quarta-feira, 9 de abril de 2025

Papa: um doente entre os doentes

Já se sabia que o Papa Francisco se faria representar este domingo no Jubileu dos enfermos e do mundo da saúde pelo arcebispo Rino Fisichella. Sabia-se, como vem sendo habitual neste período da convalescença do Papa, que seriam lidas as suas palavras dirigidas aos enfermos na homilia da missa.

Surpreendente foi o Papa ter aparecido em pessoa na Praça de S. Pedro, ainda que de cadeira de rodas e ligado ao oxigénio, para saudar os peregrinos e endereçar-lhes umas palavras, ainda que breves, de viva-voz: “Bom domingo a todos, muito obrigado”.

 Foi mais um enfermo no meio dos enfermos a celebrar o Jubileu da Esperança. Soube-se também que o Papa se confessou, rezou e passou pela Porta Santa, cumprindo assim os procedimentos propostos aos fiéis nas celebrações jubilares.

Na homilia os peregrinos já tinham ouvido as palavras do Papa expressando a sua solidariedade e proximidade aos enfermos. “Convosco, queridos irmãos e irmãs doentes, neste momento da minha vida, estou a partilhar muito: a experiência da enfermidade, de nos sentirmos frágeis, de depender dos outros em tantas coisas, de precisar de apoio”.

Nesta missa o Papa reconhecia que não é fácil acolher e aceitar a doença, mas considerou-a “uma escola na qual aprendemos todos os dias a amar e a deixarmo-nos amar, sem exigir nem recusar, sem lamentar nem desesperar, agradecidos a Deus e aos irmãos pelo bem que recebemos, abertos e confiantes no que ainda está para vir”.

O testemunho de Francisco ganha maior credibilidade porque é dito a partir da experiência que está a fazer da enfermidade. É sempre melhor ouvir os pastores falarem desde as suas vivências do que dos conhecimentos teóricos que porventura tenham acumulado ao longo da vida. Para aqueles que temos a obrigação de nos dirigir aos fiéis, é um desafio situarmo-nos aí quando falamos.

quarta-feira, 2 de abril de 2025

O Papa experimentou a angústia de morrer

 O Papa Francisco na varanda do Hospital Gemelli, quando teve alta.
O Papa Francisco correu perigo de vida. Na tarde de 28 de fevereiro, a sua situação agravou-se e soube que podia morrer. Pediu aos médicos que fizessem tudo para o salvarem, como revelou ao jornal italiano “Corriere della Sera” 
 Sergio Alfieri, médico do Papa. Foi a vontade de viver e a oração dos crentes que salvaram o Papa, diz este médico que o acompanhou no hospital Gemeli. “Acho que o facto de o mundo inteiro estar a rezar por ele também contribuiu para isso”, disse.

Há quem estranhe que os católicos se agarrem à vida, já que, como dizem, acreditam que vão para uma situação melhor junto de Deus. Porque não se deixam morrer, então?

A vida de S. Inácio de Loiola, fundador dos jesuítas, regista um diálogo com o Pe. Laynez que viria a sucedê-lo como Geral da Companhia de Jesus.

– Se Deus, pergunta Inácio, te propusesse ir agora mesmo para o céu, assegurando a tua salvação, ou continuar na terra a trabalhar para a sua glória, que escolherias?

– A primeira, sem dúvida, responde Laynez.

– Eu, a segunda hipótese, replica Inácio. Achas que Deus vai permitir a minha condenação aproveitando-se de uma prévia generosidade minha?

Tal como Inácio, de que é seguidor enquanto jesuíta, Jorge Mario Bergoglio habituou-se a ir à luta em vez de desistir e seguir o caminho mais cómodo e confortável. Neste momento particularmente difícil da sua vida, o Papa revestiu-se da determinação inaciana e fez tudo o que estava ao seu alcance para continuar a viver. Entregou-se nas mãos dos médicos que, por seu lado, utilizaram todos os medicamentos e terapias possíveis para lhe curar os pulmões, mesmo correndo riscos de danificar outros órgãos, como reconheceu Sergio Alfieri.

