quarta-feira, 11 de junho de 2025

Papa quer “ginásios” da sinodalidade

Promover uma Igreja mais sinodal foi uma prioridade para o Papa Francisco. Leão XIV tem referido por diversas vezes a sinodalidade, tão querida ao seu antecessor: na homilia da Vigília do Pentecostes, no sábado, contou que foi essa palavra que lhe veio à mente quando assomou, pela primeira vez, à varanda da Basílica de S. Pedro. E aproveitou para aprofundar o tema, dando-lhe o seu cunho pessoal.

Nesta homilia, se dúvidas havia, ficou claro que Leão XIV procurará dar continuidade ao dinamismo sinodal, o qual não é uma invenção do Papa Francisco, nem de Paulo VI, que criou o Sínodo dos Bispos, mas uma característica essencial da Igreja desde os seus inícios. Sem ela “tudo murcha”, disse o Papa. Ou seja, para Leão XIV é decisiva para a vitalidade e rejuvenescimento das comunidades cristãs.

O problema da sinodalidade é semelhante ao da democracia – não se impõe por decreto, antes conquista-se e cultiva-se. Para a implementar e promover no seio da Igreja, não basta o empenho do Papa: é necessária a corresponsabilidade de todos os fiéis, sejam eles leigos, religiosos ou ordenados.

Aos leigos e religiosos é pedido que se comprometam nas decisões a tomar nas suas comunidades e que não estejam à espera que os seus superiores ou pastores decidam por eles. Aos pastores e superiores exige-se que não imponham as suas decisões, mas que, em conjunto com aqueles que lhe estão confiados, procurem discernir o que o Espírito Santo lhes pede que implementem nas suas comunidades.

A todos exige-se uma docilidade ao Espírito e uma cultura sinodal que só poderão adquirir com treino. Entende-se assim o desejo do Papa de que todas as comunidades “sejam ginásios de fraternidade e participação, não apenas locais de encontro, mas lugares de espiritualidade”. Os espíritos da Igreja têm de treinar muito. Bem precisam...

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Servir uma “igreja extrovertida”

Leão XIV ordena 11 presbíteros para a diocese de Roma

Aos poucos, o Papa Leão XIV vai demonstrando quais são as suas preocupações para o mundo e para a Igreja. Muitas delas estão em linha com o que o Papa Francisco defendia, ainda que sejam apresentadas com uma nova roupagem e acrescentando-lhe inquietações próprias do novo Pontífice.

Este sábado, na homilia da ordenação de 11 padres para a diocese de Roma, o Papa voltou a falar da unidade da Igreja. Não uma unidade monolítica, mas “dinâmica” – poliédrica, diria Francisco – porque o “povo de Deus” é constituído por pessoas diferentes, com diferentes carismas, que contribuem para o enriquecimento do todo.

O conceito de “povo de Deus” proposto pelo Concílio Vaticano II é decisivo para a compreender a missão que é confiada aos ministros ordenados. Eles são chamados a servir esse povo, “pessoas de carne e osso”, que o Pai coloca no seu caminho. “Consagrai-vos a elas, sem vos separar delas, sem vos isolardes, sem fazer do dom recebido uma espécie de privilégio”, pediu o bispo de Roma aos novos padres da sua diocese.

Para o atual Papa, a “Igreja é constitutivamente extrovertida”. Leão XIV está a reelaborar o conceito tantas vezes proposto por Francisco de uma “Igreja em saída”, pedindo aos recém-ordenados que imitem Jesus, o qual saiu do Pai para vir ao encontro da humanidade. O bispo de Roma pede aos novos padres o mesmo dinamismo missionário.

Nesta ocasião, o Papa frisou a necessidade de restaurar a credibilidade da Igreja e assumiu o compromisso de, “com todos”, reconstruir “a credibilidade de uma Igreja ferida, enviada a uma humanidade ferida, no seio de uma criação ferida”.

Restaurar a confiabilidade da Igreja depende muito da forma como os seus ministros a servem, ou se servem dela. Leão XIV tem essa noção e, por isso, exprimiu essa sua preocupação precisamente no contexto de uma ordenação sacerdotal.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 04/06/2025)

quarta-feira, 28 de maio de 2025

O caráter materno da Igreja em Leão XIV


A sé ou catedral de uma diocese é assim denominada porque nela se encontra a cadeira – sede ou cátedra – do seu bispo titular. No caso da diocese de Roma, essa igreja não é a Basílica de S. Pedro, mas a Basílica de S. João de Latrão.

A catedral é considerada a mãe de todas as igrejas da respetiva diocese. A Basílica de Latrão ostenta na sua fachada o título de Mater omnium Ecclesiarum (Mãe de todas as Igrejas), como lembrou o Papa Leão XIV, este domingo, quando assumiu solenemente a diocese de Roma. Esse título refere-se não apenas às igrejas da diocese de Roma, mas de todo o mundo.

Na homilia dessa celebração de tomada de posse da cátedra de S. João de Latrão, Leão XIV recuperou as reflexões do seu antecessor, o Papa Francisco, sobre a dimensão materna da Igreja, cujas características seriam “a ternura, a disponibilidade para o sacrifício e a capacidade de escuta que permite, não só socorrer, mas muitas vezes prover às necessidades e às expectativas, antes mesmo que sejam manifestadas”.

O desejo do novo bispo de Roma é que essas características cresçam e se desenvolvam, não só entre os seus diocesanos romanos, mas também entre todos os católicos do mundo, a começar por ele. Leão XIV, ao assumir a diocese de Roma, disponibilizou-se para fazer caminho com os seus diocesanos e assumir as suas “alegrias e dores, fadigas e esperanças”. Assumiu como suas as palavras de João Paulo I que, quando tomou posse da Basílica de Latrão, disse: “Posso assegurar-vos que vos amo, que desejo apenas estar ao vosso serviço e colocar à disposição de todos as minhas pobres forças, o pouco que tenho e que sou”.

