quarta-feira, 31 de julho de 2024

Um tiro no pé da integração LGBTQ+

A cena da polémica, na transmissão da RTP da Cerimónia de Abertura dos Jogos Olímpicos,
não teve tanto impacto, porque coincidiu com a entrada em cena da delegação nacional. 
Algumas cenas infelizes, porque ofensivas, na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos em Paris, inundaram as redes sociais e fizeram com que tantas outras, tão bem conseguidas, perdessem toda a relevância. Foi o caso do que pareceu ser uma paródia da Última Ceia de Leonardo da Vinci, protagonizada por Barbara Butch, uma ativista lésbica francesa, acompanhada por dançarinos e travestis. Esta e outras cenas irritaram, não só os cristãos, mas também outras comunidades religiosas.

Os bispos franceses realçaram num comunicado os “momentos maravilhosos de beleza, de alegria, ricos de emoções e universalmente elogiados” que caracterizaram a cerimónia. Lamentaram, porém, que esta tenha incluído “cenas de escárnio e zombaria do cristianismo”, que consideraram deploráveis.

A organização dos Jogos apressou-se a assegurar que “nunca houve a intenção de desrespeitar qualquer grupo religioso”. O diretor artístico da cerimónia de abertura, Thomas Jolly, tentou tapar o sol com a peneira, negando veementemente o que transpareceu em cenas como a referida paródia: “O meu desejo não é ser subversivo, nem gozar ou chocar”.

Ora, “quem não se sente não é filho de boa gente”, diz a sabedoria popular. Contudo, os cristãos não podem esquecer-se que Jesus Cristo, no alto da cruz, foi o alvo das injúrias e da chacota da multidão. Ele próprio preparou os seus apóstolos para essa eventualidade, ao recordar-lhes que “o discípulo não está acima do mestre” (Mt. 10, 24).

Para além de ofender os cristãos, a paródia da Última Ceia foi mais lamentável por ter posto em causa o esforço de setores da Igreja Católica que, com o apoio do Papa Francisco, desejam que no seu seio ninguém seja discriminado nem excluído devido à sua orientação sexual. Em vez de ajudar, prejudicaram a integração da comunidade LGBTQ+ na Igreja. Um tiro no pé.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

Jornada Mundial da Juventude, o que ficou?

Já passou um ano desde que os símbolos da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) chegaram a Lisboa. A Câmara Municipal de Lisboa assinalou esta efeméride na segunda-feira, entregando aos trabalhadores que estiveram envolvidos nesse evento um reconhecimento do Papa Francisco.

Mais importante do que celebrar o que aconteceu há um ano é verificar o que significou a JMJ para o país e quais os seus efeitos, nomeadamente junto da juventude. Já são conhecidos os impactos económicos da JMJ: segundo um estudo do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade de Lisboa, a JMJ teve um impacto de, pelo menos, 370 milhões de euros. A Fundação JMJ teve um lucro de mais de 35 milhões de euros.

Há um ano, neste espaço de opinião, expressei o desejo de que “a JMJ deixasse uma marca indelével na juventude portuguesa”. Desejei também que esse efeito viesse a ser verificado para “avaliar o resultado do investimento feito na sua preparação e realização”.

Numa rede social em que partilhei esse texto, Cristina Sá Carvalho, docente da Faculdade de Teologia, deixou o seguinte comentário: “Será crucial proceder a uma avaliação séria do impacto pastoral, vocacional e institucional da JMJ: fala-se continuamente, à exaustão, a partir das fontes e metodologias mais variadas, do impacto económico, mas não é para promover o turismo que os Papas viajam. Poderia seguir-se o excelente e credível exemplo de Colónia e de Madrid e fazer-se posteriormente a devida reflexão”.

Até hoje, não consta que a Igreja tenha promovido qualquer estudo para avaliar o impacto pastoral da JMJ em Portugal: na participação juvenil na vida da Igreja, por exemplo, ou no incremento das vocações. Se algum trabalho existe, seria bom dar-lhe a devida divulgação. Se não foi feito, é muito mais importante fazê-lo do que comemorar a efeméride.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 24/07/2024)

quarta-feira, 17 de julho de 2024

Descentralizar a formação dos leigos

Alunos do Curso Básico de Teologia, no Algarve
Foto retirada daqui
Há décadas que se fala em Portugal na necessidade de investir na formação dos leigos para que eles possam assumir melhor as suas responsabilidades na Igreja. Contudo, muito pouco tem sido feito na generalidade das dioceses.

Esta formação laical exige, para além das ciências humanas, uma consistente formação teológica. Uma das maiores dificuldades em promover percursos formativos para os leigos deve-se ao facto de, na maioria das dioceses, não abundarem peritos em ciências teológicas.

