom serviço às populações, sobretudo àquelas que o Estado tem mais dificuldade em apoiar – e com as quais teria de gastar muito mais se não fossem as IPSS’s...

Há outras áreas e contextos que também exigem atenção dos novos ministros, nomeadamente os da Educação e da Justiça, áreas em que as IPSS’s poderiam desenvolver novas respostas sociais e fazer o que o Estado não consegue. Por exemplo, a criação de estruturas de acompanhamento de alunos com baixo rendimento provenientes de contextos sociais e familiares complexos, como acontece em escolas dos subúrbios do Porto e, sobretudo, de Lisboa, ou nas zonas do interior.

A Igreja também já demonstrou competência para a criação de novas respostas sociais para a prevenção da criminalidade, a reinserção social dos reclusos e o acompanhamento dos libertos para que não voltem a reincidir.

A resolução de problemas complexos requer a colaboração de todos!

quarta-feira, 20 de março de 2024

Não vale tudo para atacar o Papa

Apesar de muitos Papas terem sido santos, todos são criticáveis. Todos são humanos e erram. O Novo Testamento regista aliás aquela que será a primeira crítica a um Papa, S. Pedro, protagonizada por S. Paulo. O autor da Carta aos Gálatas refere que Pedro estava a “comportar-se de modo condenável” (Gál 2, 11).

Paulo discordou de Pedro quando este quis impor aos gentios costumes judaicos, como a circuncisão. Denunciou a sua incoerência por comportar-se de uma forma quando estava com eles e de outra quando estavam judeus presentes. Disse-o primeiro diretamente a Pedro e só depois o escreveu.

É assim que se deve proceder em Igreja. Mesmo sujeitando-se a represálias. Deve-se ter a frontalidade e a coragem de expressar uma opinião divergente a qualquer superior hierárquico. Nunca se deve recorrer à denúncia anónima por temer que a crítica não seja bem acolhida e que as “consequências possam ser desagradáveis” para o próprio. Foi assim, porém, que um anónimo se justificou num texto em que criticou opções do Papa Francisco sem dar a cara.

O Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada, na sua crónica no Observador, considerou esse texto “uma exaustiva radiografia do presente pontificado”, meritória “porque tanto refere aspetos positivos como negativos”. É uma conclusão curiosa, uma vez que o escrito anónimo discorre longamente sobre as críticas a Francisco, ao passo que se limita a elencar certos pontos positivos do seu pontificado

O Pe. Gonçalo reconhece que é um “sinal de cobardia” recorrer ao anonimato, mas desculpa-a por “neste caso ser, apenas, elementar prudência”. Pois, não é prudente, porque não é sério nem digno. E também não é evangélico, porque contraria os conselhos de correção fraterna dados por Jesus (Mt 18, 15-18).

A abjeção da mão escondida e a dignidade da cara descoberta não têm o mesmo valor.

quarta-feira, 13 de março de 2024

O populismo aí está com os seus pecados


Os bispos europeus estão a acordar para os perigos dos populismos da extrema-direita, ainda que estes por vezes se apresentem como paladinos de lutas como a proteção da vida ou a defesa da cultura e fé cristã.

Em 2019, a Conferência Episcopal Alemã (CEA) denunciou o “vírus do populismo” e a ameaça que ele representava. “Rejeitamos firmemente qualquer tentativa de instrumentalizar o cristianismo para fins populistas. Estamos convencidos de que a nossa fé e a nossa tradição católica, como Igreja universal, contrastam com as características peculiares do populismo. Pensemos, por exemplo, na igualdade absoluta de todos os seres humanos como criaturas de Deus”.

No ano passado o presidente da CEA, D. Georg Bätzing, numa entrevista ao jornal alemão “Bild”, afirmou que “a Igreja deve distanciar-se de todas as posições desumanas e antidemocráticas”.

D. Mariano Crociata, presidente da Comissão dos Episcopados Católicos da União Europeia (COMECE), expressava em dezembro numa entrevista à agência católica ACI a preocupação dos bispos europeus com certas dinâmicas culturais europeias, como o crescimento dos populismos. “Trata-se de fenómenos que sinalizam uma debilidade e que tornam as estruturas e a vida das democracias cada vez mais frágeis”.