Este Papa demonstra, não só uma profunda humildade em relação aos seus antecessores, mas também a preocupação de, sem os imitar, dar continuidade aos seus pontificados. Ao de Francisco, principalmente.

quarta-feira, 21 de maio de 2025

A nova missão da Igreja nas redes sociais

A Internet e, sobretudo, as redes sociais, pela quantidade de informação que difundem geram nas pessoas a sensação de que estão mais informadas do que no passado. O problema é que muita dessa informação é falsa, manipulada e disseminada sem qualquer escrutínio deontológico e de difícil controle legal. Acaba por ser consumida de forma acrítica e assumida como verdadeira, principalmente quando confirma algumas das sensações ou crenças dos que a procuram.

Quem domina estas plataformas, e os algoritmos que as gerem, controla também o que chega aos seus utilizadores, induzindo o que quer que eles vejam prioritariamente. Tem o poder de promover, não só a desinformação entre os que as frequentam, mas também a formatação do seu pensamento e a adesão às ideias que quer propagar.

Dada a atratividade dos discursos populistas, os quais se caracterizam por apresentar soluções fáceis para questões complexas e apontar bodes expiatórios para os problemas que afetam as sociedades, as redes sociais são também um meio propício para os divulgar e arregimentar seguidores e votantes.

Os conteúdos das redes não são sujeitos a qualquer tipo de controle sobre a sua veracidade. Verifica-se até que, quando as falsidades são denunciadas, as denúncias acabam por, ou não chegar a quem as recebeu, ou não serem acolhidas por aqueles que foram primeiro convencidos da sua veracidade.

O cardeal Robert Francis Prevost escolheu o nome de Leão porque – explicou ele aos cardeais que o elegeram – tal como Leão XIII defendeu a dignidade humana quando ela era posta em causa pela revolução industrial, ele quer agora fazer o mesmo no contexto de uma transição digital que está a ser ameaçada pela “ditadura do algoritmo”.

Leão XIV é o primeiro Papa que já utilizava as redes sociais quando era cardeal. Como é sabido, denunciou as falsidades ali colocadas, por exemplo, pelo vice-presidente norte-americano J. D. Vance. Fê-lo quando este as apresentava como decorrentes da sua fé católica a que recentemente se converteu.

Se voltar a intervir, agora o Papa terá de o fazer de forma mais diplomática do que quando era apenas o cardeal Prevost. Compete, por isso, aos católicos darem continuidade ao exemplo que o cardeal deu de uma presença mais incisiva. Faz hoje parte da missão da Igreja a pedagogia do bom uso das tecnologias, devendo empenhar-se na defesa da verdade e na denúncia perante os fiéis das falsidades que nelas circulam.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 21/05/2025)

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Cumprir Francisco com um traço de Leão

Foto oficial, assinatura e brasão de Leão XIV
Foto Vatican News
Um novo Papa enriquece a Igreja com a sua originalidade. Francisco significou uma lufada de ar fresco vinda do “fim do mundo” e promoveu uma série de reformas que carecem de ser consolidadas e até ampliadas. Espera-se que Leão XIV lhes dê continuidade, acrescentado o estilo próprio de alguém a quem se reconhecem algumas semelhanças com Francisco – e também diferenças evidentes.

Tal como Francisco, apesar de ser americano de nascimento, o cardeal Robert Francis Prevost é europeu e latino na sua ascendência. Não viveu sempre no sul do continente americano, como Jorge Mario Bergoglio, mas dedicou mais de vinte anos da sua atividade pastoral a uma região periférica do Perú.

O cardeal Bergoglio não tinha qualquer experiência da Cúria Romana, a não ser passagens esporádicas pelo Vaticano. Prevost foi, nos último dois anos, prefeito do Dicastério para os Bispos. Tem, por isso, um melhor conhecimento do funcionamento do governo central da Igreja e mais facilmente poderá identificar o que será preciso corrigir.

Ainda nem 48 horas tinham passado sobre a sua eleição e já Leão XIV estabelecia, numa reunião de três horas com os cardeais, duas linhas de ação para a reforma da Cúria: melhorar a comunicação institucional e promover uma melhor coordenação entre os diversos Dicastérios, com reuniões periódicas dos seus prefeitos. Uma espécie de “conselho de ministros”. Até aqui, os diversos órgãos de governo da Santa Sé funcionaram autonomamente com pouca coordenação ou partilha de informações entre si.

Desde a primeira hora, Leão XIV deixou claro que dará continuidade à renovação da Igreja em chave sinodal, introduzida por Francisco, porque a referiu explicitamente no seu primeiro discurso. Contudo, deu também sinais claros de que não a implementará do mesmo modo. Ainda faltam dados para perceber o novo rumo.

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Escolher o continuador de Francisco

Inicia-se hoje o conclave para eleger o bispo de Roma que será o 267.º Papa da Igreja Católica. Os cardeais eleitores – com menos de 80 anos – oriundos de 70 países formam o colégio cardinalício com maior diversidade desde sempre. Estiveram representados 52 países em 2005 e 48 em 2013, pelo que é muito difícil prever quem será o próximo Papa.