Graças à sua determinação, à dedicação dos médicos e, para o crente, à oração dos fiéis, Deus concedeu ao Papa mais algum tempo de vida.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 02/04/2025)

quarta-feira, 26 de março de 2025

As estatísticas valem o que valem

Nem tudo está tão mal na Igreja Católica como, por vezes, se quer fazer crer. Os dados estatísticos da Santa Sé, publicados há dias, revelam um aumento do número de católicos em todo o Mundo. Já ultrapassam os 1400 milhões, aumentaram quase 20 milhões no biénio de 2022-23, um crescimento de 1,15%. Confirma-se a tendência dos últimos anos.

Os dados revelam que os continentes onde mais cresce a população católica continuam a ser a África e a Ásia. Na Europa é onde se verifica o menor crescimento, fruto também da diminuição da população e do seu envelhecimento.

Em relação ao número de padres, verifica-se que este diminui ligeiramente: 0,2%. No final de 2023 eram 406 996, menos 734 que no ano anterior. Contudo, a diminuição dos padres não ocorreu em todos os continentes. Em África e na Ásia, tiveram aumentos de 2,7% e de 1,6%, respetivamente. Na Europa foi onde se verificou a maior quebra.

As estatísticas permitem muitas leituras. Para um cristão, nem os sucessos devem esmorecer o dinamismo missionário de contagiar outros com a Boa Nova, nem os insucessos são motivo de desânimo. A sua fé, aliás, apoia-se num fracasso que se converteu em vitória: a paixão, morte e ressurreição de Jesus, a qual voltaremos a celebrar dentro em breve.

Para a Igreja os insucessos constituirão sempre um desafio a ir mais longe, ou a inovar nos métodos. Foi o que aconteceu a Pedro: depois de uma noite sem nada pescar, Jesus disse-lhe para se fazer ao largo e deitar as redes para o outro lado.

Os períodos de sucesso também podem conter perigos e traições no seu seio. Veja-se o que sucedeu à Igreja quando, em tempos de cristandade, se deixou corromper pelo poder e pelas lógicas mundanas.

Os seguidores de Jesus não trabalham para as estatísticas. Mas, sendo elas um termómetro da sua ação no Mundo, não devem ser menosprezadas.

quarta-feira, 19 de março de 2025

Ouvir todos para o bem da Igreja

Completam-se hoje 12 anos sobre o início solene do ministério petrino do Papa Francisco, que vive uma etapa difícil do seu Pontificado. Na quinta-feira passada celebrou pela primeira vez o aniversário da sua eleição no hospital. “Estou a passar por um período de provação e uno-me a tantos irmãos e irmãs doentes: frágeis, neste momento, como eu”, reconheceu o Papa na mensagem que enviou do hospital para ser lida na oração do “Angelus” do último domingo.

Ainda que afastado de muitas das suas atividades pastorais, o Papa é “um exemplo de fé, esperança e resiliência, com o seu olhar de pastor sempre voltado para o rebanho”, referiu há dias o vaticanista Salvatore Cernuzio. A partir do hospital, o Papa continua a garantir os atos essenciais de governo da Igreja e a acompanhar e a estimular a dinâmica sinodal por ele implementada na Igreja.

No sábado foi divulgada a sua última iniciativa para que o caminho sinodal continue. Convocou uma assembleia eclesial de toda a Igreja Católica para outubro de 2028 no Vaticano. Até lá, durante os próximos anos, a Secretaria do Sínodo deverá acompanhar e dinamizar as igrejas locais para que não esmoreça nem a reflexão, nem o debate, nem a procura de soluções para os problemas da Igreja.

Durante estes dias, fizeram-se muitas avaliações dos 12 anos de Francisco ao leme da barca de Pedro. Como é normal, vários consideram que o Papa avançou de mais em determinadas matérias, como o acolhimento dos divorciados. Outros, sentem que ainda se poderia ter ido mais longe em matérias como a ordenação das mulheres.

O Papa acredita numa Igreja que se deixa interpelar pelos desafios próprios de cada época. Que tem a preocupação de escutar a todos e acolher as opiniões de todos. Não para corresponder a todos os anseios, mas para discernir o melhor caminho para toda a Igreja.

quarta-feira, 12 de março de 2025

Colher a verdade onde se semeia a mentira

Chequeado, uma ONG argentina que verifica
a veracidade das informações que circulam na rede
Nem tudo o que vem à rede é peixe. Ou seja, nem tudo o que se publica na rede é verdade. Aliás, são cada vez mais as mentiras que se publicam e disseminam na Internet. Na semana passada chegou-me, através de um grupo numa rede social, uma suposta reflexão do Papa Francisco sobre os hospitais.

