quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Deixar a guerra para matar a fome

O presidente do Brasil, Lula da Silva, lançou oficialmente a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza na segunda-feira durante a abertura da reunião do G20, que, até ontem, decorreu no Rio de Janeiro. Para Lula da Silva “o Mundo está pior” desde a primeira cimeira dos líderes das 20 maiores economias do Mundo em 2008.

O Papa Francisco também tem procurado chamar a atenção para a pobreza no Mundo. Em 2016 criou o Dia Mundial dos Pobres, que se celebrou domingo passado. No âmbito desta iniciativa, todos os anos a Universidade de Fordham, em Nova Iorque, publica um Relatório Anual sobre a Pobreza Global baseado nos dados mais recentes de organizações internacionais fiáveis.

Este relatório propõe anualmente um índice de pobreza - que este ano se situa nos 25,8% - a que foi dado o nome de Fordham Francis Index, uma vez que se inspira na visão do Papa Francisco sobre a pobreza, não só material, mas também espiritual. Este índice considera indicadores como o acesso à água potável, a alimentação adequada, a habitação segura e o emprego, para além da educação, da igualdade de género e da liberdade religiosa.

A evolução do índice demonstra que os esforços para aliviar a pobreza se intensificaram na recuperação da pandemia, mas que agora estão a desacelerar. Isso, para o presidente Lula, exige a criação de uma aliança que ponha fim à “tragédia coletiva” que é a fome e a pobreza.

O planeta, como tem referido o Papa, tem recursos suficientes para pôr fim a esta tragédia. Contudo, enquanto for governado por insanos que preferem gastar dinheiro a fazer a guerra do que a promover o desenvolvimento dos povos, não se prevê de grande eficácia a Aliança de Lula.

A maioria dos líderes mundiais estão mais preocupados com as alianças bélicas, e em canalizar recursos para aí, do que em erradicar a pobreza.

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

A oração alimenta a ação social


O Papa Francisco instituiu o Dia Mundial dos Pobres, que se celebrará no domingo, pela oitava vez. O tema proposto para este ano é: “A oração do pobre eleva-se até Deus” (cf. Sir 21, 5).

É natural que a frase proposta pelo Papa na mensagem deste ano para assinalar a data suscite algum ceticismo, pois não se verifica imediatamente a intervenção divina para pôr fim às situações de pobreza que se identificam perto ou longe de nós. Antes pelo contrário, vivem-se tempos em que a crise, a pandemia e as guerras têm contribuído para gerar novas bolsas de pobreza. Parece que Deus não escuta a oração do pobre.

O desafio do Papa aos crentes é que leiam o texto bíblico “nos rostos e nas histórias dos pobres que encontramos no nosso dia-a-dia, para que a oração se torne um modo de comunhão com eles e de partilha do seu sofrimento”.

O Papa pede a cada um dos crentes que reze pelas necessidades dos pobres. E que traduza a sua oração em gestos concretos de atenção aos que sofrem. Contudo, adverte o Papa, “a caridade sem oração corre o risco de se tornar uma filantropia que rapidamente se esgota”.

A Madre Teresa de Calcutá, a 26 de outubro de1985, disse na Assembleia Geral da ONU com o terço na mão: “Sou apenas uma pobre freira que reza. Ao rezar, Jesus põe o seu amor no meu coração e eu vou dá-lo a todos os pobres que encontro no meu caminho. Rezai vós também! Rezai, e sereis capazes de ver os pobres que tendes ao vosso lado. Talvez no mesmo andar da vossa casa. Talvez até nas vossas próprias casas há quem espera pelo vosso amor. Rezai, e abrir-se-ão os vossos olhos e encher-se-á de amor o vosso coração”, recordou o Papa.

A oração cristã não é uma fuga da realidade passando para Deus a responsabilidade de corrigir o que está errado. É o elemento que dá consistência à intervenção dos crentes no mundo.

quarta-feira, 6 de novembro de 2024

O Sínodo começa agora

Ao fim de três anos, encerrou-se o Sínodo sobre a sinodalidade. O resultado dessa caminhada está vertido num documento de 51 páginas que sintetiza a reflexão produzida e propõe caminhos para a implementação da sua dinâmica na Igreja.

A sinodalidade é definida em “termos simples e sintéticos” como “um caminho de renovação espiritual e de reforma estrutural para tornar a Igreja mais participativa e missionária” (nº28). Nada de novo: desde os inícios, é a forma ajustada de a Igreja funcionar em todos os seus níveis para discernir e tomar as suas decisões. Isto implica escutar e dialogar para chegar ao consenso possível.

No entanto, se o documento final for devidamente implementado, poderá significar a maior transformação na Igreja Católica desde o Concílio Vaticano II. Na verdade, muitas das suas propostas traduzem preocupações conciliares que ainda não se efetivaram, apesar de já terem passado quase 60 anos desde que se concluiu esse Concílio. Há, aliás, o risco de acontecer ao Sínodo o que aconteceu ao Concílio: o sucessor de Francisco e a sua entourage podem achar que se avançou de mais e tentarem congelar as dinâmicas que foram suscitadas na Igreja.

Podem também aqueles que têm a responsabilidade de tomar decisões – nomeadamente padres e bispos – fazerem lindos discursos sobre a sinodalidade e até adotar as estruturas de participação propostas pelo Sínodo, mas usá-las apenas para confirmarem as suas convicções ou as decisões tomadas somente por alguns. Se, como preconiza o documento, não acontecerem “mudanças concretas a curto prazo, a visão de uma Igreja sinodal não será credível e isso afastará os membros do Povo de Deus que retiraram força e esperança do caminho sinodal” (nº 94).