As informações que vão chegando do Vaticano dizem que os cardeais estão empenhados em escolher alguém que dê continuidade às reformas introduzidas por Francisco e ao dinamismo sinodal por ele suscitado na vida da Igreja. Nas congregações gerais – as reuniões com todos os cardeais que antecedem o conclave – foi referido o desejo de muitos participantes que “o próximo Papa tenha um espírito profético, capaz de guiar uma Igreja que não se feche sobre si própria, que saiba sair e levar a luz a um Mundo sem esperança”, segundo um comunicado de imprensa da Santa Sé.

Procura-se um Papa que prossiga, em termos bergoglianos, a promoção de uma “Igreja em saída”. Bergoglio já dizia em Buenos Aires que preferia “uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (Evangelii Gaudium, n.º 49).

Poderá acontecer que um cardeal claramente alinhado com Francisco não consiga obter os dois terços necessários de votos. Então os cardeais terão de encontrar alguém que, ainda que mais moderado, garanta a consolidação do caminho iniciado pelo antecessor.

Caso seja eleito alguém que procure travar os processos lançados por Francisco, isso significará um retrocesso no dinamismo que ele promoveu na Igreja. Nesse caso, os cardeais escolhidos por Bergoglio (108 dos 133 eleitores) estariam desalinhados com o pensamento de quem os nomeou. Tudo indica que tal não acontecerá.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

No funeral, os últimos foram os primeiros

Os pobres na escadaria de S. Maria Maior à espera do Papa
Os últimos a despedirem-se do Papa Francisco foram um grupo de quarenta pessoas entre os quais migrantes, sem-abrigo, reclusos ou transsexuais, em representação daqueles que tiveram sempre o primeiro lugar no coração de Francisco: os mais pobres. Acolheram os restos mortais do Papa na escadaria da Basílica de S. Maria Maior e acompanharam-nos até ao túmulo.

Foram eles que ditaram a escolha do nome Francisco. Dias após a sua eleição, ele próprio revelou aos jornalistas que o cardeal brasileiro Cláudio Hummes lhe tinha recomendado que não esquecesse os pobres. Foi isso que o levou a escolher o nome do “Poverello de Assis”.

Contudo, mais importante do que a escolha do nome, foi a sua reiterada opção preferencial pelos mais pobres, aos quais sempre dedicou particular atenção. Se há palavras que caracterizam o seu pontificado, são as das denúncias das situações em que tantos homens e mulheres foram descartados pela sociedade.

A esta prioridade ficou intimamente ligado um conceito que ele repetiu muitas vezes: as periferias existenciais e geográficas. Francisco procurou sempre incluir e aproximar-se daqueles que estavam mais distantes. Ao ponto de, na Evangelii Gaudium, a sua Exortação Apostólica programática, pedir uma “Igreja em saída” que vá ao encontro daqueles que andam longe, que se antecipe às necessidades de todos. Introduziu mesmo um neologismo: “primeiriar”.

A “guarda de honra” que acompanhou o caixão foi uma ideia de D. Benoni Ambarus, delegado para sector da caridade do episcopado italiano. Foi acolhida por quem organizou o funeral porque traduziu bem aquela que foi a preocupação do Papa até ao fim do seu Pontificado: que os últimos fossem os primeiros. Do funeral para a práxis dos pastores, que estes primeiros o continuem a ser na atenção e nas iniciativas eclesiais.

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Francisco despojado na vida e na morte

O Papa Francisco procurou exercer a liderança da Igreja Católica com uma simplicidade e proximidade que surpreendeu e fascinou muitos crentes e não crentes.

Na sua primeira aparição pública após a eleição, na varanda de S. Pedro, o novo Papa surgiu sem os vermelhos da romeira e estola pontifícia, previstos pelo protocolo, envergando apenas as vestes brancas papais. Apresentou-se como “bispo de Roma”, perante a multidão que o aclamava. Depois, no Anuário Pontifício, determinou que aparecesse apenas como “Francisco, bispo de Roma”. Todos os títulos históricos, como o de Sumo Pontífice, ficaram relegados para outra página. 

Desde o início, Jorge Mario Bergoglio deu sinais claros de que preferia uma Igreja despida do supérfluo, da sumptuosidade, de tudo aquilo que complica o anúncio de um Jesus Cristo pobre e humilde. Já se sabia que pretendia ser sepultado na Basílica de S. Maria Maior, em Roma. Soube-se agora que deixou escrito que o “túmulo deve ser no chão; simples, sem decoração especial e com uma única inscrição: Franciscus”. Determinou também que se localizasse num corredor lateral, próximo do altar onde se encontra o ícone bizantino “Salus Populi Romani” (Protetora do Povo Romano), no qual é representada a Virgem Maria com o Menino Jesus ao colo. 

Diante dessa imagem rezou muitas vezes quando era cardeal. Como Papa, antes de todas as viagens, ali se deslocava para invocar a proteção da Virgem Maria. No regresso, passava por lá para lhe agradecer “o dócil e materno cuidado”, como refere no testamento agora revelado. 

As disposições testamentárias de Francisco para a sua sepultura confirmam o desprendimento com que surpreendeu o Mundo no início do Pontificado. Um despojamento que caracterizou estes 12 anos em que calçou as Sandálias do Pescador e que perdurará para além da sua morte.

terça-feira, 22 de abril de 2025

A Igreja precisa de um Paulo VII

Papa Francisco no dia da sua eleição (13/03/2013)
Com a morte do Papa Francisco é mais uma voz que se cala na defesa dos mais pobres, dos refugiados, daqueles que são estigmatizados mesmo dentro da Igreja. Cala-se uma voz que teve a coragem de denunciar uma “economia que mata” e a insanidade da guerra.