O tom e o estilo são de facto próximos daquilo a que nos habituou o Papa. O texto abria com a afirmação, a ele atribuída, de que “as paredes dos hospitais escutam orações mais autênticas que muitas igrejas”. Continuava com uma declaração provocatória, muito ao estilo de Francisco: “É no hospital onde se pode ver um homofóbico a ser salvo por um médico gay. Onde uma médica da classe alta salva a vida de um mendigo… Onde, na UCI, um judeu cuida de um racista…”

Não era referida nessa publicação onde Francisco teria proferido aquelas palavras. Fui pesquisar, para ter acesso ao texto original e à citação do tal discurso. Foi então que descobri que era falso graças a uma organização argentina, denominada “Chequeado”, uma organização não governamental, que se dedica a verificar a veracidade das informações que circulam na rede. A “Chequeado” acredita que, desta forma, contribui “para melhorar a qualidade do debate público” e “fortalecer o sistema democrático”.

Neste caso, a notícia falsa não parece à partida degradar o debate público, até dá a ideia que o eleva. Tal só sucederia se provocasse, como é habitual nas redes sociais, um debate soez entre os que perfilham teses racistas e homofóbicas e aqueles que se reveem nas afirmações atribuídas ao Papa. 

Embora a Internet, em geral, e as redes sociais, em particular, promovam a disseminação de notícias falsas, há cada vez mais instrumentos fiáveis para desmontar a falsidade de forma rápida e eficaz. É a esses instrumentos que se deve recorrer cada vez mais.

quarta-feira, 5 de março de 2025

Um fim-de-semana sem telemóveis


Assume-se que os jovens são muito dependentes dos telemóveis e da conexão às redes sociais, mas não se lhes oferecem oportunidades para que se desconectem e possam viver outras experiências.

No contexto do Instituto Politécnico de Bragança (IPB), surgiu a ideia de promover um fim de semana de desintoxicação digital, com o objetivo de os alunos se desligarem das redes e se conectarem mais consigo próprios, fazendo uma experiência de interiorização. Demos-lhe o nome “Offline Weekend”.

Apesar de ser uma atividade promovida pela capelania do IPB, de que sou capelão, o desafio que me coloquei foi o de desenhar um fim de semana, para 15 estudantes. Aberto à participação de quem tivesse, ou não, qualquer filiação religiosa.

Não esperava uma elevada adesão, mas fui surpreendido com a inscrição de 58 estudantes. Foram selecionados 15 das seis escolas do IPB.

No passado fim de semana, acompanhei-os nesta atividade. Ia preparado para não levarem a sério os tempos de interiorização e que experimentassem alguma dificuldade em libertarem-se do telemóvel. No final, uma das participantes deixou este testemunho: “Posso afirmar que não senti necessidade de usar o telemóvel. Foi até mais fácil do que eu achei que seria”.

Vários expressaram que esta experiência os transformou e que gostariam de a repetir. “Carrego comigo a sensação de serenidade e um desejo ainda maior de cuidar de mim mesma”, concluía outra estudante. Um deles está mesmo convencido que saiu de lá “uma melhor pessoa”.

É louvável que a Igreja se esforce em estar presente nas redes sociais para dialogar com os jovens. Contudo deve, também, continuar a propor atividades que os ajudem a saborear as virtualidades de esporadicamente se desconectarem, para acederem a outras vivências. Como se viu, estas podem ser gratificantes e ajudá-los a viver melhor.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

O mundo e a Igreja ainda precisam do Papa

O mundo precisa de vozes como a do Papa Francisco. Vozes proféticas que denunciem a insanidade da guerra, a mercantilização das relações internacionais e a subalternização da dignidade da pessoa humana ao lucro. Vozes que defendam o planeta sem resvalarem para o fundamentalismo ecológico. Vozes que defendam a justiça social e denunciem a discriminação, sem descambarem no wokismo. Vozes que digam a verdade, num mundo que é inquinado pelas “fake news”.

