sexta-feira, 28 de agosto de 2015

O plágio do cardeal

Foto retirada daqui
O cardeal Juan Luis Cipriani, arcebispo de Lima, no Perú, utilizou em artigos de opinião, publicados no principal diário daquele país latino-americano, o “El Comercio”, textos do Papa Paulo VI e do então cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa-emérito Bento XVI, sem os citar.

Logo que foi detetado o plágio, o jornal decidiu não publicar mais textos assinados pelo arcebispo. Cipriani, numa carta ao diretor da publicação, pediu desculpa aos leitores pelo sucedido e tentou justificar o injustificável, socorrendo-se de dois argumentos. Referiu a falta de espaço para citar as fontes e, o mais extraordinário, que se escusou a citá-las porque os “ensinamentos de Cristo, dos Papas e da Doutrina Social da Igreja”, que ele segue fielmente, são um “património comum da fé, não têm uma propriedade intelectual”.

Como acontece muitas vezes em determinados meios eclesiásticos, bem como no seio de outras instituições, quando não se consegue abafar o escândalo tenta-se tapar o sol com a peneira. Só que isso revela-se sempre uma péssima estratégia. Neste caso, o purpurado peruano acicatou ainda mais os jornalistas, que foram investigar se ele teria feito o mesmo com ideias provenientes de outras fontes. E descobriram que, em 2009, utilizou numa homilia textos do filósofo espanhol Alejandro Llano Cifuentes, publicados no livro “La Nueva Sensibilidad”, sem referir o autor.

Plagiar alguém é sempre um comportamento abjeto e condenável. Não há forma de o justificar nem de o escamotear. Mas fazê-lo em textos publicados on-line, para além de ser desonesto, é imbecil. Se por um lado a internet e os motores de pesquisa permitem o acesso fácil a muita informação, também permitem detetar facilmente a apropriação indevida das ideias de outra pessoa. Pelo que quem se habituou a copiar as ideias dos outros o melhor é não disponibilizar os “seus” textos on-line, porque rapidamente poderá ser apanhado. Quando tal acontece, é preferível reconhecer que errou, sem tentar justificar-se.

Quem o faz num órgão de informação, tal como aconteceu com Cipriani, deve ser imediatamente impedido de publicar porque pode voltar a ceder à tentação. E, para além disso, ficará sempre nos leitores a dúvida se os textos por ele assinados são, ou não, da sua autoria.


(Texto publicado no Correio da Manhã de 28/08/2015)

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

O Papa e Taizé

Festa da luz para celebrar o irmão Roger
Foto retirada daqui
A comunidade de Taizé celebrou este domingo os setenta e cinco anos da sua criação, bem como o centésimo aniversário do seu fundador, o irmão Roger Schutz, e os dez anos da sua morte.

O Papa Francisco mencionou essas efemérides na Audiência geral de quarta-feira. No domingo já tinha enviado uma mensagem pelo cardeal Kurt Koch, na qual classifica a comunidade “como uma verdadeira ‘parábola de comunhão’, que, até hoje, vem desempenhando um papel importante para construir pontes de fraternidade entre cristãos”. Nessa mensagem refere as principais características da experiência de Taizé: a oração, a reconciliação e a solidariedade, que atraem jovens de todo o mundo. Entre 9 e 16 de Agosto, reuniram-se naquela pequena aldeia da Borgonha mais de sete mil jovens.

“Ao buscar com paixão a unidade da Igreja Corpo de Cristo, o irmão Roger abriu-se aos tesouros depositados nas diversas tradições cristãs, sem com isto romper com a sua origem protestante. Pela perseverança que demonstrou durante a sua longa vida, ele contribuiu para modificar as relações entre cristãos ainda separados, traçando para muitos um caminho de reconciliação”, escreveu o Papa.

Recorda também que o irmão Roger “amava os pobres, os desfavorecidos, os que, aparentemente, não contam. Ele mostrou, por sua existência e pela de seus irmãos, que a oração caminha junto com a solidariedade humana”.

O atual líder da comunidade, o irmão Alois, num encontro com os jovens, atualizou as preocupações do seu antecessor e falou dos novos sofrimentos, como são as populações deslocadas, catástrofes ecológicas, desemprego em massa, violências... “Tudo isso reclama novas solidariedades”. Propôs mesmo, em sintonia com o que têm dito os últimos papas, a criação de “instâncias supranacionais e mesmo de uma espécie de autoridade universal, que fixe as regras para assegurar uma maior justiça e para manter a paz”, como se pode ler no blogue “Religionline”, num texto de António Marujo, que tem acompanhado as celebrações em Taizé.

