sexta-feira, 26 de junho de 2015

Os riscos do Sínodo

Foto retirada daqui
Está a mudar a forma como a Igreja debate as questões que preocupam as pessoas e a maneira como dialoga com o mundo.

O Papa Francisco quer uma “Igreja em saída” e com as portas abertas. Que vá ao encontro das “periferias geográficas e existenciais”. Que acolha as suas preocupações e inquietações e as reflita sem ter medo de enfrentar as questões mais polémicas.

Na abertura do último Sínodo dos Bispos o Papa pediu que se falasse claro. No discurso inaugural afirmou: “É necessário dizer tudo aquilo que, no Senhor, sentimos que devemos dizer: sem hesitações, sem medo. E, ao mesmo tempo, é preciso ouvir com humildade e aceitar de coração aberto aquilo que os irmãos dizem. A sinodalidade exerce-se com estas duas atitudes”.

Fruto dos trabalhos sinodais, foram identificadas as questões em torno da problemática da família a aprofundar no próximo Sínodo, o qual se reunirá no Vaticano de 4 a 25 de outubro deste ano. Algumas delas não obtiveram a maioria de dois terços, como é o caso do acesso dos divorciados recasados aos sacramentos e o acolhimento aos homossexuais. Todavia o Papa impôs que elas fizessem parte do Relatório Final e que sejam refletidas na próxima assembleia de bispos.

Esta semana foi apresentado o documento onde constam os assuntos que serão refletidos e aprofundados pelos padres sinodais. Foi sublinhado o desejo do Papa de que todos falassem com coragem e abertamente. Contudo a maior novidade foi a de deixar à “discrição e responsabilidade” dos participantes a liberdade de comunicar aos média os assuntos que estão a ser debatidos no Sínodo.

Esta é uma opção arriscada de transpor para os meios de comunicação social a discussão que decorre na Aula Sinodal, com o perigo de ser deturpado e corrompido pela lógica mediática, mas confere uma maior transparência e visibilidade ao debate eclesiástico. Está também de acordo com o que dizia o cardeal Bergoglio em Buenos Aires e que reafirmou, como Papa, na Evangelii Gaudium: “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (nº49).

Em Outubro poderemos verificar se foram maiores os danos ou os benefícios desta decisão do Sínodo.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 26/06/2015)

sábado, 20 de junho de 2015

A encíclica verde

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Na Encíclica “Laudato si” o Papa Francisco junta a sua voz à da terra que “clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou” (nº2).

O texto ontem apresentado no Vaticano dá continuidade ao discurso ecológico introduzido por Paulo VI no magistério social da Igreja. Em 1971, na carta apostólica “Octogesima adveniens” para comemorar a publicação da “Rerum novarum” de Leão XIII, “referiu-se à problemática ecológica, apresentando-a como uma crise que é ‘consequência dramática’ da atividade descontrolada do ser humano”, recorda o Papa Francisco noº4 da sua última Encíclica. João Paulo II propôs a fundamentação bíblica e teológica destas questões. Bento XVI assumiu e aprofundou o pensamento do seu antecessor, chegando mesmo a ser apelidado como “o primeiro papa verde” pela revista National Geographic, de 28 de fevereiro de 2013.

Francisco é o primeiro Papa a dedicar um texto com a relevância de uma Encíclica à problemática do ambiente.

A preocupação que ele procura suscitar é traduzida pela questão: “Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer?” Com uma linguagem frontal, que não se submete à lógica do politicamente correto, critica os governos e as grandes empresas que contribuem para a degradação ambiental e o acentuar da pobreza. Denuncia o consumismo e a divinização do mercado.

“Convém evitar uma conceção mágica do mercado, que tende a pensar que os problemas se resolvem apenas com o crescimento dos lucros das empresas ou dos indivíduos” (nº 190). Mas também censura aqueles que se preocupam mais com o desaparecimento de algumas espécies do que com os atentados contra a vida humana, como o aborto, ou o desaparecimento de uma cultura. Por isso, propõe uma ecologia integral que não seja só ambiental, mas que inclua também as dimensões humanas e sociais.

Para salvar, não só o planeta, mas também a humanidade e a sociedade, convoca todos e acredita que “nem tudo está perdido, porque os seres humanos, capazes de tocar o fundo da degradação, podem também superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se, para além de qualquer condicionalismo psicológico e social que lhes seja imposto” (nº 205).

