sexta-feira, 29 de julho de 2016

“Je suis prêtre”

O ataque a uma igreja em França e o assassinato do padre Jacques Hamel culmina uma série de atentados a símbolos da cultura francesa e ocidental.

O primeiro, desta série, atingiu o Charlie Hebdo e foi lido como um ataque à imprensa satírica e à liberdade de expressão. Levou muitas pessoas a declararem-se “Je suis Charlie”. Seguiu-se-lhe o ataque a um concerto rock e a um jogo de futebol (este falhado), dois símbolos da diversão que congrega multidões. Ambos tiveram uma cuidada planificação – e uma clara ligação ao Daesh.

Já o ataque de Nice partiu da iniciativa de alguém transtornado que os terroristas muçulmanos se apressaram a reivindicar, apesar de em nada terem contribuído na sua planificação e execução, a não ser fornecer inspiração. Acabou, mesmo assim, por atingir dezenas de pessoas que festejavam o dia nacional de França, celebrando os valores da fraternidade, igualdade e liberdade: os valores da revolução francesa, os quais, curiosamente, estiveram na génese da última grande perseguição religiosa na Europa, com a morte de muitos religiosos e a profanação de igrejas. Também em Portugal, nas lutas liberais e na implantação da República, se passaram coisas semelhantes.

Apesar da consternação que provocou a morte de um sacerdote em plena celebração, em algo que ultrapassou o ataque à liberdade religiosa, não se verificou nenhum movimento de pessoas a declararem-se “Je suis prêtre” (eu sou padre) ou “Je suis catholique”. Na verdade, houve muito maior solidariedade e indignação pela violação da liberdade de expressão do que agora neste ataque ao que os árabes consideram um símbolo da sociedade ocidental.

Os ocidentais não se reveem na maior das suas religiões. E têm mesmo pudor em declarar, nem que seja por solidariedade, “Eu sou católico”. É um sinal dos tempos numa cultura que rejeita as suas raízes e até se envergonha em manifestar a sua fé.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 29/07/2016)

sexta-feira, 22 de julho de 2016

A porta-voz do Papa

O Papa Francisco já reconheceu por diversas vezes que a mulher é marginalizada na Igreja e tem-se empenhado em corrigir esta situação. Por isso, tem introduzido algumas inovações, de carácter simbólico, em tradições multiseculares. Foi o caso de admitir mulheres no lava-pés ou a promoção a festa da celebração litúrgica de S. Maria Madalena, que acontece hoje pela primeira vez.

Na Igreja, as celebrações litúrgicas podem ter quatro categorias. As datas com menor relevância são celebradas como memória facultativa – o celebrante pode mencioná-las ou não; as que têm uma relevância maior são memória obrigatória para todo o mundo. Há ainda a classificação de “festa”, para as celebrações mais importantes, e de “solenidade”, para as datas mais significativas para os católicos, como celebrar S. Pedro e S. Paulo, o Corpo de Deus ou o Natal. S. Maria Madalena foi elevada de memória obrigatória à categoria de festa.

Recentemente, o Papa tomou outra decisão que promove a mulher no seio da Igreja. Para substituir o diretor da Sala da Imprensa da Santa Sé, o P. Federico Lombardi, escolheu dois jornalistas: o norte-americano Greg Burke, como diretor, e a espanhola Paloma García Ovejero, como vice-diretora. Pela primeira vez, uma mulher vai desempenhar as funções de porta-voz do Papa.

Esta nomeação, para além de trazer uma mulher para a primeira linha da comunicação institucional da Igreja, revela a preocupação da Santa Sé em se expressar, não só em italiano, mas também nas duas principais línguas do catolicismo: o inglês (a língua franca do mundo contemporâneo) e o espanhol (a língua mais falada pelos católicos no mundo).

Nesta geometria linguística ficou de fora o português. Uma pena, porque o país com mais católicos é o Brasil (125 milhões) e o país mais católico do mundo é Timor-Leste (97% da população) – e ambos falam português. Esperemos que o Papa corrija esta falta.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 22/07/2016)

sexta-feira, 15 de julho de 2016

A fé do treinador

Fernando Santos, selecionador nacional de futebol
Foto: Carlos Barroso, retirada 
daqui
Na conferência de imprensa da final do Euro 2016, Fernando Santos, o selecionador nacional de futebol, surpreendeu os jornalistas ao ler um texto antes de responder às suas questões. Esse texto foi escrito quando muitos criticavam a seleção e desconfiavam do seu sucesso. Nessa altura, todavia, ele continuava a acreditar e escreveu o discurso da vitória.

Nas suas primeiras palavras agradeceu a Deus a vitória. Refere todos os que contribuíram para ela e as pessoas que lhe são mais próximas. Termina a dedicar a vitória a Jesus Cristo e à sua Mãe e a agradecer-lhe por “ter sido convocado” e por lhe ter sido concedido “o dom da sabedoria, perseverança e humildade para guiar esta equipa e Ele a ter iluminado e guiado”.