Que o Sínodo não seja um “sonho lindo que acabou”, mas sim o verdadeiro relançamento da participação na Igreja.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 06/11/2024)

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Falta coração ao Mundo

A devoção ao Sagrado Coração de Jesus foi-se desenvolvendo ao longo de séculos no interior da Igreja Católica. Ganhou particular relevância a partir das experiências místicas da Santa Margarida Maria Alacoque, entre dezembro de 1673 e junho de 1675. O Papa Francisco publicou uma encíclica comemorativa dos 350 anos da última visão relatada por essa santa, a que deu o título “Dilexit nos” (Amou-nos), divulgada na passada quinta-feira.

O Papa propõe um aprofundamento e uma atualização desta devoção. Esclarece que “as visões ou manifestações místicas narradas por alguns dos santos que propuseram apaixonadamente a devoção ao Coração de Cristo não são algo em que os crentes sejam obrigados a acreditar como se fossem a Palavra de Deus” (n.º 83). Contudo, quis conferir a dignidade de encíclica - na hierarquia dos textos papais é a categoria mais importante - à reflexão sobre o amor humano e divino que traduz o Coração de Jesus. Está convencido, explica Francisco, que “falta coração” ao Mundo atual.

São interessantes as propostas do Papa para atualizar algumas práticas tradicionais da devoção ao Sagrado Coração, como é o caso da comunhão eucarística nas primeiras sextas-feiras de cada mês ou da adoração às quintas-feiras.

A encíclica abre com um capítulo em que o Papa esclarece o que se deverá entender pelo conceito de “coração” e desafia este “mundo líquido” a “regressar ao coração” (n.º 9). Este, entendido como “o centro mais íntimo” da pessoa, no qual confluem todas as “suas componentes espirituais, psíquicas e também físicas” (n.º 21).

Falar do coração, ou do amor a ele associado, parece um tema desinteressante e gasto. O Papa teve a coragem de o abordar e de o repropor, destacando-o numa encíclica. Vale a pena gastar algum tempo a ler e deixar-se impregnar pelo primeiro capítulo deste texto.

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Um frade que faz aquilo que prega

Timothy Radcliffe, frade dominicano, recém-nomeado cardeal
Foto: 
Mazur/catholicchurch.org.uk
Aquele que diz uma coisa, e faz outra, perde a credibilidade. É bem conhecida a expressão: “Bem prega frei Tomás: faz o que ele diz, não faças o que ele faz”. Assim se denuncia a incoerência eclesiástica. Parece que o frei Tomás referido no aforismo existiu mesmo – e que a frase até é do próprio.

Trata-se de um frade dominicano, frei Thomaz de Souza, o qual, no séc. XVI, foi confessor de Dona Catarina da Áustria, esposa de D. João III. Tendo acesso à corte, comprovou a imoralidade dos cortesãos que expunha nos seus sermões. Um dos fidalgos visados escreveu junto aos aposentos do frade: “Aqui mora frei Tomás, que bem diz e mal faz”. Frei Tomás terá acrescentado por baixo: “Fazei o que diz e não façais o que faz”.

Frei Tomás humildemente assume que terá as suas incoerências, as quais não retiram valor ao seu discurso. Não é essa a perspetiva do cardeal Jean-Claude Hollerich. Na abertura do Sínodo que decorre em Roma, na qualidade de relator-geral pediu aos participantes “coerência” entre a prática e o que se diz: “Caso contrário, as pessoas ouvirão as nossas palavras, mas não acreditarão nas nossas práticas, o que tornará o nosso património insignificante, corroendo-o lentamente”.

Frei Timothy Radcliffe, recentemente nomeado cardeal, também ele dominicano, na reflexão que dirigiu ao Sínodo referiu como se podem sentir intimidados os participantes menos habituados aos “títulos grandiosos e roupas estranhas”. Soube-se agora que pediu ao Papa que fosse dispensado de usar a “elaborada indumentária cardinalícia”, tendo o Papa acedido.

Timothy Radcliffe terá as suas incoerências, pois ninguém é perfeito, como reconhecia frei Tomás. Contudo, ao preferir o despojado hábito branco dominicano em vez dos requintados vermelhos cardinalícios, demonstrou que procura fazer aquilo que prega.

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

O cardeal duplamente franciscano

Cardeal Leonardo Steiner, arcebispo de Manaus
Foto: Santuário de Fátima
O cardeal Leonardo Ulrich Steiner presidiu à peregrinação de outubro no Santuário de Fátima, que decorreu no passado fim de semana. Nasceu no Sul do Brasil, no estado de S. Catarina, onde se concentraram muitos emigrantes alemães no século passado. Como o seu nome indica, tem ascendência alemã. Pertenceu à Ordem dos Frades Menores de S. Francisco, antes de ser bispo.

Desde 2019, o cardeal Steiner é arcebispo de Manaus, na Amazónia. É um homem do Sul que assumiu como suas as preocupações dos homens e mulheres da Amazónia, sobretudo dos indígenas. De tal forma que a Câmara Municipal de Manaus lhe conferiu, em junho deste ano, o título de “cidadão manauara”. Na cerimónia em que o cardeal foi homenageado com esse título, foi destacada a rapidez com que ele conquistou a simpatia de todos. Manaus descobriu nele um bispo que se faz presente “no meio do povo de rua, no cemitério ou num caminhão descarregando cilindros de oxigênio durante a pandemia da Covid-19”.