Pensava-se que Portugal era imune ao populismo. Mas ele aí está, propondo falsas respostas simplistas para problemas complexos. A promover visões redutoras da sociedade, a preto e branco, colocando uns, os bons, contra os outros, os maus.

Apesar do populismo português ser atípico – pois promete dar tudo a todos para se implantar... – os cidadãos devem estar atentos às suas contradições e incoerências. Os bispos portugueses deverão estar particularmente vigilantes a toda a instrumentalização da fé – e deverão denunciar as incongruências com os valores cristãos.

quarta-feira, 6 de março de 2024

Proteger crianças melhora o futuro

O Papa e as crianças (foto Vatican Media, retirada daqui)
O Papa Francisco convocou as crianças de todo o mundo, cristãs e não cristãs, para aquela que será a Primeira Jornada Mundial das Crianças, em Roma nos dias 25 e 26 de maio. Este sábado, foi apresentado em Roma esse evento e o hino em que as crianças cantam: “Nós somos a alegria e a esperança. Somos nós a novidade do mundo”.

Nesse mesmo dia o Papa publicou uma mensagem dirigida às crianças, na qual sublinha que elas são, não só a alegria dos pais e das famílias, mas também “da humanidade e da Igreja”. Desafia-as a “sonhar uma nova humanidade e a trabalhar por uma sociedade mais fraterna e atenta à nossa casa comum”.

Apesar do tom de alegria e esperança que transparece na mensagem, o Papa pede que não sejam esquecidas “as crianças a quem, ainda hoje, é cruelmente roubada a infância”. Lembrou aquelas que lutam contra doenças, as que são forçadas a combater ou a fugir à guerra como refugiadas, as que não podem ir à escola e as que são vítimas “de grupos criminosos, das drogas ou doutras formas de escravidão, de abusos”.

O Papa não diz explicitamente, mas sabe bem que no interior da Igreja se cometeram e cometem abusos. Tal sucede num espaço que deveria ser de proteção e de promoção de uma infância feliz e harmónica, no qual as crianças pudessem dilatar todas as suas potencialidades e desenvolver, também, a sua fé.

É repugnante que esses abusos tenham acontecido numa instituição que, ao mesmo tempo, tanto tem contribuído para dar uma nova oportunidade a tantas crianças a quem foi “roubada a infância”.

Ao promover a Jornada Mundial das Crianças, o Papa quer que uma onda de esperança se inicie em Roma e contagie todo o mundo. Deseja que a Igreja se comprometa, cada vez mais, com a proteção e a promoção das crianças. Que a Igreja seja para elas um espaço para “sonhar uma nova humanidade”.

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Decidir o voto com Santo Inácio

Iniciou-se a campanha eleitoral. Os candidatos procuram consolidar a sua base eleitoral de apoio e convencerem os indecisos a elegê-los no próximo dia 10 de março.

Não é correto, padres ou bispos dizerem aos católicos o partido em que deverão votar. Felizmente, são cada vez menos aqueles que se atrevem a fazê-lo. É mais habitual condenarem a abstenção e apelarem ao dever de votarem.

Correto é dar critérios para discernir esse direito e dever de votar. Santo Inácio, o fundador dos jesuítas, apurou a arte do discernimento, há 500 anos. “Será possível – inspirando-nos na tradição espiritual inaciana – enunciar alguns princípios e critérios que ajudem a formar uma opinião e consequente escolha, ao aproximar-se um ato eleitoral?”. A questão é levantada pelo padre jesuíta Miguel Gonçalves Ferreira, num artigo publicado no sítio Ponto SJ: “Regras para ordenar-se no votar”.

Apoiando-se nos “Exercícios Espirituais” redigidos por Santo Inácio, o Pe. Miguel propõe uma série de ideias que poderão ajudar os eleitores a discernirem melhor a orientação do seu voto. Pois “o momento da escolha deve ser ponderado e sereno, e não agitado ou precipitado”.