Contudo, como muito bem sabe o Papa, ninguém é eterno. Contudo, não somos efémeros. “Nós não somos nem eternos nem efémeros”, disse-o numa homilia em S. Marta no dia 1 de fevereiro de 2018. Um texto que vale a pena revisitar neste contexto da sua fragilidade física.

A morte encarrega-se de nos recordar que não somos eternos, embora por vezes nos esqueçamos dessa realidade e até desejamos que algumas pessoas o sejam. Esta contingência humana, segundo o Papa, deve levar-nos a questionar: “Que herança eu deixarei como testemunho de vida?”

É difícil de mensurar o legado que Francisco deixará à Igreja e ao mundo. São tantos os dinamismos que suscitou e, na verdade, vários ainda não se cumpriram.

Todos os homens e mulheres de boa vontade desejam que o Papa Francisco possa, por mais algum tempo, continuar a ser a voz que denuncia a corrida aos armamentos e a insensatez da guerra, os extremismos e os fundamentalismos, a cultura do descartável e a devastação do planeta. Os católicos rezam para que recupere a saúde e possa, ainda, consolidar alguns dos processos de renovação que promoveu na Igreja.

Quando ele partir, muitos rezarão para que, à semelhança do que aconteceu com João XXIII, surja um Papa que dê continuidade às reformas introduzidas por Francisco e ao Sínodo, como Paulo VI deu continuidade ao Concílio Vaticano II. Alguns, provavelmente, não...

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 26/02/2025) 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

A cadeia deve ser lugar de esperança

As cadeias costumam ser lugares longe da vista e, ainda mais, longe do coração. O Papa Francisco, porém, tem tomado iniciativas para lhes dar mais visibilidade e proximidade afetiva. Como arcebispo de Buenos Aires, fazia numa prisão o Lava-Pés – a cerimónia de quinta-feira da Semana Santa que antecede a Páscoa – em vez de o fazer, como quase todos os bispos, na catedral. Continuou, como Papa, a fazê-lo em contexto prisional.

No início deste Jubileu da Esperança, o Papa fez questão, num gesto inédito, de abrir a segunda Porta Santa, logo a seguir à do Vaticano, na cadeia romana de Rebibbia. Agora, no contexto do Jubileu dos artistas e do mundo da cultura, que decorreu em Roma desde o dia 15 até ontem, foi inaugurada uma exposição do pintor chinês Yan Pei-Ming com 27 retratos de grandes dimensões de prisioneiros, guardas, voluntários, um médico e um capelão da cadeia. As obras foram também projetadas nas paredes da cadeia Regina Coeli de Roma, a que estão ligados os retratados.

Pretende-se com esta iniciativa “ajudar milhares de pessoas que passam diariamente em frente à prisão a ‘ver o invisível’ por detrás da fachada”, afirma o sítio Vatican News.

Quando abriu a Porta Santa na cadeia de Rebibbia o Papa pediu aos reclusos que não perdessem a esperança. Na homilia do Jubileu dos artistas – lida pelo cardeal José Tolentino de Mendonça, que o substituiu – disse que a missão dos artistas “não se limita a criar beleza, mas a revelar a verdade, a bondade e a beleza escondidas nos recantos da história, a dar voz a quem não tem voz, a transformar a dor em esperança”.

As cadeias, em vez de locais meramente punitivos, deveriam ser uma oportunidade de regeneração para aqueles que por lá passam. Devem converter-se em lugares em que renasce a esperança de uma vida melhor após o cumprimento da pena.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Na doença, escutar é melhor do que falar

Na doença pode experimentar-se o desânimo, o desespero ou a revolta perante a situação que se vive. Não é fácil transmitir esperança a quem sofre. O Papa Francisco está consciente desta dificuldade e ensaia uma resposta para as pessoas que vivem esta situação na mensagem para o Dia Mundial do Doente, que a Igreja Católica assinalou ontem.

O Papa propõe uma reflexão a partir das palavras de S. Paulo: “A esperança não engana” (Rm.5, 5). A que acrescenta: “e fortalece-nos nas tribulações”. Francisco reconhece que são “expressões reconfortantes”, mas difíceis de acolher por quem está gravemente doente.

Todos os que lidam com doentes experimentam a dificuldade em encontrar as palavras certas para lhes transmitir esperança. Alguns acreditam que o sofrimento tem um sentido. Os crentes refugiam-se, por vezes, em abordagens simplistas, como atribuir o sofrimento à vontade de Deus. Constrói-se, então, a imagem de um Deus sádico, que não é o Deus de Jesus Cristo.