O seu timbre franciscano transpareceu bem nas palavras que dirigiu à multidão, reunida na Cova da Iria. No final da procissão de velas expressou a sua preocupação, tão franciscana, com a degradação ambiental da Casa Comum. S. Francisco de Assis cantou e rezou o amor à criação, chamou irmãos a todos os seus elementos. O Papa, em sintonia com o nome do santo que adotou, tem feito da ecologia uma das suas causas.

No dia 13, na homilia da missa, o cardeal disse que veio a Fátima rezar “pelos indígenas”, para que “cesse o desmatamento, termine a pesca predatória, desapareça o garimpo ganancioso, destruidor e predador”.

O cardeal Leonardo Steiner é um filho de S. Francisco. E é um bispo que tem “o cheiro a ovelhas” dos pastores que caminham com o seu povo, “por vezes à frente, por vezes no meio e outras atrás”. Como preconiza o Papa Francisco.

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

Mais cardeais na Ásia, menos na Europa

O Papa Francisco nomeou 21 novos cardeais, 18 bispos e 3 padres. Receberão o barrete vermelho no dia 8 de Dezembro. O Colégio Cardinalício tem como principal missão eleger o Papa. Passa a ser constituído por 235 elementos, dos quais 141 com direito de voto (menos de 80 anos). Ultrapassa em muito o número dos 120 que a legislação em vigor recomenda. Porém, 15 destes ultrapassarão até ao final de 2025 os 80 anos. Serão, então, menos de 126 os eleitores.

Quando foi convocado o Conclave que viria a eleger o Papa Francisco, havia 207 cardeais, dos quais 117 abaixo dos 80 anos. Acabaram por nele participar 115.

As escolhas de Francisco, para além de ampliarem o número de cardeais eleitores, têm vindo a alterar a fisionomia do Colégio Cardinalício. Em 2013, foi eleito por cardeais de 48 países. Os eleitores saídos do próximo Consistório passarão a representar 72 países.

Entre 2013 e 2024, a Europa é o único continente em que o número de cardeais eleitores diminuiu. Passaram de 60 para 55. Em 2013, representavam quase metade do colégio eleitoral. Com a recente nomeação de novos cardeais, passarão a ser um pouco mais de um terço.

A Ásia é onde se verificou o maior aumento, passaram de dez para 26 cardeais. Em 2013, representavam seis países, agora 17. Segue-se África, com um aumento de 11 para 18 cardeais e de dez para 17 países. Nas Américas o número de cardeais aumentou de 33 para 38 e na Oceânia de 1 para 4.

Todos estes números manifestam a visão estratégica de Francisco e acompanham a evolução do número de católicos nos diferentes continentes. Na Europa os católicos têm diminuído e na África têm aumentado. A Ásia é o continente com o maior potencial de crescimento. 

Justifica-se o maior investimento do Papa na Ásia, sem negligenciar os países africanos, que se seguem nas suas escolhas cardinalícias.

quarta-feira, 2 de outubro de 2024

O segredo das reformas estruturais

Estudantes da Universidade Católica de Lovaina
questionam o Papa sobre o papel da mulher na Igreja
O Papa Francisco foi olhado com desconfiança pelos conservadores e acolhido com esperança pelos progressistas. Os conservadores atacaram-no pelas iniciativas que preconizam uma maior abertura da Igreja. Ultimamente, são os mais progressistas que começam a condená-lo por avançar muito devagar – e até a considerá-lo “conservador”. Foi o que aconteceu sábado na visita à Universidade Católica de Lovaina.

Foi lida uma carta de professores e estudantes com questões como a desigualdade social, a crise climática e o papel das mulheres na Igreja Católica. Na resposta, o Papa disse que “não é o consenso nem são as ideologias que sancionam o que é caraterístico da mulher”. E destacou a centralidade da mulher no acontecimento salvífico, nomeadamente pelo “sim” de Maria que permitiu que Deus viesse ao mundo. Contudo, não avançou tanto como alguns desejavam.

Minutos após o Papa ter proferido essas palavras, a universidade divulgou um comunicado em que se lamentavam “as posições conservadoras expressas pelo Papa Francisco sobre o papel das mulheres”.

Os extremos tocam-se, pois, no ataque ao Papa.

Uns não entendem que uma Igreja fechada sobre si mesma, que não é sensível aos desafios que o mundo lhe coloca, é a negação de um Deus em que dizem acreditar. Outros pretendem que se avance tão rapidamente que nem valorizam os passos que o Papa já deu. Nomeadamente, ter colocado mulheres onde elas nunca estiveram, como o Sínodo dos Bispos.

Ainda não entenderam que este Papa lança processos, não com voluntarismo, mas com os métodos abertos e a velocidade lenta que são indispensáveis às grandes mudanças estruturais. Não se mudam 20 séculos numa década. Serão precisos alguns anos para que a reforma iniciada se concretize. É desta forma, com diálogo e o ritmo certo, que se alcançará o que muitas e muitos anseiam.

quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Dos confins do mundo ao centro da Europa

Logotipos e lemas da viagem do Papa ao Luxemburgo e à Bélgica
Foto retirada daqui
As periferias ocupam um lugar central no discurso e nas preocupações do Papa Francisco. A recente viagem ao Extremo Oriente e à Oceânia demonstrou esta atenção às zonas mais periféricas da Igreja Católica. Amanhã inicia a visita ao Luxemburgo e à Bélgica. Países bem próximos do Vaticano, no centro de uma Europa em que a população cada vez mais se distancia da Igreja Católica. Não é das periferias geográficas, mas das existenciais, que o Papa agora se faz próximo

Apesar das dificuldades de locomoção e da gripe que o obrigou a desmarcar todos os compromissos na manhã de segunda-feira, o diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé, Matteo Bruni, apressou-se a garantir que o Papa manterá a sua visita “ao coração da Europa”.

