domingo, 2 de fevereiro de 2014

A humanidade do Papa

Foto "L’Osservatore Romano" retirada daqui
As palavras e os gestos do Papa Francisco têm contribuído para a humanização do papado. Na visita a uma paróquia periférica de Roma, a do Sagrado Coração, apresentou-se há dias como um “homem comum” e abriu o seu coração a um grupo de refugiados confessando que na sua vida, como na deles, houve “muitas coisas boas e muitas más”.

Desde Pedro, o primeiro Papa, até aos nossos dias, fez-se um longo caminho na forma de compreender e exercer o ministério petrino. Uma história que chegou a fazer do sucessor de um humilde e arrependido pescador um Papa–Rei, esvaziando-o da sua humanidade e transformando-o num ser quase inacessível e infalível.

Felizmente, nos últimos dois séculos o caminho tem sido o inverso.

Em 1870 o Concílio Vaticano I definiu a infalibilidade papal. Fê-lo, curiosamente, nas vésperas de o papado perder os Estados Pontifícios para a Itália unificada. O Papa infalível viu-se portanto confinado ao minúsculo território da Cidade do Vaticano, no qual, para vincar o seu protesto, se enclausurou.

Pio XII rasgou os muros do Vaticano com a “Via della Conciliazione”, símbolo da reconciliação entre a Santa Sé e a Itália, mas não os transpôs. Será João XXIII, o primeiro Papa a ultrapassá-los – para visitar um hospital pediátrico e uma cadeia – e a sair de Roma – para visitar Assis e o Santuário do Loreto. Mas, mais importante do que a transposição dos muros do Vaticano, foi ter despoletado o dinamismo de uma Igreja que se voltou para o mundo com a convocação de um concílio, o Vaticano II.

Paulo VI deu continuidade à atividade conciliar do “Papa Bom”, concluindo-a. E saiu de Itália para visitar a Terra Santa, a que se seguiram outros pontos do globo, como Fátima.

João Paulo II, para além de intensificar as visitas apostólicas, no final do pontificado expôs ao mundo a sua decrepitude e doença. E Bento XVI deu uma machadada na concepção tradicional do papado, despojando-o do seu carácter vitalício.

Já Francisco, mais do que o Sumo Pontífice, preferiu desde a primeira hora ser o Bispo de Roma, um homem comum, que sofre como todos. Um pecador, como qualquer dos bispos, tal como ainda há dias fez questão de recordar: “Todos os bispos somos pecadores. Todos!”

(Texto publicado no Correio da Manhã de 31/01/2014)

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