Em Jesus Cristo descobrimos um Deus que assume a condição humana, que se faz próximo para combater o que faz sofrer as mulheres e os homens. Disso são testemunho todas as curas que realiza. Em Jesus Cristo revela-se um Deus que quer libertar a pessoa de todo o sofrimento e quer, até, que ela seja feliz para sempre.

O sofrimento não tem sentido nem é querido por Deus. O que tem sentido é a vida – e, quando ela é ameaçada pela doença, a pessoa que faz essa experiência pode então encontrar o verdadeiro sentido da existência.

Essa pessoa não precisa de ouvir palavras, precisa de se escutar. Por isso, faz pouco sentido procurar palavras para dar esperança a um doente: deve é estar-se disponível para o escutar e ajudá-lo a encontrar as respostas que ele próprio tem dentro de si.

Escutar é mais importante do que falar para dar esperança a quem sofre.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Igreja recupera a proteção das crianças

Papa com as crianças na cimeira a elas dedicada
Foto: Vatican News
A Igreja Católica procura sanar a ferida que os abusos sexuais de menores abriram e credibilizar-se na proteção das crianças. O Papa Francisco convocou peritos de diversas áreas para uma cimeira internacional a que deu o título: “Amemos e protejamos as crianças”. Na abertura dos trabalhos, que decorreram no Vaticano esta segunda-feira, o Papa denunciou a tragédia das “crianças a morrer debaixo das bombas, sacrificadas aos ídolos do poder, da ideologia e dos interesses nacionalistas”.

Esta iniciativa surge na sequência da proclamação do Dia Mundial da Criança, que se celebrou pela primeira vez a 25 e 26 de maio do ano passado. O Papa pretende dar continuidade à reflexão que se produziu na cimeira internacional com a publicação de uma Exortação Apostólica.

Com estas iniciativas o Papa recupera uma das mais relevantes atitudes de Jesus, registada pelo Evangelho: a atenção aos mais pequenos e, como consequência, a promoção da criança. Jesus chega mesmo a apresentá-las como modelo para aquele que queira entrar no Reino dos Céus (Cf. Mt. 18, 1-5). Acolhe-as e abençoa-as, quando os discípulos as consideravam um estorvo e as queriam enxotar (Cf. Mt, 19. 13-15).

Com o escândalo dos abusos de menores no seu interior, a Igreja foi delapidando este património evangélico de proteção e de promoção da criança. Mas tem, entretanto, dado passos seguros para recuperar a credibilidade perdida. Um caminho que se iniciou no pontificado de João Paulo II, aprofundou-se com a determinação de Bento XVI e a que o Papa Francisco tem dado continuidade.

Com a publicação da Exortação Apostólica, o Papa pretende estender a todo o mundo católico o compromisso com os Direitos da Criança. Só assim a Igreja se recolocará em sintonia com a práxis de Jesus, recuperando a credibilidade na proteção e na promoção dos mais pequenos.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

A Igreja não deve temer os jornalistas

O primeiro grande evento do Ano Santo, aberto pelo Papa Francisco na noite de Natal, foi dedicado aos média. Foi o Jubileu do mundo da comunicação, que reuniu no Vaticano, no passado sábado, milhares comunicadores vindos de 138 países.

O Jubileu é celebrado sob o lema da esperança. O Papa pediu aos comunicadores que contassem “histórias imbuídas de esperança” na mensagem deste ano para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, que a Igreja celebra a 24 de janeiro, dia do padroeiro dos comunicadores, S. Francisco de Sales.

No discurso preparado para o encontro com o mundo da comunicação – que o Papa acabou por não ler, mas confiou aos participantes no Jubileu da Comunicação – refere que “nem todas as histórias são boas, mas também elas devem ser narradas”.

Por vezes os jornalistas são incómodos para a Igreja por causa dos escândalos e das sombras que estes têm o dever deontológico de revelar e publicar. São temidos por isso – e muitos consideram que o fazem movidos pelo desejo de denegrir esta multisecular instituição.