A visita ao Luxemburgo tem como lema “Para servir”. É interessante que, no país onde se localiza a “sede de diversas instituições europeias, especialmente de natureza financeira”, se sublinhe o serviço ao outro, quando aí se costuma procurar o lucro.

Na Bélgica, o lema desta viagem apostólica é “En route avec Espérance” (que se pode traduzir por “A caminho com esperança”). De acordo com Matteo Bruni, a paz será o tema central dos discursos do Papa. Num mundo em guerra, quando a Europa corre o sério risco de ser arrastada para um conflito armado, é bem-vinda uma mensagem de paz e de esperança.

Para além deste tema, o Papa abordará questões como a emergência climática e as migrações. O tema dos abusos sexuais também será abordado pelo Papa. A Santa Sé não confirmou se irá haver um encontro com as vítimas daquele país, mas é natural que tal aconteça.

Os cardeais foram buscar Bergoglio ao fim do mundo para o fazer Papa. Neste mês de Setembro, ele viajou a outros confins e agora regressa ao centro da Europa. Sempre atento e próximo das “periferias geográficas e existenciais”.

quarta-feira, 18 de setembro de 2024

Francisco, Sumo Pontífice das religiões

Viagem do Papa à Indonésia, Papua-Nova Guiné, Timor-Leste e Singapura
Imagem retirada daqui
O Papa Francisco foi ao outro lado do mundo contactar com diferentes realidades socias, culturais e religiosas. Terminou o seu périplo pela Indonésia, Papua-Nova Guiné, Timor-Leste e Singapura no dia 13. A sua mais longa viagem – e a que o levou mais longe.

Do ponto de vista religioso, o Papa iniciou a visita pelo país com mais muçulmanos do mundo, a Indonésia. Passou pela Papua-Nova Guiné, em que mais de dois terços da população se declara cristã, a maioria da qual católica.

Rumou então para o país com a maior percentagem de católicos do mundo, Timor-Leste. A própria Constituição reconhece a importância “da Igreja Católica no processo de libertação nacional”, apesar de consagrar a liberdade religiosa e a separação entre a Igreja e o Estado.

Francisco terminou a sua viagem em Singapura, território onde um terço da população é budista e quase um quinto se declara cristã. Sensivelmente a mesma parcela declara não professar qualquer religião, seguindo-se os que se assumem muçulmanos, taoistas, hinduístas e de outras religiões. Singapura é considerado, por isso, o país do mundo com a maior diversidade religiosa, pois não há nenhuma que claramente se destaque.

Perante contextos religiosos tão diversos, o Papa procurou lançar pontes entre diferentes credos religiosos e sublinhar a beleza dessa diversidade. No maior país muçulmano, o Papa Francisco e o Grande Imã Nasaruddin Umar assinaram uma declaração conjunta em Jacarta, na mesquita de Istiqlal, a apelar à promoção da harmonia religiosa para o bem da humanidade. Em Singapura o Papa destacou o “mosaico de etnias, culturas e religiões que vivem em harmonia” naquele país.

Nesta sua última viagem Francisco foi verdadeiramente o Sumo Pontífice. Ou seja, o grande fazedor de pontes entre pessoas que se relacionam com Deus de formas variadas.

quarta-feira, 11 de setembro de 2024

Mulheres a gerir os bens das dioceses

Carla Bretão, recém-nomeada ecónoma da Diocese de Angra.
Foto retirada daqui
D. Armando Domingues, bispo de Angra, nomeou a economista Carla Bretão ecónoma da diocese. É a primeira vez que uma mulher assume a responsabilidade de gerir os bens dessa diocese insular. Habitualmente este cargo é confiado a um padre, como acontece em 12 das vinte dioceses portuguesas. Nas restantes oito, quatro escolheram diáconos permanentes e leigos as outras quatro. A diocese de Angra, depois da Guarda, é a segunda no país a nomear para ecónoma uma mulher.

Carla Bretão conhece bem a situação financeira da diocese porque foi, nos últimos anos, a ecónoma-adjunta do cónego António Henrique Pereira, a quem sucede no cargo. A sua escolha tem em conta o trabalho até agora desempenhado e a convicção da diocese de que “leigos competentes nesta área poderem contribuir com o seu desempenho para o funcionamento da diocese”.

O Código de Direito Canónico, a lei fundamental da Igreja, para o desempenho da função de ecónomo, não exige que este seja um padre, mas sim que “seja verdadeiramente perito em assuntos económicos” (Can. 494 §1). Hoje gerir os bens da Igreja não é algo que possa ser feito com amadorismo, exigem-se boas competências técnicas. Sobretudo quando aqueles que contribuem para a sustentabilidade económica das dioceses são cada vez menos... É necessário, pois, encontrar novas fontes de financiamento e de rentabilização do património que se possui.

Hoje é mais fácil encontrar essas competências entre os diáconos permanentes, ou os leigos, do que entre os padres de uma diocese. Não é de estranhar, por isso, que se acentue a tendência que se tem verificado recentemente de serem eles, e sobretudo elas, a assumirem as rédeas da administração dos bens diocesanos. A verdade é que estão mais bem preparados do que o clero para superar a fragilidade económica que se verifica em algumas das dioceses.