O padre jesuíta sugere que cada um considere a sua situação pessoal e a situação do país. Depois deve concentrar-se nas ideias e propostas dos programas eleitorais e nos candidatos que as defendem. Finalmente, deverá avaliar se a sua decisão tem em conta o bem comum ou apenas os interesses pessoais. Deverá, também, ter em consideração os eventuais “dilemas de consciência” que a sua escolha implica, pois poderá ter de “optar pelo menos mau”.

Quem ainda está indeciso, ou quem decidiu precipitadamente, deveria ler o artigo do Pe. Miguel Gonçalves Ferreira. Ele não indica em quem se deve votar, mas orienta bem o discernimento a fazer para tomar tal decisão.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Um clero mais maduro e preparado

Os seminários estão em transformação
Foto retirada daqui
O Concílio Vaticano II propôs uma renovação e atualização da Igreja Católica. Já passaram quase sessenta anos após o seu encerramento (8/12/1965). Por isso, quando alguns falam da necessidade de um Concílio Vaticano III, deve recordar-se que ainda não foram implementadas muitas das reformas preconizadas pelo Vaticano II.

No decreto sobre a formação sacerdotal, aprovado a 28/10/1965, os padres conciliares preconizaram uma maior atenção à maturidade humana. “Por meio duma formação bem ordenada, cultive-se também nos alunos a devida maturidade humana”, diz o referido decreto no nº11. Previa-se, então, a possibilidade de os bispos, para garantir uma maior maturidade e formação espiritual dos candidatos à ordenação, poderem ponderar a necessidade “duma interrupção dos estudos ou dum apto estágio pastoral” (nº12).

O Papa Francisco referiu num encontro com seminaristas de Nápoles, sexta-feira, que, “na formação sacerdotal, está em marcha um processo que inclui novas questões e novas aquisições: os itinerários formativos estão a passar por muitas transformações”. Isto acontece para corresponder aos “desafios que se colocam ao ministério sacerdotal e que exigem compromisso, paixão e criatividade saudável por parte de todos”.

O Papa saudou as “novas experiências pastorais e missionárias” e revelou que “estão a ser previstas interrupções no itinerário [formativo dos seminários] para promover o amadurecimento individual”. Francisco apelou a que estas “novidades” sejam acolhidas e examinadas.

Em Portugal, devido à falta de clero, verifica-se uma maior preocupação em acelerar o processo formativo do que em apostar em percursos mais longos e exigentes. Porém, se quisermos um clero com maior maturidade e uma formação mais adequada aos desafios de hoje, convém seguir as experiências que o Papa elogiou.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

Igreja hipócrita com os homossexuais

O Papa Francisco chamou a atenção para a hipocrisia farisaica que se vive no interior da Igreja Católica. Estranhou que tenham surgido tantas críticas ao documento “Fiducia supplicans”, do Dicastério da Doutrina da Fé, que veio esclarecer que se podem dar bênçãos a casais “irregulares”, inclusive homossexuais. Na verdade, como esclareceu posteriormente, que o que se abençoa são as pessoas, não a situação em que vivem.

A hipocrisia que o Papa veio agora criticar, numa entrevista à revista católica “Credere” publicada quinta-feira, é o facto de “ninguém se escandalizar” se ele abençoar “um empresário que talvez explore pessoas”, o que, na opinião do Papa, é “um pecado muito grave”. Contudo, alguns setores da Igreja escandalizam-se se ele abençoar um homossexual, por considerarem que ele vive em pecado. Para o Papa, “isto é hipocrisia”. E disse mais: “Eu não abençoo um 'casamento homossexual', abençoo duas pessoas que se amam e também lhes peço que rezem por mim”.

Quem se der ao trabalho de ler este documento e a explicação posteriormente publicada, verifica que nada foi alterado na doutrina católica em relação ao matrimónio ou às bênçãos. Veio apenas responder às questões sobre se, em determinadas circunstâncias, podiam ser negadas as bênçãos a determinadas pessoas. É evidente que não. O “coração” do documento “Fiducia supplicans”, segundo Francisco, “é o acolhimento”.