As últimas palavras proclamadas em seu nome na bênção Urbi et Orbi, domingo no Vaticano, acabariam por ser o último grito de condenação da “corrida generalizada ao armamento” e em defesa da paz: “Apelo a todos os que, no Mundo, têm responsabilidades políticas para que não cedam à lógica do medo que fecha, mas usem os recursos disponíveis para ajudar os necessitados, combater a fome e promover iniciativas que favoreçam o desenvolvimento. Estas são as ‘armas’ da paz: aquelas que constroem o futuro, em vez de espalhar morte!”

Em contra corrente com o que acontece no Mundo, o Papa denunciou que “não é possível haver paz onde não há liberdade religiosa, ou onde não há liberdade de pensamento nem de expressão, nem respeito pela opinião dos outros”.

Antes, num Mundo envolto em incertezas, o Papa convocou a Igreja para o Jubileu da Esperança. É esta precisamente a palavra que dá título à sua autobiografia recente, na qual ele, humildemente, se assume como “apenas um passo” na caminhada da Igreja.

Na verdade Francisco não foi apenas mais um passo – mas foi o primeiro passo na renovação da Igreja em muitos âmbitos. Nomeou cardeais, por exemplo, em países que nunca tinham sido agraciados com essa distinção. Confiou a mulheres cargos que tradicionalmente eram entregues a clérigos. O Sínodo dos Bispos deixou de ser exclusivamente clerical, em que se ratificavam as ideias do Papa, para se converter na oportunidade de escutar todos e acolher as suas sugestões para a reforma da Igreja.

Um dos maiores desafios que o Papa deixa à Igreja é, precisamente, dar continuidade à renovação sinodal em que ele tanto se empenhou até aos últimos dias de vida. Foi a partir do hospital, há pouco mais de um mês, que convocou uma assembleia de toda a Igreja Católica para outubro de 2028.

Espera-se que o seu sucessor incremente este dinamismo na Igreja. Da mesma forma que Paulo VI não deixou que se travasse o impulso reformista do Concílio Vaticano II convocado por João XXIII, a Igreja precisa agora de um “Paulo VII” que assuma e institucionalize a dinâmica sinodal introduzida por Francisco.

O Papa Francisco lançou processos em ordem a uma “Igreja em saída”, que reclama pastores com “cheiro a ovelhas”. Compete ao seu sucessor consolidá-los e torná-los irreversíveis.


quarta-feira, 16 de abril de 2025

Um relato da Ressurreição pouco eficaz

Aparição de Jesus Cristo a Maria Madalena, de Alexander Andreyevich Ivanov (1835)
Os discípulos de Jesus acreditaram que ele os libertaria do domínio romano. Porém, ele acabou por ser sentenciado à morte na cruz por esse mesmo poder. Na manhã de Páscoa, os apóstolos estão desiludidos e até regressam às suas anteriores ocupações: só quando se dá a Ressurreição eles fazem uma releitura dos acontecimentos que viveram e a sua vida transforma-se completamente. Agora, acreditam que nem o sofrimento nem a morte são a última palavra sobre a vida humana. E assumem a missão de o anunciar a todos.

É surpreendente a forma como os evangelistas relatam esse acontecimento que está na génese do cristianismo. São as mulheres as primeiras testemunhas da ressurreição! Não era a escolha útil para dar maior credibilidade aos seus relatos, dado que naquele tempo o seu testemunho nem era aceite pelos tribunais.

Deus, por seu lado, também não se esforçou em dar uma maior eficácia à Ressurreição. Em vez de aparecer a algumas mulheres e a um grupo de seguidores que se dispersaram às primeiras dificuldades, poderia ter aparecido a outras personagens que conferissem uma maior credibilidade ao ressuscitado. A Pilatos que o tinha interrogado, por exemplo, para lhe provar que afinal tinha mais poder do que ele pensava. Ou a Herodes, que para gozar com ele o cobriu com um manto. Ou então ao sumo sacerdote e aos fariseus, para verem quão viciado tinha sido o julgamento a que o submeteram.

Não foi essa, todavia, a forma de proceder do Deus de Jesus Cristo. Ele não se impõe, propõe-se. Respeita a liberdade humana de o acolher ou de o rejeitar. De aderir a um projeto de vida com sentido ou acomodar-se à ausência dele.

À Igreja compete hoje dar continuidade ao anúncio que fizeram as primeiras testemunhas da Ressurreição. Dar sentido à vida humana. Quando não o faz está a ser infiel à sua génese.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Papa: um doente entre os doentes

Já se sabia que o Papa Francisco se faria representar este domingo no Jubileu dos enfermos e do mundo da saúde pelo arcebispo Rino Fisichella. Sabia-se, como vem sendo habitual neste período da convalescença do Papa, que seriam lidas as suas palavras dirigidas aos enfermos na homilia da missa.

Surpreendente foi o Papa ter aparecido em pessoa na Praça de S. Pedro, ainda que de cadeira de rodas e ligado ao oxigénio, para saudar os peregrinos e endereçar-lhes umas palavras, ainda que breves, de viva-voz: “Bom domingo a todos, muito obrigado”.

 Foi mais um enfermo no meio dos enfermos a celebrar o Jubileu da Esperança. Soube-se também que o Papa se confessou, rezou e passou pela Porta Santa, cumprindo assim os procedimentos propostos aos fiéis nas celebrações jubilares.

Na homilia os peregrinos já tinham ouvido as palavras do Papa expressando a sua solidariedade e proximidade aos enfermos. “Convosco, queridos irmãos e irmãs doentes, neste momento da minha vida, estou a partilhar muito: a experiência da enfermidade, de nos sentirmos frágeis, de depender dos outros em tantas coisas, de precisar de apoio”.