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Igreja viva, jovem, alegre, solidária

O Papa Francisco está nos antípodas da Europa, tanto geográfica como eclesialmente. Saiu do Vaticano a 2 de setembro em direção à Indonésia, passará pela Papua-Nova Guiné e por Timor-Leste. Termina a visita em Singapura, de onde regressará no próximo dia 13. Será a sua viagem mais longa, por dois continentes: a Ásia e a Oceânia.


As comunidades que o Papa vai visitar contrastam fortemente, em muitos aspetos, com a realidade eclesiástica europeia e ocidental. Uns dias antes da partida de Francisco foi divulgado um breve documentário sobre religiosas que desenvolvem a sua atividade na parte indonésia da ilha do Bornéu: são uma comunidade de Irmãs da Caridade de Santa Joana Antida, muitas oriundas do grupo étnico Dayak, que habita na floresta tropical daquela parte da ilha.


O documentário foi editado por Marianna Beltrami (inglesa) e Sebastiano Rossitto (italiano) a que deram o título “As Irmãs Dayak”. Acompanharam as religiosas nas suas atividades quotidianas e constataram no documentário que “as irmãs não são só guardiãs da fé, mas também protetoras incansáveis da cultura indígena e da floresta”.


Os jovens documentaristas mergulharam na floresta tropical e revelam, em apenas 24 minutos, uma Igreja viva, jovem, alegre e solidária. O documentário permite aceder a um mundo “onde tudo permanece autêntico e onde a presença da Igreja apenas enriquece um tecido social já caracterizado por um forte sentido comunitário, sem impor outros modos de ser, mas entrelaçando-se com harmonia e paz entre si e com a Criação”, segundo o sítio Vatican News.


Esta viagem do Papa ao outro lado do mundo contribuirá para demonstrar que o catolicismo se pode desenvolver e que rejuvenesce noutras paragens. Este contraste com um catolicismo que envelhece e definha no Ocidente pode, e deve, ser muito inspirador.


(Texto publicado no Jornal de Notícias de 04/09/2024)


quarta-feira, 28 de agosto de 2024

A III Guerra Mundial em curso

A humanidade esqueceu-se depressa dos horrores da Segunda Guerra Mundial. No pós-guerra, criaram-se uma série de estruturas com o objetivo de prevenir a guerra e resolver os conflitos entre os povos pela via da negociação. Acreditava-se, então, que a democracia acabaria por triunfar em todas as nações e que elas seriam o caminho para a paz.


Quase oitenta anos depois de terminar a Segunda Guerra Mundial, verifica-se, como já tem referido diversas vezes o Papa Francisco, uma “Terceira Guerra Mundial travada aos pedaços”. No sábado passado, num encontro com legisladores católicos no Vaticano, expressou a sua preocupação pelo curso desta Terceira Guerra que “parece permanente e imparável”.


O mais inquietante para o Papa nesta circunstância é “a enorme capacidade destrutiva dos armamentos contemporâneos” que “tornou obsoletos os critérios tradicionais para os limites da guerra”. Para além disso, hoje é cada vez mais inconsistente “a distinção entre objetivos militares e civis”. Por isso, não só a destruição é muito maior, mas também as vítimas são muito mais numerosas. Dada a globalização, a guerra deixou de afetar só os países envolvidos, passando a atingir todo o planeta.


O Papa não o diz explicitamente, mas sabe – como se acreditava no pós-guerra... – que a atual situação mundial se deve ao enfraquecimento das democracias e ao crescimento de estados dominados por sistemas autocráticos e totalitários. Estes manipulam mais facilmente a opinião pública e empurram as outras nações para a guerra.


Hoje, como há 80 anos, lutar pela paz significa um compromisso com a defesa e o fortalecimento da democracia. Não podemos esquecer onde nos conduziram as ditaduras. Aliás, são bem visíveis hoje os efeitos no mundo da ação de estados dominados por ditadores. Por mais que estes simulem eleições...


(Texto publicado no Jornal de Notícias de 28/08/2024)


quarta-feira, 21 de agosto de 2024

A política é mais nobre do que aparenta

Um amigo, de visita a Angola, viu afixado numa igreja um pedido de oração pelos políticos. Pensou que se tratava de algo específico daquele país e colocou num grupo de amigos on-line, propondo que se fizesse o mesmo em Portugal. Não se apercebeu que aquela é a intenção para o mês de agosto proposta pela Rede Mundial de Oração do Papa.

Este movimento católico existe desde 1844. Antes denominava-se Apostolado da Oração. Foi o atual Papa que em 2014 lhe alterou o nome e lhe deu uma renovada presença na Internet, com serviços de oração como o “Click To Pray”, também disponível numa aplicação para telemóvel.

Todos os meses é divulgado um pequeno vídeo em que o Papa expõe brevemente o seu pedido de oração por uma determinada intenção. Acompanha o vídeo uma infografia que explicita o pedido de Francisco e contextualiza o seu âmbito.

Na infografia deste mês realçam-se os principais problemas da política, levando o Papa a reconhecer que, “atualmente, a política não tem boa fama”. Francisco, contudo, não se deixa contaminar pelos discursos populistas que querem fazer de todos os políticos uns corruptos e sublinha que a “política é muito mais nobre do que aparenta”. Recorda aquilo que disse Paulo VI: “A política é uma das formas mais altas da caridade, porque busca o bem comum”.

