O ataque a uma igreja em França e o assassinato do padre Jacques Hamel culmina uma série de atentados a símbolos da cultura francesa e ocidental.
O primeiro, desta série, atingiu o Charlie Hebdo e foi lido como um ataque à imprensa satírica e à liberdade de expressão. Levou muitas pessoas a declararem-se “Je suis Charlie”. Seguiu-se-lhe o ataque a um concerto rock e a um jogo de futebol (este falhado), dois símbolos da diversão que congrega multidões. Ambos tiveram uma cuidada planificação – e uma clara ligação ao Daesh.
Já o ataque de Nice partiu da iniciativa de alguém transtornado que os terroristas muçulmanos se apressaram a reivindicar, apesar de em nada terem contribuído na sua planificação e execução, a não ser fornecer inspiração. Acabou, mesmo assim, por atingir dezenas de pessoas que festejavam o dia nacional de França, celebrando os valores da fraternidade, igualdade e liberdade: os valores da revolução francesa, os quais, curiosamente, estiveram na génese da última grande perseguição religiosa na Europa, com a morte de muitos religiosos e a profanação de igrejas. Também em Portugal, nas lutas liberais e na implantação da República, se passaram coisas semelhantes.
Apesar da consternação que provocou a morte de um sacerdote em plena celebração, em algo que ultrapassou o ataque à liberdade religiosa, não se verificou nenhum movimento de pessoas a declararem-se “Je suis prêtre” (eu sou padre) ou “Je suis catholique”. Na verdade, houve muito maior solidariedade e indignação pela violação da liberdade de expressão do que agora neste ataque ao que os árabes consideram um símbolo da sociedade ocidental.
Os ocidentais não se reveem na maior das suas religiões. E têm mesmo pudor em declarar, nem que seja por solidariedade, “Eu sou católico”. É um sinal dos tempos numa cultura que rejeita as suas raízes e até se envergonha em manifestar a sua fé.