No dia em que se completaram dez anos sobre a morte do irmão Roger, cinco mil pessoas participaram numa “Festa da Luz”. Espera-se que Taizé continue a congregar os cristãos em torno da reconciliação e da solidariedade e a irradiar a sua luz ao mundo.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 21/08/2015)

sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Oração ecológica

Foto retirada daqui
O Papa Francisco estendeu ao mundo católico uma Jornada de Oração Mundial pela Criação, já celebrada pelos Ortodoxos. A partir deste ano, no dia 1 de setembro os católicos juntam-se aos ortodoxos para rezarem pelo ambiente. O Papa pretende que outras confissões cristãs, como os evangélicos e os anglicanos, se associem também a esta iniciativa. Deste modo, para além de um dia dedicado à ecologia, ele pretende que esta Jornada seja também ecuménica, de unidade entre todos os seguidores de Cristo.

“Vivemos num tempo em que todos os cristãos enfrentam idênticos e importantes desafios, diante dos quais, para ser mais críveis e eficazes, devemos dar respostas comuns. Por isto, é meu desejo que este Dia também possa envolver, de alguma forma, outras Igrejas e Comunidades eclesiais, e ser celebrado em sintonia com as iniciativas que o Conselho Mundial de Igrejas promove sobre este tema”, escreve o Papa na carta, em que institui este dia, enviada aos cardeais Peter Turkson e Kurt Koch, Presidentes dos Pontifícios Conselhos da Justiça e da Paz e para a Promoção da Unidade dos Cristãos.

No passado os cristãos, para justificarem alguns comportamentos de exploração despótica da natureza, os quais contribuíram para a degradação do ambiente, serviram-se do mandato bíblico do Criador: “…dominai a terra”. Agora o Papa acredita que os cristãos podem dar o seu contributo “para a superação da crise ecológica que a humanidade está a viver”. Não só pela força da oração, em que acreditam, mas também através de uma educação e espiritualidade ecológica que já enunciou na Encíclica “Laudato si’”. No número 218 apelou para que, da mesma forma que noutros aspetos da sua vida devem reconhecer “os próprios erros, pecados, vícios ou negligências, e arrepender-se de coração, mudar a partir de dentro”, também devem fazer o mesmo em relação à Criação. Uma espécie de exame de consciência ecológico. E, do mesmo modo que devem corrigir o seu relacionamento com Deus e com os outros, também se devem empenhar numa conversão ecológica e corrigir uma distorcida relação com a Criação.

Assim, o Papa Francisco, ao desafiar os cristãos de todo o mundo a darem as mãos na defesa da “casa comum”, num mesmo dia promove a aproximação ecuménica e a militância ecológica.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 14/08/2015)

sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Bispos contra o Papa?!

Manchete da última edição do “Sol”
Imagem recortada daqui
Publicamente, todos os bispos portugueses têm aplaudido o Papa. Ainda nenhum, que me tenha apercebido, criticou alguma das posições e das perspetivas que ele tem proposto para a Igreja. Admito que em privado façam eco de algum desconforto para com certas teses “bergoglianas”. Contudo, como noticiou o semanário "Sol", na sua última edição, chegar ao ponto de não respeitar o desafio que o Papa fez à Igreja de todo mundo para refletir o problema dos divorciados recasados, e enviar um documento votado por todos os bispos, incluindo os eméritos, em que, simplesmente, se lhes recusa o acesso à comunhão, parece-me inconcebível!

Situar o debate só em torno da questão de os católicos recasados poderem, ou não, comungar, é muito redutor. Assim posta a questão, é natural que se criem divisões entre os que defendem, e os que negam, essa possibilidade.

Ora, o objetivo do Papa não terá sido esse ao levantar essa questão (e outras). O que ele pediu à Igreja foi que reflita sobre a forma de conciliar a indissolubilidade do matrimónio com o acesso dos recasados à comunhão. Ou seja: como continuar a valorizar e a propor o matrimónio católico para toda a vida; e ter uma solução para aqueles que falharam nesse projeto e, por isso, se veem arredados dos sacramentos só por terem contraído uma nova união.

Assim sendo, a preocupação dos bispos deverá ser ler as sensibilidades e propostas da Igreja em Portugal. E, depois, enviar para o Sínodo sugestões, linhas de reflexão, pistas para que os bispos de todo mundo possam encontrar uma saída para este problema que, à primeira vista, parece irreconciliável.

