sexta-feira, 17 de julho de 2015

Um Papa revolucionário?

II Encontro Mundial de Movimentos Populares,
em Santa Cruz de la Sierra, Bolívia
Foto de Lydiane Ponciano, retirada daqui
O Papa Francisco concluiu a visita à América Latina. Deixou uma palavra de apoio às mudanças que se estão a operar nos países por onde passou, destacando as que promovem uma sociedade mais justa e inclusiva. Foi muito crítico em relação ao sistema socioeconómico que tudo submete à “lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza”. Sobretudo no discurso aos movimentos populares reunidos na Bolívia.

“Com sua habitual franqueza, o papa defendeu para todos esses ‘semeadores de mudança’ o acesso aos direitos sagrados dos ‘Três Ts’ – teto, trabalho, terra – e uma distribuição diferente das riquezas. Com tons quase revolucionários, ele condenou ‘o esterco do diabo’, ‘a ambição desenfreada do dinheiro que governa o sistema’ e ainda ‘a economia que mata’”, podia-se ler no editorial do jornal francês “Le Monde”, intitulado “A revolução social do Papa Francisco”.

O “Religión Digital” classifica como uma “refundação da Doutrina Social da Igreja” o discurso do Papa. “Depois de termos ouvido vários Papas abordar os perigos da ‘ditadura do proletariado’ (comunismo) e da ‘ditadura do relativismo’ (modernidade), finalmente agora um papa teve a coragem de denunciar a ‘ditadura subtil’ do atual sistema capitalista neoliberal globalizado que vai deixando as suas marcas e o seu ‘cheiro’ podre na sociedade e na natureza: o ‘esterco do diabo’ (em latim, stercore diaboli, um bom nome para esta “Encíclica”) onde reina a ambição desenfreada por dinheiro”, disse Sérgio Coutinho, professor de História da Igreja no Brasil, a esse sítio religioso.

As palavras corajosas de Bergoglio incomodam muitos que continuam a incensar o sistema capitalista e a professar a fé cega no mercado livre, até em cursos de economia das universidades católicas. Destacam as suas virtualidades e escamoteiam as suas perversidades, que estão na génese de fenómenos de “pobreza, desigualdade e exclusão”. A esses, o vaticanista Andrea Tornelli recorda que o Papa se limita a repropor os ensinamentos da tradição cristã. E a discussão não deve ser se ele é “comunista ou se fala demasiado dos pobres”, mas “por que é que na Igreja estes ensinamentos têm sido esquecidos ao ponto de parecer revolucionária a pregação do Papa argentino?”

(Texto publicado no Correio da Manhã de 17/07/2015)

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