Ninguém, por enquanto, pergunta à entrada das igrejas se os fiéis estão em estado de graça ou em pecado, numa situação regular ou irregular, se são hétero ou homossexuais. No final da eucaristia o celebrante abençoa todos os presentes, sem ninguém nunca se ter escandalizado com isso. Não se percebe, pois, porque gerou tanta polémica o Dicastério da Doutrina da Fé ter reconhecido o óbvio. “Fariseus hipócritas”, diria Jesus.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Linguagem nova para pregar Jesus

O Papa Francisco encontrou-se pela quinta vez com o realizador Martin Scorsese. Foi um encontro entre “dois grandes homens de génio e experiência”, escreveu o padre jesuíta António Spadaro numa publicação da rede social X. Para ambos “a figura de Jesus tem um fascínio e um valor extraordinário”. Por isso, procuram dialogar sobre ele e encontrarem-se quando podem.

Martin Scorsese estreou em 1988 o filme “A última tentação de Cristo”. Está agora a trabalhar numa nova película sobre Jesus, a qual decidiu fazer, segundo Spadaro, ao ler o prefácio do Papa ao seu livro “Uma Trama Divina: Jesus em Contracampo”.

Esta publicação reúne os comentários de Spadaro aos Evangelhos dominicais, publicados no jornal italiano “Il Fatto Quotidiano”. Ele impôs-se a si próprio o desafio de escrever sobre os Evangelhos “sem cair nas típicas prosas homiléticas que dão por adquiridas tantas coisas – a própria fé – e estão acostumadas a fórmulas óbvias”, refere numa Nota do Autor no final do livro.

No prefácio a essa obra, o Papa afirma que “abrir os Evangelhos é como olhar por uma câmara de filmar que nos mostra Jesus em ação”. O livro de Spadaro é uma particular apropriação da figura de Jesus: “Parece mesmo o olhar do cinema”, escreve Francisco.

Termina o prefácio com um apelo: “Neste tempo de crise da ordem mundial, de guerra e de grandes polarizações, de paradigmas rígidos, de graves desafios a nível climático e económico, precisamos da genialidade de uma linguagem nova, de histórias e imagens poderosas, de escritores, poetas, artistas capazes de gritar ao mundo a mensagem evangélica, de nos fazer ver Jesus”.

Scorsese está a procurar corresponder ao apelo do Papa. Nós, padres, que pregamos o Evangelho todos os domingos, devíamos esforçar-nos por o fazer com essa “linguagem nova” que o Papa pede aos artistas.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Resistir às “sereias do populismo”

A democracia e a liberdade são como a saúde, só se valorizam quando se perdem. Cerca de cem anos após a instauração das ditaduras na Europa, voltam a ouvirem-se vozes a contestar os sistemas democráticos e a crescerem os adeptos de sistemas autocráticos, alimentados pelas notícias falsas e os populismos.

É certo que, como há cem anos, essas correntes alimentam-se de líderes políticos que comunicam mal as suas tentativas de resolver os problemas das populações. Que não parecem entregar-se à causa pública com dedicação e altruísmo. Que são acusados de defender interesses próprios ou do partido em vez do bem comum.

Então as populações deixam-se seduzir pelo canto das sereias que lhes dizem o que querem ouvir. O Papa Francisco tem denunciado essas “sereias do populismo” e apelado a que surjam políticos com mais sensibilidade para desenvolverem políticas que as pessoas sintam como melhores.

“Para se tornar possível o desenvolvimento duma comunidade mundial capaz de realizar a fraternidade a partir de povos e nações que vivam a amizade social, é necessária a política melhor, a política colocada ao serviço do verdadeiro bem comum”, escreve o Papa da sua última encíclica “Fratelli tutti”.

Os líderes populares, para o Papa, são aqueles que guiam o povo num “projeto duradouro de transformação e crescimento” da sociedade no seu todo. Degenera em populismo quando instrumentalizam o povo em função dos interesses próprios.

