quarta-feira, 24 de setembro de 2025

A porta entreaberta de Leão XIV

Na sua primeira entrevista, Leão XIV falou sobre o futuro da Igreja e o papel que o Papa é chamado a desempenhar. As reações que suscitou foram muito díspares. Entre os imobilistas, que Francisco classificou como "retrocedistas", tanto se aplaudiu a entrevista do Papa como esta foi acolhida com apreensão. Seguindo a categorização bergogliana, os "avançadistas" tiveram as mesmas reações porque leram as palavras de Leão no sentido contrário.

Os primeiros alegraram-se por acharem que Leão XIV colocou um travão às reformas introduzidas por Francisco, suscitando preocupação entre os segundos. Com aqueles que interpretaram que o Papa não fecha a porta, por exemplo, à ordenação de mulheres ou à reforma da Cúria iniciada por Francisco, aconteceu o inverso.

Na verdade, a entrevista revelou preocupações e orientações específicas do atual Papa, ao mesmo tempo que escondeu outras. Clarifica que o preocupa a polarização, tanto no Mundo como na Igreja. Escolhe como desígnio a unidade da Igreja e a criação de pontes entre os polos opostos. Se for bem-sucedido, honrará o título de Sumo Pontífice, que significa o supremo fazedor de pontes.

Com essa preocupação como pano de fundo, Leão XIV deixa a porta entreaberta, tanto para avançar como para recuar em relação às questões mais complexas que terá de afrontar. É este posicionamento que deixa intranquilos uns e outros, porque não se percebe para que lado é que o Papa irá pender.

O Papa, contudo, abre uma grande porta de saída, que é a sinodalidade: recorre a ela para responder, nomeadamente, à questão da dignificação do papel da mulher na Igreja. Se, de facto, Leão XIV implementar a sinodalidade como pretendia Francisco, então nada haverá a recear: tudo se realizará conjugando diversidade com comunhão, decisão com participação e congregar com evangelizar.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 24/09/2025)

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Leão entre a missa em latim e os sem-terra

Começa a ficar claro que Leão XIV é um Papa desconcertante. Tanto dá sinais de acolhimento de posições classificadas como conservadoras, como se coloca ao lado daqueles que são rotulados como progressistas.

Na semana passada os tradicionalistas rejubilaram com a notícia, ainda não confirmada, de que o Papa Leão terá autorizado o cardeal Burke a celebrar a missa tridentina em latim na Basílica de S. Pedro, no próximo mês de outubro, algo que o seu antecessor não permitia desde 2022.

Este domingo, porém, o Papa presidiu a uma celebração em que se recordaram os mártires do século XXI. Destacou o exemplo de três, dos 1600 identificados pela “Comissão para os Novos Mártires” instituída por Francisco em 2023. A primeira referência foi para a “força evangélica da Irmã Dorothy Stang, empenhada na causa dos sem-terra na Amazónia”, assassinada em 2005 em Anapu, no Brasil, por enfrentar os latifundiários e madeireiros que estão a desmatar a floresta amazónica.

Em sua homenagem, na igreja de S. Luzia em Anapu, foi pintado um painel que serve de fundo ao altar.  Ao centro aparece crucificado um trabalhador sem-terra, ladeado pela Ir. Dorothy e pelo padre Josimo, também assassinado em 1986 no Maranhão. Vinte anos depois do assassinato da Ir. Dorothy, este painel foi tapado porque incomoda aqueles que não se reveem na sua luta e que agora controlam essa comunidade.

Ao destacar o exemplo da Ir. Dorothy o Pontífice não terá agradado aos que preferem colocar-se ao lado dos poderosos, em vez de seguirem a opção preferencial pelos mais pobres, como propõe a Doutrina Social da Igreja.

Aquilo que vai transparecendo da atuação de Leão XIV é a sua preocupação em salvaguardar a unidade da Igreja. Amanhã sai a sua primeira entrevista. Esta poderá esclarecer, ou ainda não, qual é o rumo que o Papa pretende tomar.