A Igreja, porém, não deve temer os escândalos. E, muito menos, culpar o mensageiro por tudo o que de menos bom acontece no seu interior. Deve é tudo fazer para os evitar! Contudo, quando aquilo que é menos digno e que mancha a sua honorabilidade vier à luz do dia, não deve ter receio de se confrontar com a verdade do pecado que também a habita.

A denúncia dos escândalos no interior da Igreja pode ser dolorosa, mas tem significado quando aqueles são devidamente assumidos e tratados – uma purificação. Muitas vezes têm ajudado a Igreja a recuperar a fidelidade ao Evangelho e a sua credibilidade. Por isso, não se deve temer as perguntas incómodas dos jornalistas, mas sim agradecer o seu trabalho. Ele contribui para corrigir a sua institucional opacidade e para a sua regeneração.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Racismo e xenofobia não são católicos

Um cristão – e, sobretudo, um católico – não pode ser nem racista nem xenófobo. E um português não o deveria ser, pois somos um país de emigrantes, espalhados por todo o mundo. Gostamos de ser bem acolhidos e de não sermos discriminados.

A tradição judaico-cristã tem na sua génese uma postura de respeito pelo estrangeiro. O povo israelita foi emigrante na terra do Egito. O momento mais significativo da sua história é a sua libertação dessa terra da escravidão. Foi experiência inesquecível, devido à qual o livro do Êxodo determina: “Não usarás de violência contra o estrangeiro residente nem o oprimirás, porque foste estrangeiro residente na terra do Egito” (Ex. 22, 20).

A práxis de Jesus é acolher a todos. No Evangelho alguns estrangeiros são, até, apresentados como exemplos de fé, como é o caso da mulher cananeia (Mt. 15, 21-29), que pediu a cura da filha a Jesus, ou do centurião romano a quem curou o escravo (Lc. 7, 1-10). Na génese do cristianismo está a convicção de que “não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem e mulher” (Gál. 3,28), porque todos são filhos de Deus e, por isso, irmãos.

Aquele que professa a fé católica – ou seja: universal – também não poderá aceitar qualquer distinção, seja qual for a raça ou nacionalidade. Isso seria amputar a catolicidade da Igreja.

Um cristão, um católico e, sobretudo, um bispo, tendo em conta a tradição judaico-cristã, não tem outra alternativa a não ser colocar-se ao lado do migrante e o dever de condenar toda e qualquer atitude de racismo e de xenofobia. Não se entendem, por isso, as críticas e o desconforto que alguns manifestaram em relação às palavras de D. José Ornelas, bispo de Leiria-Fátima, de apoio e sintonia com aqueles que se manifestaram contra atitudes racistas e xenófobas que visaram imigrantes a viver em Portugal.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Sinodalidade ou a aparência de recomeçar


O Papa Francisco iniciou este sábado no Vaticano as “audiências jubilares”. Todas as semanas, encontra-se com os “peregrinos da esperança” para evidenciar um aspeto dessa virtude. “A esperança não é um hábito ou um traço de caráter - que se tem ou não - mas uma força a pedir”. Algo que será um dom, “para recomeçar no caminho da vida”.

Na verdade, o Papa pretende que o Jubileu marque um recomeço na vida da Igreja. Recomeçar foi a palavra mais repetida nesta primeira audiência jubilar. Por diversas vezes o Papa pôs a assembleia a dizer: “Recomeçar, recomeçar, recomeçar”.

A este recomeço, preconizado pelo Papa, está ligada a dinâmica sinodal que ele quer implementar como o normal funcionamento de todas as comunidades eclesiais. Desde as pequenas comunidades, passando pelas paróquias e pelas dioceses, até envolver toda a Igreja.

Também no sábado reuniram-se em Fátima 300 representantes das dioceses do país. Tinham como objetivo estudar o documento final do Sínodo 2021-2024 e fizeram propostas para a sua implementação. No final do dia, concluiu-se, segundo a Agência Ecclesia, que será necessário “alargar os espaços de escuta e participação”. Isso implicará “ativar e fortalecer os órgãos de consulta” no interior das paróquias e das dioceses.

