sexta-feira, 29 de maio de 2015

O santo da alegria

S. Filipe Néri
Foto retirada daqui
São Filipe Néri nasceu em Florença, a 21 de Julho de 1515. As comemorações dos quinhentos anos do seu nascimento iniciaram-se na passada terça-feira – o dia em que a Igreja celebra a sua memória – e encerram-se no próximo ano no mesmo dia 26 de Maio. Viveu em Florença atá aos 18 anos e fez os seus estudos no convento de S. Marcos. Então, foi enviado pelo pai para junto de um tio, para aprender o ofício de comerciante. Depressa descobre que essa não é a sua vocação.

Vai para Roma, onde começa por ser perceptor dos filhos de um nobre, mas, por opção, acaba a viver no meio de jovens a que hoje chamaríamos sem abrigo. Era alvo da sua chacota, mas tudo ultrapassava com bom humor para ganhar a sua confiança e motivá-los a uma mudança de vida e à prática religiosa.

É ordenado sacerdote e dedica-se a guiar espiritualmente pobres e ricos, príncipes e plebeus. Criou os “Oratórios”, comunidades de padres que vivem num ambiente de alegria e simplicidade, dedicados aos mais necessitados e em que se prefere a mortificação espiritual à corporal, sobretudo da vaidade.

S. Filipe Néri ficou conhecido como o “Apóstolo de Roma” e o “Santo da Alegria”. Homem culto e criativo, gostava de introduzir nos seus sermões apontamentos bem-humorados. Algo que não é muito habitual em ambientes católicos. Um bom sermão é, ainda, o que comove os ouvintes e não o que os faz rir. Embora não faltem exemplos de quem se aventure por outros caminhos.

Papa João Paulo I
Foto retirada daqui
“Diz-se que o sentido do humor – depois do breve pontificado de João Paulo I – ainda não regressou ao Vaticano. Não faltam sinais dessa demora. A alegria do papa Luciani era subversiva. Ao gostar de anedotas, de perder tempo com crianças, de gracejar em dialeto com a sua gente, destoava naquele cenário de sagradas solenidades” escrevia frei Bento Domingues, em 1998, numa crónica que pode agora ser lida no livro “O bom humor de Deus”, hoje apresentado em Lisboa.

Papa Francisco
Foto retirada daqui
“A descontração teológica com que falava irritava os guardiões da ortodoxia. A recusa dos símbolos do poder e das suas pompas era inquietante. Acabou por semear o pânico, quando mostrou que iria mexer nos métodos da Cúria romana”. Dizia, então, frei Bento, algo que se aplica hoje ao atual Papa: uma nova lufada de bom humor no seio da Igreja Católica.


(Texto publicado no Correio da Manhã de 29/05/2015)

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Os pobres não votam

Foto Reuters retirada daqui
A erradicação da pobreza deveria ser o primeiro objetivo da atividade política e, por conseguinte, da governação.

Apesar de o número de pobres ter aumentado em Portugal nos últimos anos, os partidos políticos revelam “alguma insensibilidade e até desconhecimento desta realidade que já afeta cerca de três milhões de portugueses”. Foi o que constatou o presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza (EAPN), padre Jardim Moreira, no final de um encontro na Assembleia da República com deputados de todos os partidos. Alguns deles terão mesmo dito que estas matérias serão aprofundadas “só depois das eleições”!

Infelizmente uma grande quantidade dos pobres, como acontece com a maioria dos portugueses, não votam – e os partidos sabem disso. Se todos votassem seria bem diferente a abordagem dos políticos à pobreza. Todos os programas eleitorais se encarregariam de piscar o olho a esses milhões de portugueses com as mais variadíssimas promessas.

Para atacar este flagelo social não bastam, porém, promessas eleitorais: exige-se um “compromisso para a definição de uma estratégia nacional de erradicação da pobreza”. É essa a convicção da EAPN, que há mais de vinte e cinco anos defende a necessidade de atuar ao nível das causas estruturais da pobreza e de envolver os pobres e os excluídos na procura de respostas para a sua situação.