Não se pode “avançar em direção à fraternidade universal sem uma boa política”, é a convicção do Papa. Por isso, agradece “aos muitos políticos que desempenham a sua tarefa com vontade de servir, não de poder, todos os seus esforços pelo bem comum”.

O Papa está verdadeiramente convencido que são muitos os políticos que abraçam com nobreza a atividade política. Pede, através da sua Rede Mundial de Oração – presente oficialmente numa centena de países – que, durante este mês de agosto, os católicos os tenham presentes nas suas orações.

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Igreja deve criticar a extrema-direita

Artigo de opinião do arcebispo da Cantuária, Justin Welby
e o seu tratamento noticioso, no "The Guardian"

Uma notícia falsa foi disseminada por grupos de extrema-direita com o intuito de promover o ódio contra os muçulmanos e os imigrantes. Três crianças, entre elas uma luso-descendente, foram mortalmente esfaqueadas em Southport, no noroeste da Inglaterra, a 29 de julho. Extremistas de direita puseram a circular nas redes sociais que o assassino seria um imigrante ilegal muçulmano, à procura de asilo no país, o que se verificou ser falso.

Essa notícia desencadeou uma onda de violência visando os locais que acolhem imigrantes ilegais e mesquitas. O arcebispo da Cantuária, Justin Welby, líder da Igreja Anglicana, denunciou estes tumultos “desencadeados por mentiras e instigados deliberadamente pela desinformação, espalhada rapidamente online por criminosos com motivações pérfidas”. Fê-lo num artigo publicado este domingo no “The Guardian”.

Justin Welby, para além de condenar a utilização da “iconografia cristã” nessas manifestações por ser “uma ofensa à nossa fé e a tudo o que Jesus foi e é”, acrescentou não ter dúvidas que os “grupos de extrema-direita não são cristãos e o uso que fazem das nossas imagens é um ultraje”. Por isso os cristãos não devem aderir a estes movimentos.

Habitualmente os líderes cristãos, nomeadamente os bispos católicos, costumam ser mais críticos com a extrema-esquerda por defenderem causas como a despenalização do aborto ou da eutanásia. E são em geral mais contidos em relação a atitudes da extrema-direita, também elas condenáveis à luz da moral cristã, como a xenofobia e outros tipos de discriminação.

É natural que a reação do arcebispo da Cantuária tenha sido contundente, dada a violência que varreu o Reino Unido. Contudo, não deviam ser necessários tão trágicos eventos para que a Igreja católica condene os extremismos de Direita que ofendem os seus valores.

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Romances e poemas para os padres

Papa receita romances e poemas aos padres
Foto retirada daqui
O Papa Francisco tem-nos habituado nas suas intervenções a abundantes citações dos mais variados poetas. Há um ano, quando esteve em Portugal, logo no seu primeiro discurso citou Camões, Pessoa, Saramago, Daniel Faria, Sophia e até a fadista Amália. Um comportamento pouco habitual nos seus antecessores.

Nos inícios do seu ministério sacerdotal, com 28 anos, Bergoglio foi professor de literatura numa escola dos jesuítas. Terá sido essa experiência que o ajudou a desenvolver o gosto pela literatura, o qual agora transparece nos seus textos papais.

O Papa decidiu escrever uma carta com o objetivo de “redespertar o amor pela leitura”. Em alguns seminários não é dada a devida importância à literatura, denuncia o Papa, o que “está na origem de uma forma de grave empobrecimento intelectual e espiritual dos futuros sacerdotes”.

Foi divulgada esta carta no domingo 4 de agosto, apesar de ter a data de 17 de julho. Nesse dia, a Igreja celebra o Santo Cura d'Ars, que é o padroeiro dos párocos. O Papa pretende, assim, chamar também a atenção dos párocos para a importância “da leitura de romances e de poemas no caminho do amadurecimento pessoal”.

Quase no final da carta, o Papa conclui: “Com estas breves reflexões, espero ter evidenciado o papel que a literatura pode desempenhar na educação do coração e da mente do pastor ou futuro pastor”. É a literatura que permite “entrar em diálogo com a cultura do seu tempo”, afirma.

O mês de agosto é tempo privilegiado de férias para muitos. O Papa desafia-os a aproveitarem para lerem um bom livro. Para alguns sacerdotes, como é o caso dos párocos no interior do país, este mês é o de maior movimento, pelo que não poderão tirar férias. Contudo, poderão gastar alguns minutos a ler esta carta do Papa – e, depois, a aumentarem a sua relação com as obras literárias.



quarta-feira, 31 de julho de 2024

Um tiro no pé da integração LGBTQ+

A cena da polémica, na transmissão da RTP da Cerimónia de Abertura dos Jogos Olímpicos,
não teve tanto impacto, porque coincidiu com a entrada em cena da delegação nacional. 
Algumas cenas infelizes, porque ofensivas, na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos em Paris, inundaram as redes sociais e fizeram com que tantas outras, tão bem conseguidas, perdessem toda a relevância. Foi o caso do que pareceu ser uma paródia da Última Ceia de Leonardo da Vinci, protagonizada por Barbara Butch, uma ativista lésbica francesa, acompanhada por dançarinos e travestis. Esta e outras cenas irritaram, não só os cristãos, mas também outras comunidades religiosas.

Os bispos franceses realçaram num comunicado os “momentos maravilhosos de beleza, de alegria, ricos de emoções e universalmente elogiados” que caracterizaram a cerimónia. Lamentaram, porém, que esta tenha incluído “cenas de escárnio e zombaria do cristianismo”, que consideraram deploráveis.