Em relação às propostas políticas que semeiam “o ódio e o medo” o Papa diz que “é necessário estar alerta, reagir a tempo e corrigir imediatamente o rumo”. Compreende-se porque é que os populistas, que cavalgam o medo e o ódio nas suas propostas eleitorais, não gostam do Papa. Neste ano, com tantas eleições em Portugal, não nos deixemos encantar pelas “sereias do populismo”.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Francisco elogia o bom jornalismo

O Papa Francisco agradeceu aos jornalistas o “trabalho que realizam informando leitores, ouvintes e espectadores sobre a atividade da Santa Sé”. Fê-lo, esta segunda-feira, num encontro com os membros da Associação Internacional de Jornalistas Credenciados junto do Vaticano.

“Ser jornalista é uma vocação”, disse o Papa. Aqueles que se dedicam a informar são chamados a “conhecer e contar” e a “cultivar um amor incondicional pela verdade”. Em relação ao tratamento que é dado à atualidade religiosa, o Papa expressou a sua gratidão pela “delicadeza” e o “respeito” com que tantas vezes tratam os escândalos que envolvem a Igreja.

O Papa agradeceu aos jornalistas o esforço de desenvolverem um “olhar que sabe ver além das aparências”: não se deixarem arrastar pela “superficialidade dos estereótipos”, nem contagiar pelas “fórmulas pré-confecionadas da informação-espetáculo”. Perante 150 jornalistas, o Papa reconheceu que um trabalho jornalístico sério e aprofundado faz tanto bem ao “Povo de Deus” como à própria Igreja, a qual “tem um longo caminho a percorrer para comunicar melhor”.

Desafiou os profissionais da informação a resistirem à tentação “da comunicação de massas a manipular a imagem da Igreja”, citando o vaticanista (especialista em assuntos da Santa Sé) Luigi Accattoli, que há poucos dias completou oitenta anos e acompanhou os Papas em muitas viagens.

Não é com discursos envinagrados contra os jornalistas que se consegue uma melhor informação religiosa. Pelo contrário, é necessário cuidar a forma como se comunica, clarificando os conteúdos. Deve reconhecer-se e elogiar o que é bem feito, mesmo que contenha críticas. O acesso à informação deve ser facilitado, mostrando disponibilidade para colaborar no aprofundamento dos assuntos religiosos. Com dois sentidos, a comunicação flui melhor.

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Roma é uma “terra de missão”

Papa Francisco reuniu com o clero de Roma
Foto retirada daqui
O coração da cristandade, a cidade de Roma, é hoje uma “terra de missão”. Esta é a constatação que o Papa Francisco assumiu perante o clero romano na manhã do último sábado. Pouco se sabe desse encontro, pois foi fechado à comunicação social, apenas o que noticiou a diocese de Roma no seu sítio oficial. Este refere o encontro do Papa com mais de oitocentos sacerdotes (diocesanos e religiosos) e diáconos permanentes ao serviço da diocese de Roma. Francisco “lançou um apelo à evangelização a toda a comunidade eclesial”.

Há quase 11 anos o Papa apresentou-se ao mundo como bispo de Roma. As suas preocupações com a Igreja universal, no entanto, deixam-lhe pouco tempo para a diocese para que foi eleito. Por isso tem um vigário-geral que o substitui na gestão corrente da diocese, o qual, neste momento, é o cardeal vigário Angelo De Donatis.

Porém, tanto quanto lhe permitem as responsabilidades inerentes à função de Papa, Francisco procura garantir algumas das suas responsabilidades como bispo de Roma. Nos últimos meses tem reunido com o clero e escutado as suas preocupações e anseios. Todos os encontros têm decorrido à porta fechada e longe dos média. Neste último encontro com o clero comprometeu-se a retomar as visitas às paróquias de Roma, que a pandemia interrompeu.

Já lá vão os tempos em que a Europa enviava missionários para todo o mundo. Hoje o catolicismo encolhe na Europa e desenvolve-se nos outros continentes. De acordo com as últimas estatísticas da Santa Sé, relativas a 2021, o número de católicos só diminuiu na Europa (-244.000). O aumento mais acentuado verificou-se na África (+8.312.000) e na América (+6.629.000), a que se segue a Ásia (+1.488.000) e a Oceânia (+55.000).