Em muitos contextos, e por diferentes personalidades da Igreja, já foram sugeridas diversas soluções. Espera-se que os bispos portugueses, tendo ouvido as diferentes sensibilidades nacionais, consigam retirar das diferentes posições, por vezes diametralmente opostas, um contributo válido para o Sínodo. É crucial para a Igreja, no mundo de hoje, encontrar a solução para este e outros problemas que afetam a vida de pessoas concretas.

Por isso, limitarem-se a dizer ao Papa que se é a favor ou contra a comunhão dos recasados, é, manifestamente, muito pouco. Ele, seguramente, espera muito mais da reflexão dos católicos espalhados por todo o mundo.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 07/08/2015)

quinta-feira, 6 de agosto de 2015

A procissão e o andor


Foto retirada daqui
Iniciou-se Agosto. Este mês empresta alguma vitalidade às nossas aldeias. Traz os emigrantes e os familiares espalhados pelo país. Este é, por isso, o mês em que se concentram a maioria das festas das nossas comunidades. Em muitas delas a procissão é o momento religioso com maior afluência, mas como acontece com tantos outros, as pessoas limitam-se a assistir em vez de participar: “Ver passar a procissão…”. Comentam e criticam em vez de viver o seu sentido mais profundo.

Não se trata de um mero cortejo religioso, mas de uma experiência de peregrinação. Ainda que curta e mais ou menos solene implica sempre uma deslocação de um ponto a outro ou então o regresso à igreja de onde se saiu. Tudo na procissão nos deve falar da nossa peregrinação de fé, sobretudo o andor. Nele transportamos a imagem central da festa, que pode ser uma imagem de Jesus Cristo, da Virgem Maria ou de um santo. As imagens dos santos não são ídolos, que adoramos, mas imagens que nos recordam essas pessoas que antes de nós trilharam o caminho da santidade e desafiam-nos a segui-los e imitá-los na peregrinação da nossa vida. Se para eles foi possível também nós o podemos e devemos percorrer.

O andor pode ser também uma bela parábola da comunidade que peregrina sobre a terra carregando aos ombros o Evangelho de Jesus Cristo, que a sua imagem nos recorda, ou o Evangelho vivo que tantos homens e mulheres atualizaram nas suas vidas.

Tal como na vida das comunidades, o andor não pode ser levado por uma só pessoa. E como seria ridículo alguém, sozinho, levá-lo de arrasto. Em alguns casos seria mesmo sobre-humano, dado o tamanho e o peso do andor. Exige, por isso, o envolvimento de vários e a coordenação de movimentos de todos. Que adianta colocar bem alto, como acontece em tantas das nossas festas, o santo padroeiro se depois para pegar ao andor se escolhem pessoas desequilibradas, descoordenadas e desvairadas? Se cada um puxar para seu lado; se um se quiser elevar em relação aos outros, então corre-se o risco de o santo inclinar e até cair ao chão. E quanto mais alto for o andor maior e mais estrondosa é a queda.

Também nas nossas comunidades, quando alguém procura absorver todas as responsabilidades e ser o centro de todas a atenções, não promove a participação dos demais e deixa de apontar para Deus, para tentar tornar-se no centro de todas as atenções. Quando cada um procura sobressair mais do que o outro não construímos uma comunidade harmoniosa e fraterna mas transformamos a igreja numa feira de vaidades. Não se fazem as coisas por amor à Igreja mas movidos pela ânsia de uma qualquer estéril promoção pessoal.

Aprendamos como Jesus Cristo o Bom Pastor, que após ter saciado a fome da multidão, em vez de ficar a deleitar-se com os aplausos da multidão e a espreitar a possibilidade de ser feito rei, retirou-se para um lugar solitário (Jo 6, 1-15).

Mais importante do que ver passar a procissão é incorporá-la. E, ainda mais importante que isso, seguir na vida o exemplo dado pelos santos e pela Virgem Maria. Como eles, não se procure o reconhecimento e os aplausos efémeros, mas servir com dedicação e zelo, sobretudo os que mais precisam. Não se invista na conquista dos lugares de maior destaque, mas na disponibilidade para as tarefas mais humildes, naquelas em que ninguém repara, mas que fazem toda a diferença. Os santos testemunham-nos que assim seremos muito mais felizes.

(Texto publicado no Mensageiro de Bragança de 06/08/2015)