domingo, 19 de outubro de 2014

O “terramoto” sinodal


Foto Osservatore Romano/AFP retirada daqui
Nos primeiros dias do Sínodo Extraordinário sobre a família, muitos dos participantes reconheceram que a forma como as pessoas são rotuladas no discurso eclesiástico não as ajuda a aproximarem-se da Igreja. Num dos primeiros “briefings”, foi referido que certas expressões muito utilizadas na linguagem eclesiástica deviam ser abandonadas. Entre essas, destacavam: “Viver em pecado”, uma referência habitual às pessoas que coabitam antes do casamento; “intrinsecamente desordenados”, uma classificação típica dos homossexuais; e ainda, “mentalidade contracetiva” uma categorização frequente de uma sociedade que não respeita a vida.

O relatório apresentado pelo cardeal Péter Erdő na segunda-feira que resume a primeira semana de debate traduz bem essa preocupação dos padres sinodais. Na abordagem da convivência pré-matrimonial é mesmo sublinhada a necessidade de acolher e acompanhar as pessoas nessa situação, pelos mais diversos motivos, com “delicadeza e paciência”.

Em relação à homossexualidade, a expressão referida não é utilizada. O que se afirma é que “os homossexuais têm dons e qualidades para oferecer à comunidade cristã”. E questiona-se: “Somos capazes de acolher essas pessoas, garantindo-lhes um espaço fraterno em nossas comunidades”?

Quanto ao controlo da natalidade, sem deixar de sublinhar “a abertura à vida” como “exigência intrínseca do amor conjugal”, reconhece-se a “necessidade de respeitar a dignidade da pessoa, na avaliação moral dos métodos de regulação da natalidade”. Ou seja, sustenta-se o respeito pela “consciência pessoal do indivíduo”, conclui o padre jesuíta James Martin num artigo da revista “América”.

A forma como o Sínodo está a abordar a temática da família tem abanado os pilares em que se edificou a conceção católica do matrimónio. O relatório é mais um abanão. Para o vaticanista John Travis é um “grande terramoto”, antecedido por “meses de pequenos tremores de terra”.

Espera-se que esta abordagem não reduza a escombros a doutrina tradicional sobre a família, como temem alguns. Mas cresce a expectativa quanto à flexibilidade que será dada aos seus fundamentos para acolher “os valores presentes nas famílias feridas e nas situações irregulares”.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 17/10/2014)

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