A organização dos Jogos apressou-se a assegurar que “nunca houve a intenção de desrespeitar qualquer grupo religioso”. O diretor artístico da cerimónia de abertura, Thomas Jolly, tentou tapar o sol com a peneira, negando veementemente o que transpareceu em cenas como a referida paródia: “O meu desejo não é ser subversivo, nem gozar ou chocar”.

Ora, “quem não se sente não é filho de boa gente”, diz a sabedoria popular. Contudo, os cristãos não podem esquecer-se que Jesus Cristo, no alto da cruz, foi o alvo das injúrias e da chacota da multidão. Ele próprio preparou os seus apóstolos para essa eventualidade, ao recordar-lhes que “o discípulo não está acima do mestre” (Mt. 10, 24).

Para além de ofender os cristãos, a paródia da Última Ceia foi mais lamentável por ter posto em causa o esforço de setores da Igreja Católica que, com o apoio do Papa Francisco, desejam que no seu seio ninguém seja discriminado nem excluído devido à sua orientação sexual. Em vez de ajudar, prejudicaram a integração da comunidade LGBTQ+ na Igreja. Um tiro no pé.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

Jornada Mundial da Juventude, o que ficou?

Já passou um ano desde que os símbolos da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) chegaram a Lisboa. A Câmara Municipal de Lisboa assinalou esta efeméride na segunda-feira, entregando aos trabalhadores que estiveram envolvidos nesse evento um reconhecimento do Papa Francisco.

Mais importante do que celebrar o que aconteceu há um ano é verificar o que significou a JMJ para o país e quais os seus efeitos, nomeadamente junto da juventude. Já são conhecidos os impactos económicos da JMJ: segundo um estudo do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, a JMJ teve um impacto de, pelo menos, 370 milhões de euros. A Fundação JMJ teve um lucro de mais de 35 milhões de euros.

Há um ano, neste espaço de opinião, expressei o desejo de que “a JMJ deixasse uma marca indelével na juventude portuguesa”. Desejei também que esse efeito viesse a ser verificado para “avaliar o resultado do investimento feito na sua preparação e realização”.

Numa rede social em que partilhei esse texto, Cristina Sá Carvalho, docente da Faculdade de Teologia, deixou o seguinte comentário: “Será crucial proceder a uma avaliação séria do impacto pastoral, vocacional e institucional da JMJ: fala-se continuamente, à exaustão, a partir das fontes e metodologias mais variadas, do impacto económico, mas não é para promover o turismo que os Papas viajam. Poderia seguir-se o excelente e credível exemplo de Colónia e de Madrid e fazer-se posteriormente a devida reflexão”.

Até hoje, não consta que a Igreja tenha promovido qualquer estudo para avaliar o impacto pastoral da JMJ em Portugal: na participação juvenil na vida da Igreja, por exemplo, ou no incremento das vocações. Se algum trabalho existe, seria bom dar-lhe a devida divulgação. Se não foi feito, é muito mais importante fazê-lo do que comemorar a efeméride.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 24/07/2024)

quarta-feira, 17 de julho de 2024

Descentralizar a formação dos leigos

Alunos do Curso Básico de Teologia, no Algarve
Foto retirada daqui
Há décadas que se fala em Portugal na necessidade de investir na formação dos leigos para que eles possam assumir melhor as suas responsabilidades na Igreja. Contudo, muito pouco tem sido feito na generalidade das dioceses.

Esta formação laical exige, para além das ciências humanas, uma consistente formação teológica. Uma das maiores dificuldades em promover percursos formativos para os leigos deve-se ao facto de, na maioria das dioceses, não abundarem peritos em ciências teológicas.

No passado, quando todas as dioceses tinham o seu Seminário Maior, havia sempre padres formados que garantiam os estudos teológicos dos seminaristas. Hoje, com a concentração dos seminaristas maiores apenas em Braga, Porto, Lisboa e Évora, a maioria das dioceses desinvestiu na formação de peritos nessas áreas. Nestas cidades encontram-se as principais ofertas formativas para leigos com alguma credibilidade. Nas restantes, verificam-se apenas experiências esporádicas, quase sempre inconsequentes e com pouca profundidade teológica.

São de saudar, no entanto, todas as iniciativas que se desenvolvem longe dos centros teológicos: foi o caso do Curso Básico de Teologia que recentemente se encerrou no Algarve, concluído por 81 alunos. Uma das suas particularidades foi ter sido ministrado on-line. Isso permitiu chegar a diversos pontos da diocese e contar com professores de fora dela. Foi complementada com jornadas intensivas presenciais, as quais permitiram uma maior proximidade e convívio entre os alunos.

A falta de peritos nas dioceses mais distanciadas dos centros teológicos do país, e a rarefação das pessoas pelos extensos territórios do interior, já não são desculpa para adiar e não promover a devida formação laical. A formação on-line é uma solução viável – e a pandemia teve o condão de a disseminar.

quarta-feira, 10 de julho de 2024

Curar o cancro da democracia

Em muitos países, pelas mais diversas razões, os sistemas democráticos estão em crise. “É evidente que, no mundo atual, a democracia não está de boa saúde”, disse o Papa Francisco no discurso de encerramento da 50.ª Semana Social dos Católicos na Itália, em Trieste.

O diagnóstico do Papa inspira-se no tema da semana, “No Coração da Democracia – Participar entre História e Futuro”. A causa da doença é a indiferença e a falta de participação: é esse o “cancro da democracia”.