Uma efetiva participação dos fiéis nas diversas comunidades depende de uma verdadeira conversão à sinodalidade. Ainda que todos os conselhos se constituam, e até se reúnam frequentemente, podem não passar de uma simulação de escuta e de participação. Se o pároco ou o bispo afastarem desses conselhos todas as vozes incómodas, por exemplo, e se preferirem só as que não levantam problemas, então teremos um mero simulacro de sinodalidade. Não é esta dissimulação que o Papa pretende. Nem será a sinodalidade aparente que conseguirá renovar e relançar a Igreja.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Cuidar dos padres para fortalecer os leigos

Carta Pastoral disponível no sítio oficial da diocese de Fall River
A diocese de Fall River, no estado norte-americano de Massachusetts, está a implementar um plano pastoral para os próximos três anos que será dedicado ao “fortalecimento e renovação” do presbitério. Esse dinamismo pastoral tem como lema: “Padres mais fortes, paróquias mais fortes, Igreja mais forte”.

O bispo dessa diocese, D. Edgar Moreira da Cunha, é natural do Brasil, onde ingressou na congregação dos Vocacionistas em 1975. Esta dedica-se a suscitar vocações, sobretudo entre os pobres, e a ajudar jovens a discernirem a sua vocação. Foi enviado para os Estados Unidos, onde concluiu a formação para ser ordenado, e por lá ficou. Foi bispo auxiliar de Newark (2003-2014) e é bispo de Fall River desde setembro de 2014.

Numa carta dirigida aos diocesanos, D. Edgar expõe as razões que o levaram a tomar a decisão de, entre 2025 e 2027, dar uma maior atenção aos seus padres e trabalhar ativamente para lhes facultar “mais estabilidade, esperança, santidade e bem-estar”. Nessa missiva, D. Edgar refere que “investigação consistente” comprova que “as paróquias e os dinamismos pastorais florescentes são tipicamente liderados por “padres felizes”. O investimento nos padres é exigido pelos “novos desafios” e pelas exigências que lhes são colocadas “como nunca antes”. 

Este plano pastoral da diocese de Fall River parece ir em contracorrente com o investimento nos leigos, cada vez mais preconizado, e o clericalismo que o Papa Francisco tem criticado e combatido. Só que investir nos leigos não significa negligenciar a formação humana e espiritual dos padres. Antes pelo contrário: exige-o!

O clericalismo e a subalternização dos leigos só sucedem devido a uma deficiente formação do Clero, que não promove a sua implicação e corresponsabilidade pastoral. Vale a pena investir nos padres para que o evitem.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 08/01/2025)

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Sonhos da noite de passagem de ano

Feito com Designer. Com tecnologia DALL·E 3.
Sonho com uma Igreja que viva e respire o Evangelho de Jesus Cristo. Uma Igreja que dê corpo às palavras de Jesus Cristo com gestos concretos que traduzam a opção preferencial pelos mais pobres, a inclusão dos marginalizados e o acolhimento dos que andam longe.

Sonho com uma Igreja em que não haja qualquer distinção entre raças, culturas e sexos. Em que todos se descubram irmãos porque filhos do mesmo Deus Pai e Mãe.

Sonho com uma Igreja única, com um só pastor, em que triunfe o ecumenismo. Em que todas as igrejas cristãs possam manter as suas tradições e especificidades sem pôr em causa a unidade de um corpo que se assume e vive como tendo Cristo por sua cabeça.

Sonho com uma Igreja menos monolítica e mais “poliédrica”, como defende o Papa Francisco, na qual seja possível viver diferentes percursos, tradições culturais e experiências eclesiais. Uma Igreja que não abafe o sopro do espírito e em que se possam viver os diferentes carismas que Ele nela vai suscitando.

Sonho com uma Igreja profética, que não se deixe corromper pelo poder, pelo dinheiro, pelo prestígio social. Que não se limite a defender a dignidade da vida humana desde a conceção até à morte natural, mas que denuncie todas as injustiças e todas as situações em que a dignidade humana não é respeitada.

Sonho com uma Igreja em que não triunfem, por regra, os “carreiristas” que o Papa tem denunciado. Uma Igreja em que todos assumem as suas responsabilidades como um serviço abnegado ao outro, em particular ao mais necessitado.

Estes são sonhos que dificilmente serão realizados em breve. Contudo, tal como António Gedeão, acredito que “o sonho comanda a vida”. É melhor estar do lado do aparente fracassado, Jesus, do que acomodar-me ao que está instituído.

Desejo-vos um ano de 2025 em que todos os vossos sonhos se realizem!