sexta-feira, 29 de abril de 2016

Papa e tecnologia

Foto retirada daqui
A Igreja precisa de atualizar a linguagem da sua pregação para ser mais eficaz. Jesus Cristo utilizou as imagens que os seus ouvintes entendiam, da agricultura, da pastorícia ou da pesca. Hoje, num mundo dominado pela tecnologia, as pessoas, sobretudo em meios urbanos, estão cada vez mais distantes do mundo rural e, por isso, serão muito mais sensíveis a comparações que utilizem os seus utensílios de todos os dias.

O Papa Francisco diz que não é muito dado às tecnologias. Já confidenciou que a rádio é ideal porque só tem dois botões: um para ligar e aumentar o volume e outro para sintonizar. Todavia, tem utilizado metáforas tecnológicas. No sábado, numa vídeo-mensagem dirigida aos participantes no jubileu dos adolescentes, no estádio Olímpico de Roma, disse de aparelho na mão que uma vida sem Cristo é como “um telemóvel sem rede”. No dia seguinte, durante a homilia, quando falava sobre o “desejo de liberdade” acrescentou: “A vossa felicidade não tem preço, nem se comercializa: não é uma ‘app’ que se descarrega do telemóvel. Nem a versão mais atualizada vos poderá ajudar a tornar-vos livres e grandes no amor. A liberdade é outra coisa”.

Na exortação Amoris Lætitia o Papa refere, como um desafio à família, a transitoriedade da relações humanas, dos que “crêem que o amor, como acontece nas redes sociais, se possa conectar ou desconectar ao gosto do consumidor e, inclusive, bloquear rapidamente” (nº 39).

Da mesma forma que no passado uma certa ruralidade envolvia todos as pessoas, hoje a tecnologia está presente em todos os ambientes. A Igreja e os seus pastores devem estar atentos a esta tendência e, tal como o Papa, em vez de insistirem numa linguagem de outros tempos, devem propor outra que esteja em linha com as vivências de hoje. Jesus Cristo não hesitaria em fazê-lo para anunciar o Reino dos Céus – o qual, hoje, eventualmente seria a República de Deus...

(Texto publicado no Correio da Manhã de 29/04/2016)

sexta-feira, 22 de abril de 2016

O Papa em Lesbos

Papa Francisco de visita a refugiados em Lesbos
com os líderes ortodoxos Bartolomeu I e Hieronymos
Foto retirada daqui
Os refugiados estão no coração do Papa Francisco. De tal forma que este aproveita todas as oportunidades para abordar esta questão que já é considerada como a maior tragédia humanitária depois da Segunda Guerra Mundial.

Na sua última Exortação abordou por diversas vezes este problema. E até ao fazer a fundamentação bíblica da temática da família, recordou que a Sagrada Família também passou por essa experiência “que ainda hoje se repete tragicamente em muitas famílias de refugiados descartados e inermes” (nº 30)

São inúmeros os discursos e textos em que o Papa se tem referido ao problema dos que se veem obrigados a abandonar a sua terra e a rumar à Europa. Contudo, mais do que palavras, ele tem protagonizado gestos eloquentes. A sua primeira saída de Roma foi precisamente para visitar a ilha de Lampedusa: é esta a porta de entrada na Europa para muitos refugiados e, ao mesmo tempo, a testemunha de tantos que perderam a vida na tentativa de ali chegar.

Esta semana, o Papa visitou a ilha de Lesbos. Completam-se assim 150 viagens pontifícias fora de Itália, como lembra Luis Badilla no “Vatican Insider”. Muitas delas, recorde-se, foram marcadas por gestos ecuménicos – logo a primeira, em 1964, a visita de Paulo VI à Terra Santa, ficou assinalada pelo primeiro encontro entre um Papa e um líder Ortodoxo. Mas esta ida a Lesbos foi a primeira visita organizada em conjunto pelo Papa, o Patriarca de Constantinopla e o Arcebispo de Atenas. Uma peregrinação ecuménica de um católico e dois ortodoxos que, numa declaração conjunta, apelaram “a todos os líderes políticos para que usem todos os meios possíveis a fim de garantir que os indivíduos e as comunidades, incluindo os cristãos, permaneçam nos seus países de origem”.

Na verdade, mais importante do que acorrer às necessidades dos refugiados, é criar condições para que eles não sejam obrigados a sair das suas terras.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 22/04/2016)

sexta-feira, 15 de abril de 2016

Os Papas e o sexo

Foto retirada daqui
O discurso da Igreja é, em diversas circunstâncias, demasiado crítico em relação ao mundo em que se insere. “Muitas vezes agimos na defensiva e gastámos as energias pastorais multiplicando os ataques ao mundo decadente, com pouca capacidade de propor e indicar caminhos de felicidade” escreve o Papa Francisco no nº 38 da última exortação apostólica, Amoris Lætitia (A Alegria do Amor).

A alegria aparece logo no título, o que indicia uma valorização positiva do amor humano e da sua vivência em contexto familiar. Ao longo do texto percebemos melhor essa preocupação do Papa. Este não exclui a sexualidade nem o prazer, como tantas vezes acontece no discurso eclesiástico em que a sexualidade só é admitida em ordem à geração da vida. A virtude, por seu lado, costuma ser associada à renúncia e ao sofrimento, nunca ao prazer.