Nesta missa o Papa reconhecia que não é fácil acolher e aceitar a doença, mas considerou-a “uma escola na qual aprendemos todos os dias a amar e a deixarmo-nos amar, sem exigir nem recusar, sem lamentar nem desesperar, agradecidos a Deus e aos irmãos pelo bem que recebemos, abertos e confiantes no que ainda está para vir”.

O testemunho de Francisco ganha maior credibilidade porque é dito a partir da experiência que está a fazer da enfermidade. É sempre melhor ouvir os pastores falarem desde as suas vivências do que dos conhecimentos teóricos que porventura tenham acumulado ao longo da vida. Para aqueles que temos a obrigação de nos dirigir aos fiéis, é um desafio situarmo-nos aí quando falamos.

quarta-feira, 2 de abril de 2025

O Papa experimentou a angústia de morrer

 O Papa Francisco na varanda do Hospital Gemelli, quando teve alta.
O Papa Francisco correu perigo de vida. Na tarde de 28 de fevereiro, a sua situação agravou-se e soube que podia morrer. Pediu aos médicos que fizessem tudo para o salvarem, como revelou ao jornal italiano “Corriere della Sera” 
 Sergio Alfieri, médico do Papa. Foi a vontade de viver e a oração dos crentes que salvaram o Papa, diz este médico que o acompanhou no hospital Gemeli. “Acho que o facto de o mundo inteiro estar a rezar por ele também contribuiu para isso”, disse.

Há quem estranhe que os católicos se agarrem à vida, já que, como dizem, acreditam que vão para uma situação melhor junto de Deus. Porque não se deixam morrer, então?

A vida de S. Inácio de Loiola, fundador dos jesuítas, regista um diálogo com o Pe. Laynez que viria a sucedê-lo como Geral da Companhia de Jesus.

– Se Deus, pergunta Inácio, te propusesse ir agora mesmo para o céu, assegurando a tua salvação, ou continuar na terra a trabalhar para a sua glória, que escolherias?

– A primeira, sem dúvida, responde Laynez.

– Eu, a segunda hipótese, replica Inácio. Achas que Deus vai permitir a minha condenação aproveitando-se de uma prévia generosidade minha?

Tal como Inácio, de que é seguidor enquanto jesuíta, Jorge Mario Bergoglio habituou-se a ir à luta em vez de desistir e seguir o caminho mais cómodo e confortável. Neste momento particularmente difícil da sua vida, o Papa revestiu-se da determinação inaciana e fez tudo o que estava ao seu alcance para continuar a viver. Entregou-se nas mãos dos médicos que, por seu lado, utilizaram todos os medicamentos e terapias possíveis para lhe curar os pulmões, mesmo correndo riscos de danificar outros órgãos, como reconheceu Sergio Alfieri.

Graças à sua determinação, à dedicação dos médicos e, para o crente, à oração dos fiéis, Deus concedeu ao Papa mais algum tempo de vida.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 02/04/2025)

quarta-feira, 26 de março de 2025

As estatísticas valem o que valem

Nem tudo está tão mal na Igreja Católica como, por vezes, se quer fazer crer. Os dados estatísticos da Santa Sé, publicados há dias, revelam um aumento do número de católicos em todo o Mundo. Já ultrapassam os 1400 milhões, aumentaram quase 20 milhões no biénio de 2022-23, um crescimento de 1,15%. Confirma-se a tendência dos últimos anos.

Os dados revelam que os continentes onde mais cresce a população católica continuam a ser a África e a Ásia. Na Europa é onde se verifica o menor crescimento, fruto também da diminuição da população e do seu envelhecimento.

Em relação ao número de padres, verifica-se que este diminui ligeiramente: 0,2%. No final de 2023 eram 406 996, menos 734 que no ano anterior. Contudo, a diminuição dos padres não ocorreu em todos os continentes. Em África e na Ásia, tiveram aumentos de 2,7% e de 1,6%, respetivamente. Na Europa foi onde se verificou a maior quebra.

As estatísticas permitem muitas leituras. Para um cristão, nem os sucessos devem esmorecer o dinamismo missionário de contagiar outros com a Boa Nova, nem os insucessos são motivo de desânimo. A sua fé, aliás, apoia-se num fracasso que se converteu em vitória: a paixão, morte e ressurreição de Jesus, a qual voltaremos a celebrar dentro em breve.

Para a Igreja os insucessos constituirão sempre um desafio a ir mais longe, ou a inovar nos métodos. Foi o que aconteceu a Pedro: depois de uma noite sem nada pescar, Jesus disse-lhe para se fazer ao largo e deitar as redes para o outro lado.

Os períodos de sucesso também podem conter perigos e traições no seu seio. Veja-se o que sucedeu à Igreja quando, em tempos de cristandade, se deixou corromper pelo poder e pelas lógicas mundanas.

Os seguidores de Jesus não trabalham para as estatísticas. Mas, sendo elas um termómetro da sua ação no Mundo, não devem ser menosprezadas.

quarta-feira, 19 de março de 2025

Ouvir todos para o bem da Igreja

Completam-se hoje 12 anos sobre o início solene do ministério petrino do Papa Francisco, que vive uma etapa difícil do seu Pontificado. Na quinta-feira passada celebrou pela primeira vez o aniversário da sua eleição no hospital. “Estou a passar por um período de provação e uno-me a tantos irmãos e irmãs doentes: frágeis, neste momento, como eu”, reconheceu o Papa na mensagem que enviou do hospital para ser lida na oração do “Angelus” do último domingo.

