Emmaus de Janet Brooks-Gerloff, 1992.
Foto retirada daqui
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O Papa Francisco mencionou na Evangelii Gaudium a
situação dos cristãos que “parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa”
(nº6). Referia-se às pessoas “que se vergam à tristeza por causa das graves
dificuldades que têm de suportar” e não conseguem descobrir a alegria da fé.
Há circunstâncias em que a piedade popular se fixa no
sofrimento e lhe dá mais atenção do que à alegria. Centra-se mais no
padecimento do que no júbilo pela salvação. As cerimónias da Semana Santa são disso
um bom exemplo. Milhares de pessoas que acorrem hoje ao Enterro do Senhor não
darão depois, amanhã à noite, tanta relevância à celebração de Jesus ressuscitado
na Vigília Pascal. Só que este é precisamente o momento que deveria ser a maior
festa, a maior razão de alegria e de congregação para os cristãos.
Este comportamento justifica-se por ser muito mais fácil
assistir a um espetáculo, que naturalmente comove, do que participar numa
celebração longa, repleta de simbolismo, que exige alguma formação religiosa
para recolher o seu sentido mais profundo.
Para além disso, durante séculos a Igreja especializou-se
mais em condenar e em recriminar todos os prazeres do que em anunciar a alegria
da salvação em Cristo Ressuscitado. Durante demasiado tempo preferiu-se
assustar as pessoas com o medo do Inferno, do que anunciar o Paraíso. Sublinhou-se
o pecado em vez da graça. Até artisticamente, existem muitas mais imagens do
Crucificado do que do Ressuscitado. É mais fácil desenhar ou esculpir um
crucificado do que projetar numa tela a imagem do corpo glorioso de Cristo...
Felizmente, a arte e a teologia vão redescobrindo a
essência da fé cristã e começam a repropor formas mais eloquentes de
representar a alegria da ressurreição. Esta não prescinde nem escamoteia o
sofrimento da cruz, mas não o hipervaloriza. É neste sentido que se deve
reorientar a fé dos crentes em todo o mundo.
(Texto publicado no Correio da Manhã de 25/03/2016)