O Concílio Vaticano II, todavia, afirmou perentoriamente que “o matrimónio não foi instituído só em ordem à procriação”, como lembra o Papa no nº 178 da exortação. Na verdade, a Igreja (por exemplo Paulo VI na Humanae Vitae) sempre “destacou o vínculo intrínseco entre amor conjugal e procriação”. Mas isso não significa que seja esse o fim único e primordial. O Papa Francisco refere que “São João Paulo II rejeitou a ideia de que a doutrina da Igreja leve a ‘uma negação do valor do sexo humano’ ou que o tolere simplesmente ‘pela necessidade da procriação’” (nº 150).

Nesta exortação reconhece-se ainda que, aos olhos do mundo, a Igreja aparece muitas vezes como “inimiga da felicidade humana” (nº147). E recuperam-se os ensinamentos de Bento XVI que reconciliou o magistério com o prazer na encíclica Deus caritas est.

Os últimos Papas já tinham referido a sexualidade e o prazer nos seus ensinamentos. Francisco, contudo, tem conseguido ser mais ouvido por utilizar um discurso mais claro e menos embrulhado em considerações filosófica ou teológicas.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 15/04/2016)

sexta-feira, 8 de abril de 2016

A fuga aos impostos

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A utopia de possuir tudo em comum de forma a não haver “ninguém necessitado” aparece na descrição das primeiras comunidades cristãs (Act. 4, 32-37). Mas, logo nesse contexto, um casal, Ananias e Safira, desviam dinheiro, não entregando a totalidade da venda aos apóstolos. Isso indicia que nem mesmo as comunidades primitivas foram imunes ao mesquinho egoísmo humano (Act. 5, 1-11).

A Doutrina Social da Igreja, consciente da dificuldade humana em abdicar de possuir, sempre admitiu e até defendeu a propriedade privada. Contudo, também esta deve submeter-se ao bem comum. Uma das formas de o fazer é a sua tributação. Desde a primeira encíclica social, a “Rerum Novarum” de Leão XIII, que se considera uma política de impostos correta aquela que consegue harmonizar o direito à propriedade privada e a prossecução do bem comum.

O Concílio Vaticano II apelou ao contributo “de cada um em favor do bem comum” e denunciou “uma ética puramente individualística” de tantos que se atrevem “a eximir-se, com várias fraudes e enganos, aos impostos e outras obrigações sociais” (GS 30).

Hoje em dia, graças à sofisticação da máquina fiscal, é cada vez mais difícil para a generalidade dos cidadãos fugir aos impostos. Contudo, como comprova o escândalo dos “Papéis do Panamá”, para os ricos e poderosos inventam-se sempre mirabolantes subterfúgios para o conseguir e aumentar os seus lucros. Desta forma, a riqueza concentra-se cada vez mais nas mãos de poucos à custa do prejuízo de tantos. “Enquanto os lucros de poucos crescem exponencialmente, os da maioria situam-se cada vez mais longe do bem-estar daquela minoria feliz”, denunciou o Papa Francisco na “Evangelii Gaudium”. Nela criticou também “uma corrupção ramificada e uma evasão fiscal egoísta, que assumiram dimensões mundiais”.

Assiste-se a uma notória globalização da fraude. Exige-se, por isso, uma estratégia global para a combater.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 08/04/2016)

sexta-feira, 1 de abril de 2016

Dia de enganos

Ícone da Misericórdia, Taizé
Foto retirada daqui
Há equívocos que não surgiram neste dia primeiro de Abril – e que subsistem a ele. Um desses enganos é o das instituições que mantêm o nome muito tempo depois de terem perdido a filiação à instituição que lhes deu origem. E afetam o bom nome dos que permanecem na organização que as gerou.

Há dias, Henrique Manuel Pereira escrevia no Facebook: “Rasgou-se uma almofada e o vendaval dos meios de difusão coletiva espalhou as penas! Quem poderá agora dizer que o dito nada tem a ver com a Casa do Gaiato/Obra da Rua, nem com nenhum dos seus padres? A Casa do Gaiato em apreço é a de Santo Antão do Tojal (Loures). E será bom saber-se que, desde 2006, é propriedade do Patriarcado de Lisboa. Irra, pobres Padres da Rua!”

Acontece algo semelhante com a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que desde 2 de Dezembro de 1851 (há 165 anos) é administrada pelo Estado. Apesar disso, muitas pessoas pensem que continua vinculada à Igreja. No entanto, o seu provedor é nomeado pelo Governo, enquanto nas outras misericórdias este é eleito pelos irmãos da respetiva Santa Casa e homologado pelo bispo diocesano.

Nestas misericórdias o equívoco poderá ser outro. Não se devem comportar como meras Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS): têm de ter o mesmo rigor e profissionalismo das outras, claro!, mas têm também de estar imbuídas do verdadeiro espírito cristão. Ou seja, ver nos mais pobres, e nos que precisam de assistência, o próprio Cristo. “Tive fome e deste-me de comer… Estive doente ou na prisão e foste-me visitar…” (Cf. Mt. 25). Devem também as verdadeiras santas casas e outras IPSS’s católicas promover a formação espiritual e humana dos utentes e colaboradores, sem fazer aceção de pessoas. E, aos crentes, devem ajudar a desenvolver a sua convicção cristã.

Só corrigindo estes enganos deixaremos de viver num contínuo dia 1 de Abril em matéria social e institucional.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 01/04/2016)