Ainda que afastado de muitas das suas atividades pastorais, o Papa é “um exemplo de fé, esperança e resiliência, com o seu olhar de pastor sempre voltado para o rebanho”, referiu há dias o vaticanista Salvatore Cernuzio. A partir do hospital, o Papa continua a garantir os atos essenciais de governo da Igreja e a acompanhar e a estimular a dinâmica sinodal por ele implementada na Igreja.

No sábado foi divulgada a sua última iniciativa para que o caminho sinodal continue. Convocou uma assembleia eclesial de toda a Igreja Católica para outubro de 2028 no Vaticano. Até lá, durante os próximos anos, a Secretaria do Sínodo deverá acompanhar e dinamizar as igrejas locais para que não esmoreça nem a reflexão, nem o debate, nem a procura de soluções para os problemas da Igreja.

Durante estes dias, fizeram-se muitas avaliações dos 12 anos de Francisco ao leme da barca de Pedro. Como é normal, vários consideram que o Papa avançou de mais em determinadas matérias, como o acolhimento dos divorciados. Outros, sentem que ainda se poderia ter ido mais longe em matérias como a ordenação das mulheres.

O Papa acredita numa Igreja que se deixa interpelar pelos desafios próprios de cada época. Que tem a preocupação de escutar a todos e acolher as opiniões de todos. Não para corresponder a todos os anseios, mas para discernir o melhor caminho para toda a Igreja.

quarta-feira, 12 de março de 2025

Colher a verdade onde se semeia a mentira

Chequeado, uma ONG argentina que verifica
a veracidade das informações que circulam na rede
Nem tudo o que vem à rede é peixe. Ou seja, nem tudo o que se publica na rede é verdade. Aliás, são cada vez mais as mentiras que se publicam e disseminam na Internet. Na semana passada chegou-me, através de um grupo numa rede social, uma suposta reflexão do Papa Francisco sobre os hospitais.

O tom e o estilo são de facto próximos daquilo a que nos habituou o Papa. O texto abria com a afirmação, a ele atribuída, de que “as paredes dos hospitais escutam orações mais autênticas que muitas igrejas”. Continuava com uma declaração provocatória, muito ao estilo de Francisco: “É no hospital onde se pode ver um homofóbico a ser salvo por um médico gay. Onde uma médica da classe alta salva a vida de um mendigo… Onde, na UCI, um judeu cuida de um racista…”

Não era referida nessa publicação onde Francisco teria proferido aquelas palavras. Fui pesquisar, para ter acesso ao texto original e à citação do tal discurso. Foi então que descobri que era falso graças a uma organização argentina, denominada “Chequeado”, uma organização não governamental, que se dedica a verificar a veracidade das informações que circulam na rede. A “Chequeado” acredita que, desta forma, contribui “para melhorar a qualidade do debate público” e “fortalecer o sistema democrático”.

Neste caso, a notícia falsa não parece à partida degradar o debate público, até dá a ideia que o eleva. Tal só sucederia se provocasse, como é habitual nas redes sociais, um debate soez entre os que perfilham teses racistas e homofóbicas e aqueles que se reveem nas afirmações atribuídas ao Papa. 

Embora a Internet, em geral, e as redes sociais, em particular, promovam a disseminação de notícias falsas, há cada vez mais instrumentos fiáveis para desmontar a falsidade de forma rápida e eficaz. É a esses instrumentos que se deve recorrer cada vez mais.

quarta-feira, 5 de março de 2025

Um fim-de-semana sem telemóveis


Assume-se que os jovens são muito dependentes dos telemóveis e da conexão às redes sociais, mas não se lhes oferecem oportunidades para que se desconectem e possam viver outras experiências.

No contexto do Instituto Politécnico de Bragança (IPB), surgiu a ideia de promover um fim de semana de desintoxicação digital, com o objetivo de os alunos se desligarem das redes e se conectarem mais consigo próprios, fazendo uma experiência de interiorização. Demos-lhe o nome “Offline Weekend”.

Apesar de ser uma atividade promovida pela capelania do IPB, de que sou capelão, o desafio que me coloquei foi o de desenhar um fim de semana, para 15 estudantes. Aberto à participação de quem tivesse, ou não, qualquer filiação religiosa.

Não esperava uma elevada adesão, mas fui surpreendido com a inscrição de 58 estudantes. Foram selecionados 15 das seis escolas do IPB.

No passado fim de semana, acompanhei-os nesta atividade. Ia preparado para não levarem a sério os tempos de interiorização e que experimentassem alguma dificuldade em libertarem-se do telemóvel. No final, uma das participantes deixou este testemunho: “Posso afirmar que não senti necessidade de usar o telemóvel. Foi até mais fácil do que eu achei que seria”.

Vários expressaram que esta experiência os transformou e que gostariam de a repetir. “Carrego comigo a sensação de serenidade e um desejo ainda maior de cuidar de mim mesma”, concluía outra estudante. Um deles está mesmo convencido que saiu de lá “uma melhor pessoa”.

É louvável que a Igreja se esforce em estar presente nas redes sociais para dialogar com os jovens. Contudo deve, também, continuar a propor atividades que os ajudem a saborear as virtualidades de esporadicamente se desconectarem, para acederem a outras vivências. Como se viu, estas podem ser gratificantes e ajudá-los a viver melhor.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

O mundo e a Igreja ainda precisam do Papa

O mundo precisa de vozes como a do Papa Francisco. Vozes proféticas que denunciem a insanidade da guerra, a mercantilização das relações internacionais e a subalternização da dignidade da pessoa humana ao lucro. Vozes que defendam o planeta sem resvalarem para o fundamentalismo ecológico. Vozes que defendam a justiça social e denunciem a discriminação, sem descambarem no wokismo. Vozes que digam a verdade, num mundo que é inquinado pelas “fake news”.