A Rede não embarca numa prática assistencialista da solidariedade, que se limita a distribuir esmolas e gera subsidiodependência. Nem acredita, como professam as correntes em voga do neo-liberalismo, que o crescimento económico, a competitividade e a inovação, promovam a criação de riqueza e a pobreza desapareça. A história demonstra que os lucros têm tendência a concentrarem-se na mão de poucos, acabando a maioria por não beneficiar grandemente da prosperidade económica.

Nos tempos de crise, não são os ricos os mais afetados, são os pobres os que mais sofrem. E muitos dos que antes não o eram acabam por ser lançados para níveis próximos do limiar da pobreza. Nesta última crise, que o país atravessa, resvalaram para essa situação mais duzentos mil portugueses.

É por isso urgente um envolvimento de todos – a começar pelos partidos políticos – na implementação de uma estratégia nacional para a erradicação da pobreza.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 22/05/2015)

sexta-feira, 15 de maio de 2015

O Papa e a arcebispa

Foto retirada daqui
O Papa Francisco recebeu, no início de maio, a arcebispa luterana de Uppsala, na Suécia, Antje Jackelen. Falou-se sobretudo do diálogo entre os cristãos das diferentes igrejas. “Na realidade, eles não devem ser considerados adversários ou concorrentes, mas reconhecidos por aquilo que são: irmãos e irmãs na fé” disse o Papa. Em consonância, saudou a líder da igreja luterana na Suécia como “querida irmã”.

Nesse encontro o Papa fez questão de sublinhar “a questão da dignidade da vida humana, que deve ser sempre respeitada, assim como o são as temáticas relativas à família, ao matrimónio e à sexualidade, que não podem ser silenciadas ou ignoradas por receio de pôr em perigo o consenso ecuménico já alcançado. Seria lastimável se sobre estas questões se consolidassem novas diferenças confessionais”.

Estas palavras tiveram diferentes leituras. Uns destacam os consensos já conseguidos nas chamadas “questões fraturantes” entre as diferentes igrejas cristãs. Viram nas palavras do Papa um desejo de consolidação desse caminho já percorrido, o qual não exige a mudança da práxis católica nessas matérias para salvar o diálogo ecuménico.

Para outros, o Papa, ao acolher uma mulher ordenada, que apoia o casamento de pessoas do mesmo sexo na igreja, está a dar um sinal de abertura à admissão de mulheres ao sacramento da ordem e dos homossexuais ao sacramento do matrimónio, bem como à revisão da abordagem católica da família e da sexualidade. De facto, ele tem defendido a promoção da mulher na Igreja, que não passa necessariamente pela sua ordenação. E também tem apelado ao acolhimento das pessoas homossexuais, sem nunca pôr em causa o modelo heterossexual do matrimónio católico.

O Papa pediu que se refletisse sobre esta e outras questões relativas à família durante este ano, pelo que as conferências episcopais vão procurar recolher as diferentes sensibilidades no seio da Igreja. Depois, em outubro, o Sínodo dos Bispo procurará ler os contributos dos fiéis espalhados pelo mundo e proporá ao Papa as suas conclusões.

A partir dessa conclusões o Papa Francisco redigirá uma Exortação apostólica que clarificará qual o caminho que a igreja católica irá tomar. E saberemos então quais os procedimentos que serão alterados e quais permanecerão.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 15/05/2015)

sexta-feira, 8 de maio de 2015

Os Papas e a cadeia

João XXIII visita a cadeia de“Regina Coeli”
 Foto retirada daqui
Os cristãos não esquecem que o primeiro Papa esteve preso várias vezes em Jerusalém. E que S. Pedro, no final da vida, passou pela cadeia de Roma e foi condenado à morte, acabando por ser sepultado onde agora se ergue a Basílica com o seu nome.

Com a criação do Estado italiano e a perda dos territórios pontifícios, o Papa Pio IX declarou-se prisioneiro no Vaticano do estado italiano. João XXIII poria fim a essa “autorreclusão papal” e, poucos meses após a sua eleição, no dia 25 de Dezembro de 1958, dirigiu-se a um hospital pediátrico fora dos muros vaticanos. A cadeia “Regina Coeli” foi, no dia seguinte, a sua segunda visita. Dessa passagem ficou a frase do Papa Bom: “Sou José [seu nome próprio], um vosso irmão”!

