Cartaz do filme retirado de IMDb |
O filme “12 Anos Escravo” adapta ao cinema o livro em que
o músico negro Solomon Northup narra o seu sequestro em 1841 e a sua venda como
escravo. Ao fim de uma dúzia de anos, conseguiu, judicialmente, recuperar a
liberdade. Foi considerado o melhor filme de 2013, pela British Academy of Film
and Television Arts (BAFTA) no passado domingo.
No decorrer da ação são citadas passagens bíblicas que
legitimariam a escravatura. De facto, a Bíblia não condena explicitamente essa
prática. Mas, sobretudo no Novo Testamento, propõe os princípios que
contribuirão para a sua abolição.
S. Paulo na carta aos Gálatas escreve: “Não há escravo
nem livre; pois todos são um em Cristo Jesus” (3, 28). Para além disso, não
hesita em acolher Onésimo, o escravo foragido de Filémon, apesar das leis de
então punirem tanto o fugitivo como aquele que o acolhia. Devolve-o acompanhado
por uma das suas cartas, a mais pequena de todas, que alguns apelidam de “postal”.
Pede a Filémon que o receba, já não como escravo, mas “como irmão querido”
(v.16), pois ele, entretanto, tinha-o batizado.
Tal como Paulo, a Igreja nunca discriminou os escravos e
sempre os admitiu aos sacramentos. Apesar de em muitos contextos ter
compactuado com a escravatura, o seu Magistério condena-a desde o século XV. Desde
então, na generalidade dos países, esta tem vindo a ser abolida, tendo sido
Portugal o primeiro a fazê-lo por decreto do Marquês de Pombal em 12 de
Fevereiro de 1761. Contudo, ainda hoje permanecem múltiplas formas de tráfico e
exploração de seres humanos.
A Igreja, como lhe compete, continua a preocupar-se com
esta temática. Durante o primeiro fim de semana de novembro passado,
reuniram-se em Roma sessenta observadores, religiosos e leigos, que refletiram
a temática do tráfico humano e formularam uma proposta contra todas as formas
de escravidão. Desse encontro saiu, também, a decisão de promover em 2015 um
congresso de quatro dias para aprofundar o tema.
Espera-se que a Igreja não se fique pela reflexão e
produção de textos condenatórios do tráfico de pessoas. Mas que, tal como S.
Paulo, nos contextos concretos em que desenvolve a sua ação, encontre formas de
pôr em prática a sua posição oficial.
(Texto publicado no Correio da Manhã de 21/02/2014)