Contudo, como muito bem sabe o Papa, ninguém é eterno. Contudo, não somos efémeros. “Nós não somos nem eternos nem efémeros”, disse-o numa homilia em S. Marta no dia 1 de fevereiro de 2018. Um texto que vale a pena revisitar neste contexto da sua fragilidade física.

A morte encarrega-se de nos recordar que não somos eternos, embora por vezes nos esqueçamos dessa realidade e até desejamos que algumas pessoas o sejam. Esta contingência humana, segundo o Papa, deve levar-nos a questionar: “Que herança eu deixarei como testemunho de vida?”

É difícil de mensurar o legado que Francisco deixará à Igreja e ao mundo. São tantos os dinamismos que suscitou e, na verdade, vários ainda não se cumpriram.

Todos os homens e mulheres de boa vontade desejam que o Papa Francisco possa, por mais algum tempo, continuar a ser a voz que denuncia a corrida aos armamentos e a insensatez da guerra, os extremismos e os fundamentalismos, a cultura do descartável e a devastação do planeta. Os católicos rezam para que recupere a saúde e possa, ainda, consolidar alguns dos processos de renovação que promoveu na Igreja.

Quando ele partir, muitos rezarão para que, à semelhança do que aconteceu com João XXIII, surja um Papa que dê continuidade às reformas introduzidas por Francisco e ao Sínodo, como Paulo VI deu continuidade ao Concílio Vaticano II. Alguns, provavelmente, não...

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 26/02/2025) 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

A cadeia deve ser lugar de esperança

As cadeias costumam ser lugares longe da vista e, ainda mais, longe do coração. O Papa Francisco, porém, tem tomado iniciativas para lhes dar mais visibilidade e proximidade afetiva. Como arcebispo de Buenos Aires, fazia numa prisão o Lava-Pés – a cerimónia de quinta-feira da Semana Santa que antecede a Páscoa – em vez de o fazer, como quase todos os bispos, na catedral. Continuou, como Papa, a fazê-lo em contexto prisional.

No início deste Jubileu da Esperança, o Papa fez questão, num gesto inédito, de abrir a segunda Porta Santa, logo a seguir à do Vaticano, na cadeia romana de Rebibbia. Agora, no contexto do Jubileu dos artistas e do mundo da cultura, que decorreu em Roma desde o dia 15 até ontem, foi inaugurada uma exposição do pintor chinês Yan Pei-Ming com 27 retratos de grandes dimensões de prisioneiros, guardas, voluntários, um médico e um capelão da cadeia. As obras foram também projetadas nas paredes da cadeia Regina Coeli de Roma, a que estão ligados os retratados.

Pretende-se com esta iniciativa “ajudar milhares de pessoas que passam diariamente em frente à prisão a ‘ver o invisível’ por detrás da fachada”, afirma o sítio Vatican News.

Quando abriu a Porta Santa na cadeia de Rebibbia o Papa pediu aos reclusos que não perdessem a esperança. Na homilia do Jubileu dos artistas – lida pelo cardeal José Tolentino de Mendonça, que o substituiu – disse que a missão dos artistas “não se limita a criar beleza, mas a revelar a verdade, a bondade e a beleza escondidas nos recantos da história, a dar voz a quem não tem voz, a transformar a dor em esperança”.

As cadeias, em vez de locais meramente punitivos, deveriam ser uma oportunidade de regeneração para aqueles que por lá passam. Devem converter-se em lugares em que renasce a esperança de uma vida melhor após o cumprimento da pena.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Na doença, escutar é melhor do que falar

Na doença pode experimentar-se o desânimo, o desespero ou a revolta perante a situação que se vive. Não é fácil transmitir esperança a quem sofre. O Papa Francisco está consciente desta dificuldade e ensaia uma resposta para as pessoas que vivem esta situação na mensagem para o Dia Mundial do Doente, que a Igreja Católica assinalou ontem.

O Papa propõe uma reflexão a partir das palavras de S. Paulo: “A esperança não engana” (Rm.5, 5). A que acrescenta: “e fortalece-nos nas tribulações”. Francisco reconhece que são “expressões reconfortantes”, mas difíceis de acolher por quem está gravemente doente.

Todos os que lidam com doentes experimentam a dificuldade em encontrar as palavras certas para lhes transmitir esperança. Alguns acreditam que o sofrimento tem um sentido. Os crentes refugiam-se, por vezes, em abordagens simplistas, como atribuir o sofrimento à vontade de Deus. Constrói-se, então, a imagem de um Deus sádico, que não é o Deus de Jesus Cristo.

Em Jesus Cristo descobrimos um Deus que assume a condição humana, que se faz próximo para combater o que faz sofrer as mulheres e os homens. Disso são testemunho todas as curas que realiza. Em Jesus Cristo revela-se um Deus que quer libertar a pessoa de todo o sofrimento e quer, até, que ela seja feliz para sempre.

O sofrimento não tem sentido nem é querido por Deus. O que tem sentido é a vida – e, quando ela é ameaçada pela doença, a pessoa que faz essa experiência pode então encontrar o verdadeiro sentido da existência.

Essa pessoa não precisa de ouvir palavras, precisa de se escutar. Por isso, faz pouco sentido procurar palavras para dar esperança a um doente: deve é estar-se disponível para o escutar e ajudá-lo a encontrar as respostas que ele próprio tem dentro de si.