A Europa está a tornar-se numa verdadeira “terra de missão”. Por isso, precisa de ser novamente evangelizada.
 

quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

Líderes que derrubam muros

O encontro de Paulo VI com o
Patriarca Ecumênico Atenágoras
Foto AP retirada daqui
Há 60 anos aconteceu, para muitos historiadores, um dos eventos religiosos mais importantes do século XX: a viagem de Paulo VI à Terra Santa, de 4 a 6 de janeiro de 1964. Na oração do Angelus no último sábado, o Papa Francisco recordou essa viagem e destacou o encontro de Paulo VI com o Patriarca Ecumênico Atenágoras – líder da Igreja Ortodoxa – “quebrando um muro de incomunicabilidade que manteve católicos e ortodoxos separados por séculos”.

Foi a primeira viagem internacional de Paulo VI e a primeira vez que um Papa viajou de avião. Deu início a uma das atividades mais relevantes de um Pontífice: as viagens. Paulo VI também ficou para a história como o primeiro Papa a visitar os cinco continentes.

Essa sua primeira viagem teve ainda o condão de reforçar na Igreja Católica o diálogo ecuménico e a promoção da unidade dos cristãos. O Concílio Vaticano II, que decorria quando Paulo VI visitou a Terra Santa, encarregou de refletir e de o definir como um dos dinamismos a indicar aos católicos.

Esta foi uma das quatro prioridades de Paulo VI para o Concílio. As outras eram uma melhor compreensão da Igreja Católica, a sua renovação e o diálogo com o mundo contemporâneo.

Estes dinamismos que Paulo VI procurou implementar no catolicismo são aqueles que o Papa Francisco agora procura recuperar com a insistência numa “Igreja em saída”.

Vivem-se tempos em que se promove o medo em relação aos que são de outra cultura, raça, igreja ou religião. Que são classificados como os “maus”, para arregimentar os “bons”, seja para ganhar eleições ou para estimular o terrorismo ou a guerra. Hoje, como nunca, são precisos líderes como Paulo VI, mais preocupados em lançar pontes do que em erguer muros. Capazes de promover o diálogo e a reconciliação entre aqueles que se habituaram a odiarem-se, porque a isso foram levados.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

A fisionomia feminina da Igreja


A Igreja celebra Maria, no primeiro dia do ano, como a Mãe de Deus. Esta invocação de Maria está implícita nos Evangelhos, por exemplo quando Maria visita a sua prima Isabel e esta exclama: “Donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor?” (Lc. 1, 43). Contudo, foram precisos quatro séculos para ser explicitada e definida dogmaticamente como tal pelo Concílio de Éfeso, em 431.

Desde os inícios do século VI, que a Igreja celebra a 1 de janeiro a solenidade de Santa Maria, Mãe da Igreja. A partir de 1968, Paulo VI declarou-o também o Dia Mundial da Paz.

Este ano, na homilia da celebração de 1 de janeiro, o Papa Francisco recordou a definição dogmática de Éfeso e assumiu que a Igreja precisa de “descobrir o seu próprio rosto feminino” e de “abrir espaço às mulheres e ser geradora através duma pastoral feita de cuidado e solicitude, paciência e coragem materna”.

Desde que está ao leme da barca de Pedro, este Papa tem feito muito para promover a mulher na Igreja. Com ele, elas têm vindo a desempenhar cargos que nunca tinham sido confiados às mulheres. Pela primeira vez tiveram voz num Sínodo dos Bispos – e direito a votar.

É certo que ainda há muito caminho a fazer para que seja reconhecida a dignidade da mulher na Igreja e estas possam assumir encargos que continuam reservados aos homens. O caminho faz-se caminhando. É a convicção de Francisco. Maria é a sua inspiração e guia.

Entretanto, o Papa empenha-se em que a Igreja redescubra a sua fisionomia mariana. Maria não é só a Mãe de Deus: é também a Mãe da Igreja, como a definiu Paulo VI em 1964.

Da mesma forma que se identificam nos filhos parecenças com as mães, também na Igreja se devem identificar traços marianos, tais como o acolhimento da Palavra de Deus, a disponibilidade para fazer a sua vontade ou a atenção aos que mais precisam.