Foto: REUTERS/Stefano Rellandini (retirada daqui) |
Ao chegar ao final do ano é normal eleger-se a
figura e o acontecimento do ano. No âmbito eclesial e até mundial impôs-se a
figura do Papa Francisco. Várias publicações o escolheram como personalidade
que marcou o ano que agora termina.
Para além da Time, muitas outras publicações, como
a The New Yorker, a Vanity Fair, ou a Foreign Policy o incluíram nas listas das
individualidades que se destacaram em todo o mundo no último ano. Em Portugal,
várias, como aconteceu com o Correio da Manhã e a revista Sábado, também o
elegeram como figura do ano e não haverá nenhuma que não o tenha mencionado nas
suas listas de personalidades e acontecimentos de 2013.
Todavia, este “efeito Francisco”, como já foi
apelidado nos meios de comunicação social, só foi possível graças à resignação
de Bento XVI. Esse acontecimento não tem sido devidamente realçado, mas terá
sido o mais significativo para a Igreja e para o seu futuro. Não só por ter
aberto caminho ao cardeal vindo do “fim do mundo”, mas, sobretudo, por ter
contribuído para uma nova conceção do papado.
Paulo VI terá colocado a hipótese de resignar,
quando se sentiu mais debilitado fisicamente, por fidelidade à doutrina
conciliar. O Concílio impôs aos bispos que “vendo-se menos aptos para exercer o
seu ministério por motivo de idade avançada ou por outra causa grave apresentem
a renúncia do seu cargo” (Decreto sobre o Múnus Pastoral dos Bispos, nº 21). Paulo
VI acabou por não resignar porque, entretanto, deu-se o rapto do
primeiro-ministro italiano Aldo Moro e decidiu permanecer para ajudar a superar
essa crise com a sua intervenção.
Caberá ao cardeal Ratzinger dar esse testemunho,
ele que foi um dos teólogos mais influentes na reflexão conciliar. Ao
renunciar, assume a sua fragilidade e, em sintonia com a perspetiva conciliar,
como qualquer outro bispo, renuncia ao seu ministério, para que outro possa
tomar o leme da Barca de Pedro e conduzi-la neste conturbado contexto da
pós-modernidade. O Papa Francisco, que gosta de se apresentar como bispo de Roma,
está a fazê-lo de forma admirável. A resignação de Bento XVI está na sua génese
e, não só por isso, pode ser considerada o acontecimento eclesial mais relevante
de 2013.
(Texto publicado no Correio da Manhã de 27/12/2013)