Escutar é mais importante do que falar para dar esperança a quem sofre.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Igreja recupera a proteção das crianças

Papa com as crianças na cimeira a elas dedicada
Foto: Vatican News
A Igreja Católica procura sanar a ferida que os abusos sexuais de menores abriram e credibilizar-se na proteção das crianças. O Papa Francisco convocou peritos de diversas áreas para uma cimeira internacional a que deu o título: “Amemos e protejamos as crianças”. Na abertura dos trabalhos, que decorreram no Vaticano esta segunda-feira, o Papa denunciou a tragédia das “crianças a morrer debaixo das bombas, sacrificadas aos ídolos do poder, da ideologia e dos interesses nacionalistas”.

Esta iniciativa surge na sequência da proclamação do Dia Mundial da Criança, que se celebrou pela primeira vez a 25 e 26 de maio do ano passado. O Papa pretende dar continuidade à reflexão que se produziu na cimeira internacional com a publicação de uma Exortação Apostólica.

Com estas iniciativas o Papa recupera uma das mais relevantes atitudes de Jesus, registada pelo Evangelho: a atenção aos mais pequenos e, como consequência, a promoção da criança. Jesus chega mesmo a apresentá-las como modelo para aquele que queira entrar no Reino dos Céus (Cf. Mt. 18, 1-5). Acolhe-as e abençoa-as, quando os discípulos as consideravam um estorvo e as queriam enxotar (Cf. Mt, 19. 13-15).

Com o escândalo dos abusos de menores no seu interior, a Igreja foi delapidando este património evangélico de proteção e de promoção da criança. Mas tem, entretanto, dado passos seguros para recuperar a credibilidade perdida. Um caminho que se iniciou no pontificado de João Paulo II, aprofundou-se com a determinação de Bento XVI e a que o Papa Francisco tem dado continuidade.

Com a publicação da Exortação Apostólica, o Papa pretende estender a todo o mundo católico o compromisso com os Direitos da Criança. Só assim a Igreja se recolocará em sintonia com a práxis de Jesus, recuperando a credibilidade na proteção e na promoção dos mais pequenos.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

A Igreja não deve temer os jornalistas

O primeiro grande evento do Ano Santo, aberto pelo Papa Francisco na noite de Natal, foi dedicado aos média. Foi o Jubileu do mundo da comunicação, que reuniu no Vaticano, no passado sábado, milhares comunicadores vindos de 138 países.

O Jubileu é celebrado sob o lema da esperança. O Papa pediu aos comunicadores que contassem “histórias imbuídas de esperança” na mensagem deste ano para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, que a Igreja celebra a 24 de janeiro, dia do padroeiro dos comunicadores, S. Francisco de Sales.

No discurso preparado para o encontro com o mundo da comunicação – que o Papa acabou por não ler, mas confiou aos participantes no Jubileu da Comunicação – refere que “nem todas as histórias são boas, mas também elas devem ser narradas”.

Por vezes os jornalistas são incómodos para a Igreja por causa dos escândalos e das sombras que estes têm o dever deontológico de revelar e publicar. São temidos por isso – e muitos consideram que o fazem movidos pelo desejo de denegrir esta multisecular instituição.

A Igreja, porém, não deve temer os escândalos. E, muito menos, culpar o mensageiro por tudo o que de menos bom acontece no seu interior. Deve é tudo fazer para os evitar! Contudo, quando aquilo que é menos digno e que mancha a sua honorabilidade vier à luz do dia, não deve ter receio de se confrontar com a verdade do pecado que também a habita.

A denúncia dos escândalos no interior da Igreja pode ser dolorosa, mas tem significado quando aqueles são devidamente assumidos e tratados – uma purificação. Muitas vezes têm ajudado a Igreja a recuperar a fidelidade ao Evangelho e a sua credibilidade. Por isso, não se deve temer as perguntas incómodas dos jornalistas, mas sim agradecer o seu trabalho. Ele contribui para corrigir a sua institucional opacidade e para a sua regeneração.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Racismo e xenofobia não são católicos

Um cristão – e, sobretudo, um católico – não pode ser nem racista nem xenófobo. E um português não o deveria ser, pois somos um país de emigrantes, espalhados por todo o mundo. Gostamos de ser bem acolhidos e de não sermos discriminados.

A tradição judaico-cristã tem na sua génese uma postura de respeito pelo estrangeiro. O povo israelita foi emigrante na terra do Egito. O momento mais significativo da sua história é a sua libertação dessa terra da escravidão. Foi experiência inesquecível, devido à qual o livro do Êxodo determina: “Não usarás de violência contra o estrangeiro residente nem o oprimirás, porque foste estrangeiro residente na terra do Egito” (Ex. 22, 20).

A práxis de Jesus é acolher a todos. No Evangelho alguns estrangeiros são, até, apresentados como exemplos de fé, como é o caso da mulher cananeia (Mt. 15, 21-29), que pediu a cura da filha a Jesus, ou do centurião romano a quem curou o escravo (Lc. 7, 1-10). Na génese do cristianismo está a convicção de que “não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem e mulher” (Gál. 3,28), porque todos são filhos de Deus e, por isso, irmãos.

Aquele que professa a fé católica – ou seja: universal – também não poderá aceitar qualquer distinção, seja qual for a raça ou nacionalidade. Isso seria amputar a catolicidade da Igreja.

Um cristão, um católico e, sobretudo, um bispo, tendo em conta a tradição judaico-cristã, não tem outra alternativa a não ser colocar-se ao lado do migrante e o dever de condenar toda e qualquer atitude de racismo e de xenofobia. Não se entendem, por isso, as críticas e o desconforto que alguns manifestaram em relação às palavras de D. José Ornelas, bispo de Leiria-Fátima, de apoio e sintonia com aqueles que se manifestaram contra atitudes racistas e xenófobas que visaram imigrantes a viver em Portugal.