No passado, quando todas as dioceses tinham o seu Seminário Maior, havia sempre padres formados que garantiam os estudos teológicos dos seminaristas. Hoje, com a concentração dos seminaristas maiores apenas em Braga, Porto, Lisboa e Évora, a maioria das dioceses desinvestiu na formação de peritos nessas áreas. Nestas cidades encontram-se as principais ofertas formativas para leigos com alguma credibilidade. Nas restantes, verificam-se apenas experiências esporádicas, quase sempre inconsequentes e com pouca profundidade teológica.

São de saudar, no entanto, todas as iniciativas que se desenvolvem longe dos centros teológicos: foi o caso do Curso Básico de Teologia que recentemente se encerrou no Algarve, concluído por 81 alunos. Uma das suas particularidades foi ter sido ministrado on-line. Isso permitiu chegar a diversos pontos da diocese e contar com professores de fora dela. Foi complementada com jornadas intensivas presenciais, as quais permitiram uma maior proximidade e convívio entre os alunos.

A falta de peritos nas dioceses mais distanciadas dos centros teológicos do país, e a rarefação das pessoas pelos extensos territórios do interior, já não são desculpa para adiar e não promover a devida formação laical. A formação on-line é uma solução viável – e a pandemia teve o condão de a disseminar.

quarta-feira, 10 de julho de 2024

Curar o cancro da democracia

Em muitos países, pelas mais diversas razões, os sistemas democráticos estão em crise. “É evidente que, no mundo atual, a democracia não está de boa saúde”, disse o Papa Francisco no discurso de encerramento da 50.ª Semana Social dos Católicos na Itália, em Trieste.

O diagnóstico do Papa inspira-se no tema da semana, “No Coração da Democracia – Participar entre História e Futuro”. A causa da doença é a indiferença e a falta de participação: é esse o “cancro da democracia”.

Para salvar a democracia o Papa apelou ao envolvimento dos cristãos. “Tal como a crise da democracia é transversal a diferentes realidades e nações, do mesmo modo a atitude de responsabilidade perante as transformações sociais é um apelo dirigido a todos os cristãos, onde quer que se encontrem a viver e a trabalhar, em todas as partes do mundo”.

É irónico que, como aconteceu em Portugal nas eleições legislativas ou na primeira volta das eleições francesas, uma maior participação dos eleitores traduziu-se num reforço dos partidos mais autoritários, para não dizer antidemocráticos. São também partidos que se aproveitam das fragilidades da democracia para dizer aos eleitores o que eles querem ouvir, recorrendo a falsidades que não são devidamente desmascaradas. 

A associação da imigração à criminalidade é um exemplo desse jogo sujo. Propor o corte de benefícios sociais por uma minoria os receber de forma fraudulenta, ou não os utilizar para sair da situação de pobreza, é outro, como bem denunciou Carvalho da Silva, antigo líder da CGTP, em entrevista ao JN/TSF.

Para salvar a democracia não basta uma maior participação. É necessário que essa participação seja mais esclarecida e menos deformada por falsidades ou preconceitos ideológicos. Não nos esqueçamos que foi democraticamente que Hitler conquistou o poder.

quarta-feira, 3 de julho de 2024

Os nados mortos das unidades pastorais

O Pe. Tiago Freitas propõe um Colégio de Paróquias
Foto retirada daqui
O fim-de-semana foi de festa em três dioceses. Foi ordenado um padre em Évora, no sábado, e, no domingo, um em Setúbal e outro na Guarda. Serão seguramente poucos, dadas as necessidades de clero nestas dioceses.

“De facto, temos menos sacerdotes, mas passámos a ter o serviço pastoral dos Diáconos Permanentes. Temos menos sacerdotes e, por isso, precisamos de valorizar, cada vez mais, os diferentes ministérios e serviços laicais nas nossas comunidades”, reconheceu D. Manuel Felício, bispo da Guarda, numa mensagem sobre a última ordenação na diocese. É pena que os leigos só sejam valorizados devido à falta de clero. Como defendeu o Concílio Vaticano II, os leigos devem ter “funções próprias e indispensáveis à ação da Igreja” (Apostolicam actuositatem, nº1).

Para o bispo da Guarda a falta de padres “obriga a fazer funcionar mais e melhor as unidades pastorais”. Estas são um conjunto de paróquias, próximas e homogéneas, que organizam as suas atividades em conjunto. Mas isto, que é uma das últimas modas pastorais em Portugal, está longe de ter provado a sua eficácia e virtualidade.

O Pe. Tiago Freitas, da arquidiocese de Braga, estudou as paróquias e os contributos que os leigos são chamados a dar à pastoral do futuro. Na sua tese de doutoramento em Teologia Pastoral, defendida em Roma em 2017, critica as unidades pastorais por, na sua génese, estar a falta de clero e não a valorização dos membros das comunidades.

Constata-se, assim, em muitas dioceses portuguesas, que as unidades pastorais são um belo ideal, mas, não havendo a devida formação de base do clero e dos leigos para trabalharem em conjunto, nunca passarão disso. Quando são meros aglomerados de paróquias, com falta de clero e sem leigos empenhados, as unidades pastorais não passam de nados mortos. Ou seja: oportunidades perdidas.