É frequente muitos dos protagonistas do desporto rei terem gestos religiosos, como o sinal da cruz ao entrar em campo, e até agradecerem a Deus os seus sucessos. Contudo é muito raro ouvir-se testemunhar a fé com a clareza e a profundidade de Fernando Santos. As suas palavras não foram de circunstância, antes o resultado de uma vivência interior profunda que soube transmitir com verdade. Não foi pelo que disse, nem pela forma, mas pela sua autenticidade que recolheu os aplausos dos que assistiam.

Ficou também bem patente a sua leitura crente dos acontecimentos. Como crente, acredita que Deus lhe confiou a missão de conduzir a seleção nacional. Que não o abandonou, mesmo quando muitos dele desconfiavam. E, por isso, é com humildade que Fernando Santos recolhe o sucesso e o converte num voto de tom jesuítico: “Espero e desejo que seja para glória do Seu nome”. O lema proposto por S. Inácio de Loiola aos jesuítas é: “Ad maiorem Dei gloriam” (Para maior glória de Deus).

A Igreja Católica precisa de mais crentes que consigam dar testemunho da sua fé, desta forma autêntica e esclarecida, no púlpito dos meios de comunicação social.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 15/07/2016)

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Bento revolucionário

Papa Francisco e o Papa Emérito Bento XVI
Foto retirada daqui
O Papa Francisco deu uma entrevista ao jornal argentino “La Nación”. Nela aborda sobretudo questões que interessam aos leitores do seu país. Rejeita ter um relacionamento tenso com o presidente argentino. E fala da polémica receção no Vaticano de uma das mães da Praça de Maio, que no passado criticou duramente o então cardeal Bergoglio.

A entrevista coincidiu com a celebração dos 65 anos de ordenação sacerdotal de Bento XVI. Por isso, deste lado do Atlântico, o que mereceu maior destaque foi a forma carinhosa como o Papa se referiu ao seu antecessor e como o classificou a sua renúncia.

“Foi um revolucionário (…). É de louvar o seu desprendimento. A sua renúncia expôs todos os problemas da Igreja. A sua abdicação não teve nada que ver com nada pessoal. Foi um ato de governo, o seu último ato de governo”, disse o Papa acerca de Bento XVI.

Quando ainda perdura na opinião pública (e na publicada...) a imagem conservadora e até retrograda do cardeal Ratzinger, é o próprio Papa que o considera um pontífice avançado. Mas, mais relevante do que isso, foi ter destacado a principal virtualidade da sua resignação: o seu desprendimento obrigou a Igreja a confrontar-se com a podridão que campeava no seu interior. Esse tratamento de choque, não só permitiu o advento de Francisco, como facilitou a sua intervenção em ordem à reforma da Cúria Romana e da Igreja no seu todo.

Com estas palavras de Francisco, a histórica resignação de Bento XVI ganhou o um novo sentido. Mais do que uma desistência, ou o reconhecimento de uma incapacidade para promover a reforma, trata-se de um verdadeiro ato promotor da renovação da Igreja.

A forma como o Papa Francisco trata e considera o seu antecessor, bem como a forma como este tem exercido a sua condição de Papa emérito – dizem bem da enorme estatura destes dois homens. Em vez de se atrapalharem, apoiam-se e promovem-se reciprocamente.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 08/07/2016)

sexta-feira, 1 de julho de 2016

Vaticano e os pobres

Foto retirada daqui
O Papa Francisco dedica aos mais pobres uma atenção privilegiada. Na Evangelii Gaudium escreveu: “O Papa ama a todos, ricos e pobres, mas tem a obrigação, em nome de Cristo, de lembrar que os ricos devem ajudar os pobres, respeitá-los e promovê-los” (nº58).

No mesmo texto adverte que “o crescimento equitativo exige algo mais do que o crescimento económico, embora o pressuponha – requer decisões, programas, mecanismos e processos especificamente orientados para uma melhor distribuição dos rendimentos, para a criação de oportunidades de trabalho, para uma promoção integral dos pobres que supere o mero assistencialismo”.

Em sintonia com o Papa, o Pontifício Conselho Justiça e Paz promoveu, em 2014, um congresso para refletir sobre o investimento ao serviço do bem comum, na linha da Evangelii Gaudium. “A solidariedade com os pobres e com os excluídos estimulou-vos a refletir sobre uma forma emergente de investimento responsável, conhecida como Impact Investing”, disse então o Papa aos congressistas. E desafiou-os a “estudar formas inovadoras de investimento, que possam proporcionar benefícios às comunidades locais e ao ambiente circunstante”.

Durante esta semana reuniram-se no Vaticano académicos, políticos e clérigos para estudar o impacto dos investimentos no combate à pobreza. Este ano pretende-se aprofundar “como a Igreja Católica e outras instituições religiosas podem canalizar o resultado dos investimentos para sustentar a sua própria missão social”. E, também, como “ desenvolver estratégias para captar investimentos privados em ordem a servir os mais pobres e os mais vulneráveis”, disse o cardeal Peter Turkson, presidente da Justiça e Paz.

É importante que a Igreja, em relação à pobreza, vá vencendo a tentação do “mero assistencialismo”. E que saiba encontrar novas formas para financiar e gerir a luta contra as suas causas estruturais.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 01/07/2016)