Paulo VI visitará depois a mesma cadeia e dirá “que se pode ser bom no coração, mesmo quando pesa sobre os ombros uma condenação dos tribunais dos homens”. Na linha do seu antecessor, a 18 de Dezembro de 2011, Bento XVI, disse aos presos da prisão romana de Rebibbia: “É preciso pensar que todos podem cair, mas Deus quer que todos se aproximem dele. Reconheçam a própria fragilidade, avancem com dignidade e encontrem a alegria na vida”.

Para a Igreja um recluso nunca é um caso perdido – e a detenção é uma oportunidade para arrepender-se dos seus crimes, converter-se e recomeçar uma vida nova. Os ordenamentos jurídicos que rejeitam a pena de morte ou a prisão perpétua, por se acreditar na possibilidade da recuperação do criminoso, estão em sintonia com a maneira cristã de encarar a reclusão. Já os que se afastam dela sublinham o carácter punitivo da pena de prisão e negligenciam a reinserção social dos detidos.

O Ano da Misericórdia – que se iniciará a 8 de Dezembro e se concluirá no dia 20 de Novembro de 2016 – irá promover várias iniciativas que traduzam a “proximidade e atenção aos pobres, aos que sofrem, aos marginalizados e a todos aqueles que precisam de um sinal de ternura”. Estas foram as palavras do arcebispo Rino Fisichella na apresentação do calendário do Ano Santo, o qual prevê o “Jubileu dos Presos” a 6 de novembro de 2016.

O Papa Francisco quer que, se for possível, alguns reclusos venham à Praça de São Pedro. Não fará sentido celebrar a Misericórdia e esquecer um dos ambientes em que ela pode ser mais benéfica.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 08/05/2015)

sexta-feira, 1 de maio de 2015

O “Bom Pastor”

D. Oliver Dashe, bispo de Maiduguri, na Nigéria.
Foto: Chema Moya/EFE, retirada daqui
Todos os anos, no quarto domingo da Páscoa, que é, também, o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, as leituras da missa apresentam Jesus como o Bom Pastor.

No último domingo voltou-se a repetir essa celebração. Nessa circunstância o Papa Francisco recordou que “o Bom Pastor é aquele que dá a vida pelas suas ovelhas”. Num contexto, como o nosso, de liberdade religiosa, raramente os sacerdotes correm perigo de vida por assumir essa vocação. Mas, em muitos pontos do globo, morre-se por se ser cristão. Há dias D. Oliver Dashe, bispo nigeriano, disse: “Quando aceitei tornar-me bispo, assinei a minha sentença de morte”.

Esta afirmação foi proferida num congresso em Madrid, dedicado à temática “Todos Somos Nazarenos”, em que se refletiu sobre a situação dos cristãos perseguidos pelo fundamentalismo islâmico. A sua diocese situa-se numa região atacada frequentemente pelo grupo terrorista “Boko Haram”, que tem assassinado todos os que não seguem a fé em Alá, como eles a defendem, mesmo muçulmanos.

Provavelmente, nesses contextos de perseguição são menos os que aspiram a ser bispo, tendo em conta os riscos para a própria vida que esse encargo significa, e mais os que assumem essa missão com entrega e dedicação às comunidades cristãs, que são chamados a santificar, ensinar e governar. Nessas circunstâncias, serão, certamente, em menor número os “trepadores” e “carreiristas” que o Papa tem denunciado por diversas vezes.

Na verdade, este proliferam mais em ambientes em que o episcopado é assumido como uma promoção ou uma posição de destaque. São aqueles que apenas pensam em si próprios e na satisfação dos seus anseios, que se se pavoneiam nos seus cargos e que fazem um triste figura a que o Papa aludiu na homilia da missa do último domingo, em que foram ordenados 19 sacerdotes da diocese de Roma. Já na oração do “Angelus” disse que “todos os que têm a missão de guias na Igreja – sacerdotes, bispos, papas – são chamados a assumir, não a mentalidade do ‘manager’ (gerente), mas a do servo, imitando Jesus que, despindo-se de si próprio, nos salvou com a sua misericórdia”.

Precisam-se mais sacerdotes e bispos que imitem Jesus Cristo o Bom Pastor, que se gastem ao serviço das comunidades cristãs. E que renunciem ao “alpinismo eclesiástico”.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 01/05/2015)