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Os primeiros santos de Leão são jovens

Carlo Acutis (1991-2006) e Pier Giorgio Frassati (1901-1925)
Leão XIV canonizou os seus primeiros santos este domingo: Pier Giorgio Frassati e Carlo Acutis. Canonizar um santo não significa que ele passe a ser santo, pois já o era: é a Igreja a reconhecer que a sua vida é um exemplo de santidade.

Estes novos santos têm em comum terem morrido muito jovens. Frassati morreu de poliomielite com 23 anos; Acutis de leucemia, com apenas 15. Apesar das suas curtas vidas, podem ser apresentados a todos os cristãos como exemplos de santidade, particularmente aos mais jovens.

Tanto Frassati como Acutis foram rapazes em tudo semelhantes aos jovens do seu tempo, com os mesmos passatempos e ocupações, alegrias e anseios. O primeiro destacou-se pela atenção às famílias mais pobres. O segundo pela utilização da Internet para divulgar a sua fé, especialmente os milagres eucarísticos que foi conhecendo pelo mundo fora. Foi com esse objetivo que Acutis passou por Portugal: visitou Santarém, local onde se verificou um milagre eucarístico, e aproveitou para passar por Fátima.

Ao propor estes novos santos ao catolicismo global, a Igreja está a sublinhar que o caminho da santidade não é algo inacessível. Está ao alcance de todos os que na sua vida se descobrem amados por Deus e procuram ser consequentes com essa vivência, aproveitando todas as oportunidades para o testemunhar.

Todos os cristãos são chamados à santidade. Ou melhor: no fundo, esse é o objetivo de vida de todos os homens e mulheres, embora o denominem de outra forma. Todos procuram a realização pessoal e a felicidade. A grande diferença é que um cristão acredita num Deus que nos amou primeiro e que quer que todos sejamos felizes para sempre.

O cristão realiza-se a dar testemunho desse amor no serviço aos outros. Foi o que fizeram Frassati e Acutis, como tantas mulheres e homens santos ao longo da história.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 10/09/2025)

quarta-feira, 3 de setembro de 2025

A Igreja na prevenção dos incêndios

Quando a floresta está a arder devem concentrar-se todas as forças no combate aos incêndios. Depois é que se devem retirar as consequências, refletir e planear para prevenir que situações particularmente graves, como as que aconteceram este ano e em anos anteriores, não se voltem a repetir.

Todos sabem que a prevenção é mais eficaz e menos dispendiosa do que o combate às chamas. Contudo, continua-se a negligenciar a floresta e a esquecê-la sempre que ela não arde. Só quando ela é fustigada pelos incêndios e desaparece é que se acorda.

Na encíclica Laudato Si’, o Papa Francisco foi sensível ao clamor da irmã Terra “contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou” (nº2). Apelou ao envolvimento de todos e deixou-nos sugestões e desafios para nos envolvermos no cuidado da casa comum, o que incluí o património florestal.

Nesta encíclica o antigo Papa insistiu que a natureza não é apenas um recurso para explorar, mas parte de um bem comum que exige proteção e gestão sustentável. Propôs uma educação e consciência ecológicas. A Igreja, segundo Francisco, tem a missão de formar consciências: ensinar comunidades, fiéis e famílias a respeitar o meio ambiente, a usar os recursos com prudência e a prevenir comportamentos de risco.

Sozinha, contudo, a Igreja pouco pode fazer. É chamada a envolver-se num trabalho em rede com a sociedade civil e as autoridades. O seu papel primordial, como já adiantou o Papa Leão XIV, será promover o voluntariado e a solidariedade no interior das comunidades locais.

Perante a tragédia dos incêndios que assolou Portugal, a Igreja nacional é convocada à fidelidade à Laudato Si’. Deve, por isso, delinear e colaborar em iniciativas que corrijam a ausência de gestão das florestas e promovam a prevenção dos incêndios.