(Texto publicado no Correio da Manhã de 19/06/2015)

sexta-feira, 12 de junho de 2015

Reformar e ousar

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É cada vez mais evidente que o Papa Francisco não se acomoda a soluções fáceis para os problemas difíceis que a Igreja tem de enfrentar. Nunca o fez quando esteve à frente dos jesuítas argentinos, nem enquanto foi arcebispo de Buenos Aires. Também não o faz agora como Bispo de Roma. É esta a convicção de Austen Ivereigh, jornalista e autor do livro “Francisco, o Grande Reformador: Os Caminhos de um Papa Radical”. Esteve em Lisboa, esta semana, para apresentar essa obra que procura dar a conhecer a vida de Jorge Mario Bergoglio para melhor compreender as reformas que está a introduzir na Igreja.

Contrariamente ao que acontece com o Papa, muitas vezes tem-se receio em inovar. Ou não se enfrentam as questões ou se escolhem as soluções mais cómodas, que normalmente não são as melhores. Um dos problemas que se sente em algumas latitudes do catolicismo é a falta de clero. Para resolver esse problema é mais fácil juntar paróquias que investir na promoção de líderes da comunidade que possa vir a desempenhar essa missão, sejam eles celibatários ou casados, homens ou mulheres.

“Isso é a coisa mais sem imaginação que alguém pode fazer. Até mesmo alguns em cargos de responsabilidade em Roma acham extraordinária esta solução” disse o Pe. Helmut Schüller, ex-vigário geral do cardeal de Viena, Christoph Schönborn, numa entrevista ao jornal austríaco Salzburger Nachrichten. “A Igreja Católica, ou consegue garantir sacerdotes às suas comunidades, ou deverá começar a desenvolver novas formas de liderança comunitária. Foi exatamente assim que as primeiras comunidades cristãs reagiram. A liderança comunitária desenvolvia-se simultaneamente em diferentes formas”, disse na mesma entrevista.

Em determinados contextos, como o da América Latina, esta situação está a levar ao abandono da prática religiosa e a levar os católicos a aderir a outras confissões religiosas. “Algumas comunidades são visitadas por um padre duas ou três vezes por ano apenas. As comunidades pentecostais, por outro lado, são muito pequenas e cada uma tem o seu pastor”, denunciou o Pe. Schüller.


É urgente que os bispos de todo o mundo saibam acompanhar o Papa e investir em soluções mais ousadas para os problemas candentes das suas dioceses, como é o da escassez de clero.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 12/06/2015)

sexta-feira, 5 de junho de 2015

Futebol e corrupção

O cartão de sócio honorário do Papa
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O Papa Francisco gosta de futebol e até torce por uma equipa: o San Lorenzo de Almagro de Buenos Aires. Tem falado da importância do desporto e do futebol em particular.

“O desporto não é somente uma forma de entretenimento, mas é também um instrumento para comunicar valores que promovem o bem da pessoa humana e ajudam na construção de uma sociedade mais pacífica e fraterna”, disse na mensagem pelo início do último Mundial de Futebol no Brasil. Na Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, utilizou várias metáforas do “futebolês”. Por exemplo, desafiou os jovens a serem protagonistas e a “jogar sempre ao ataque” para construir “um mundo melhor, um mundo de irmãos, um mundo de justiça, de amor, de paz, de fraternidade, de solidariedade”.

Apesar de valorizar o desporto, ele está consciente dos aspetos mais controversos e condenáveis em torno do fenómeno desportivo. “O desporto é importante, mas deve ser desporto autêntico! O futebol, como determinadas disciplinas, tornou-se um grande ‘business’! Trabalhai a fim de que não perca a sua índole desportiva” pediu às seleções de Itália e Argentina, numa audiência no dia 13 de agosto de 2013.

Em torno das competições desportivas movimentam-se milhões e, por isso, não é de estranhar que, de tempos a tempos, surjam suspeitas de corrupção, como as que ultimamente foram noticiadas envolvendo a FIFA. O Vaticano já lamentou que, mais uma vez, o futebol esteja sob suspeita e – sublinhando novamente a importância do desporto – apelou a que se tomem medidas para que o futebol mundial seja “limpo” de tudo o que o conspurca.

O Papa Francisco tem, por diversas vezes, criticado a corrupção. Admite que “todos somos pecadores, mas corruptos não”. Chegou mesmo a considerar a corrupção “um mal maior que o pecado” numa audiência que concedeu à Associação Internacional de direito penal, em Outubro do ano passado. “O corrupto não sente a sua corrupção. Acontece como com o mau hálito: dificilmente quem o tem se apercebe de o ter; são os outros que o sentem e que lho devem dizer” referiu nesse encontro.

Normalmente é assim. E parece que foi o que aconteceu com o senhor Joseph Blatter. Ou, então, terá sido o receio de vir a ser detido que o levaram a tomar a decisão de se demitir da FIFA.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 05/06/2015)