Para salvar a democracia o Papa apelou ao envolvimento dos cristãos. “Tal como a crise da democracia é transversal a diferentes realidades e nações, do mesmo modo a atitude de responsabilidade perante as transformações sociais é um apelo dirigido a todos os cristãos, onde quer que se encontrem a viver e a trabalhar, em todas as partes do mundo”.

É irónico que, como aconteceu em Portugal nas eleições legislativas ou na primeira volta das eleições francesas, uma maior participação dos eleitores traduziu-se num reforço dos partidos mais autoritários, para não dizer antidemocráticos. São também partidos que se aproveitam das fragilidades da democracia para dizer aos eleitores o que eles querem ouvir, recorrendo a falsidades que não são devidamente desmascaradas. 

A associação da imigração à criminalidade é um exemplo desse jogo sujo. Propor o corte de benefícios sociais por uma minoria os receber de forma fraudulenta, ou não os utilizar para sair da situação de pobreza, é outro, como bem denunciou Carvalho da Silva, antigo líder da CGTP, em entrevista ao JN/TSF.

Para salvar a democracia não basta uma maior participação. É necessário que essa participação seja mais esclarecida e menos deformada por falsidades ou preconceitos ideológicos. Não nos esqueçamos que foi democraticamente que Hitler conquistou o poder.

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Os nados mortos das unidades pastorais

O Pe. Tiago Freitas propõe um Colégio de Paróquias
Foto retirada daqui
O fim-de-semana foi de festa em três dioceses. Foi ordenado um padre em Évora, no sábado, e, no domingo, um em Setúbal e outro na Guarda. Serão seguramente poucos, dadas as necessidades de clero nestas dioceses.

“De facto, temos menos sacerdotes, mas passámos a ter o serviço pastoral dos Diáconos Permanentes. Temos menos sacerdotes e, por isso, precisamos de valorizar, cada vez mais, os diferentes ministérios e serviços laicais nas nossas comunidades”, reconheceu D. Manuel Felício, bispo da Guarda, numa mensagem sobre a última ordenação na diocese. É pena que os leigos só sejam valorizados devido à falta de clero. Como defendeu o Concílio Vaticano II, os leigos devem ter “funções próprias e indispensáveis à ação da Igreja” (Apostolicam actuositatem, nº1).

Para o bispo da Guarda a falta de padres “obriga a fazer funcionar mais e melhor as unidades pastorais”. Estas são um conjunto de paróquias, próximas e homogéneas, que organizam as suas atividades em conjunto. Mas isto, que é uma das últimas modas pastorais em Portugal, está longe de ter provado a sua eficácia e virtualidade.

O Pe. Tiago Freitas, da arquidiocese de Braga, estudou as paróquias e os contributos que os leigos são chamados a dar à pastoral do futuro. Na sua tese de doutoramento em Teologia Pastoral, defendida em Roma em 2017, critica as unidades pastorais por, na sua génese, estar a falta de clero e não a valorização dos membros das comunidades.

Constata-se, assim, em muitas dioceses portuguesas, que as unidades pastorais são um belo ideal, mas, não havendo a devida formação de base do clero e dos leigos para trabalharem em conjunto, nunca passarão disso. Quando são meros aglomerados de paróquias, com falta de clero e sem leigos empenhados, as unidades pastorais não passam de nados mortos. Ou seja: oportunidades perdidas.

quarta-feira, 26 de junho de 2024

A atualidade de ideias com milénios

Casa de Santa Rafaela Maria, em Palmela
Foto: Irene Guia retirada daqui
Olhar para a criação como um templo pode levar um crente a retirar diferentes consequências para a sua vida. Um israelita deportado para a Assíria (séc. VIII a.c.), ou no exílio da Babilónia (séc. VI a.c.), sem acesso ao templo, vai desenvolver a narrativa do mundo como o templo de Deus, plasmada na primeira descrição da criação no livro do Génesis da Bíblia. É nesse templo que pode continuar a desenvolver a sua prática religiosa.

Dois mil e quinhentos anos depois, em 1905, Santa Rafaela Maria, a fundadora das Escravas do Sagrado Coração de Jesus, escreveu: “Estou neste mundo como num grande templo”.

Ela “escreveu esta frase nuns exercícios espirituais que fez numa fase difícil da sua vida”, explicou ao jornal digital “7 Margens” a irmã Irene Guia, da congregação de S. Rafaela. “Entrou para o retiro um bocadinho em baixo, mas, depois, sentiu-se revigorada – e usou esta expressão de estar no mundo como num grande templo”. E acrescentou na época S. Rafaela: “Como tal, devo ser sacerdote nele e oferecer sacrifícios de louvor”.

Inspirando-se nesta frase da fundadora, as Escravas promoveram, no passado sábado, uma tarde de reflexão na sua casa de Palmela. Os participantes puderam escutar diversas vozes, e ouviram até “os sem voz, os descartáveis de que fala o Papa, os invisíveis” falar sobre esse templo de Deus. Refletiu-se sobre a relação entre ecologia e a espiritualidade, sobre a “Economia de Francisco”, sobre o papel das artes na promoção dos direitos humanos. Falou-se também na proteção da casa comum e sobre aqueles que são marginalizados neste templo.

Não é fácil traduzir para os dias de hoje frases com décadas, com séculos ou milénios. Mas muitas delas podem iluminar os problemas do presente. Quem se empenhar em fazê-lo fica em melhores condições para dialogar com a cultura atual.