quarta-feira, 26 de março de 2025

As estatísticas valem o que valem

Nem tudo está tão mal na Igreja Católica como, por vezes, se quer fazer crer. Os dados estatísticos da Santa Sé, publicados há dias, revelam um aumento do número de católicos em todo o Mundo. Já ultrapassam os 1400 milhões, aumentaram quase 20 milhões no biénio de 2022-23, um crescimento de 1,15%. Confirma-se a tendência dos últimos anos.

Os dados revelam que os continentes onde mais cresce a população católica continuam a ser a África e a Ásia. Na Europa é onde se verifica o menor crescimento, fruto também da diminuição da população e do seu envelhecimento.

Em relação ao número de padres, verifica-se que este diminui ligeiramente: 0,2%. No final de 2023 eram 406 996, menos 734 que no ano anterior. Contudo, a diminuição dos padres não ocorreu em todos os continentes. Em África e na Ásia, tiveram aumentos de 2,7% e de 1,6%, respetivamente. Na Europa foi onde se verificou a maior quebra.

As estatísticas permitem muitas leituras. Para um cristão, nem os sucessos devem esmorecer o dinamismo missionário de contagiar outros com a Boa Nova, nem os insucessos são motivo de desânimo. A sua fé, aliás, apoia-se num fracasso que se converteu em vitória: a paixão, morte e ressurreição de Jesus, a qual voltaremos a celebrar dentro em breve.

Para a Igreja os insucessos constituirão sempre um desafio a ir mais longe, ou a inovar nos métodos. Foi o que aconteceu a Pedro: depois de uma noite sem nada pescar, Jesus disse-lhe para se fazer ao largo e deitar as redes para o outro lado.

Os períodos de sucesso também podem conter perigos e traições no seu seio. Veja-se o que sucedeu à Igreja quando, em tempos de cristandade, se deixou corromper pelo poder e pelas lógicas mundanas.

Os seguidores de Jesus não trabalham para as estatísticas. Mas, sendo elas um termómetro da sua ação no Mundo, não devem ser menosprezadas.

quarta-feira, 19 de março de 2025

Ouvir todos para o bem da Igreja

Completam-se hoje 12 anos sobre o início solene do ministério petrino do Papa Francisco, que vive uma etapa difícil do seu Pontificado. Na quinta-feira passada celebrou pela primeira vez o aniversário da sua eleição no hospital. “Estou a passar por um período de provação e uno-me a tantos irmãos e irmãs doentes: frágeis, neste momento, como eu”, reconheceu o Papa na mensagem que enviou do hospital para ser lida na oração do “Angelus” do último domingo.

Ainda que afastado de muitas das suas atividades pastorais, o Papa é “um exemplo de fé, esperança e resiliência, com o seu olhar de pastor sempre voltado para o rebanho”, referiu há dias o vaticanista Salvatore Cernuzio. A partir do hospital, o Papa continua a garantir os atos essenciais de governo da Igreja e a acompanhar e a estimular a dinâmica sinodal por ele implementada na Igreja.

No sábado foi divulgada a sua última iniciativa para que o caminho sinodal continue. Convocou uma assembleia eclesial de toda a Igreja Católica para outubro de 2028 no Vaticano. Até lá, durante os próximos anos, a Secretaria do Sínodo deverá acompanhar e dinamizar as igrejas locais para que não esmoreça nem a reflexão, nem o debate, nem a procura de soluções para os problemas da Igreja.

Durante estes dias, fizeram-se muitas avaliações dos 12 anos de Francisco ao leme da barca de Pedro. Como é normal, vários consideram que o Papa avançou de mais em determinadas matérias, como o acolhimento dos divorciados. Outros, sentem que ainda se poderia ter ido mais longe em matérias como a ordenação das mulheres.

O Papa acredita numa Igreja que se deixa interpelar pelos desafios próprios de cada época. Que tem a preocupação de escutar a todos e acolher as opiniões de todos. Não para corresponder a todos os anseios, mas para discernir o melhor caminho para toda a Igreja.

quarta-feira, 12 de março de 2025

Colher a verdade onde se semeia a mentira

Chequeado, uma ONG argentina que verifica
a veracidade das informações que circulam na rede
Nem tudo o que vem à rede é peixe. Ou seja, nem tudo o que se publica na rede é verdade. Aliás, são cada vez mais as mentiras que se publicam e disseminam na Internet. Na semana passada chegou-me, através de um grupo numa rede social, uma suposta reflexão do Papa Francisco sobre os hospitais.

O tom e o estilo são de facto próximos daquilo a que nos habituou o Papa. O texto abria com a afirmação, a ele atribuída, de que “as paredes dos hospitais escutam orações mais autênticas que muitas igrejas”. Continuava com uma declaração provocatória, muito ao estilo de Francisco: “É no hospital onde se pode ver um homofóbico a ser salvo por um médico gay. Onde uma médica da classe alta salva a vida de um mendigo… Onde, na UCI, um judeu cuida de um racista…”

Não era referida nessa publicação onde Francisco teria proferido aquelas palavras. Fui pesquisar, para ter acesso ao texto original e à citação do tal discurso. Foi então que descobri que era falso graças a uma organização argentina, denominada “Chequeado”, uma organização não governamental, que se dedica a verificar a veracidade das informações que circulam na rede. A “Chequeado” acredita que, desta forma, contribui “para melhorar a qualidade do debate público” e “fortalecer o sistema democrático”.

Neste caso, a notícia falsa não parece à partida degradar o debate público, até dá a ideia que o eleva. Tal só sucederia se provocasse, como é habitual nas redes sociais, um debate soez entre os que perfilham teses racistas e homofóbicas e aqueles que se reveem nas afirmações atribuídas ao Papa. 

Embora a Internet, em geral, e as redes sociais, em particular, promovam a disseminação de notícias falsas, há cada vez mais instrumentos fiáveis para desmontar a falsidade de forma rápida e eficaz. É a esses instrumentos que se deve recorrer cada vez mais.

quarta-feira, 5 de março de 2025

Um fim-de-semana sem telemóveis


Assume-se que os jovens são muito dependentes dos telemóveis e da conexão às redes sociais, mas não se lhes oferecem oportunidades para que se desconectem e possam viver outras experiências.

No contexto do Instituto Politécnico de Bragança (IPB), surgiu a ideia de promover um fim de semana de desintoxicação digital, com o objetivo de os alunos se desligarem das redes e se conectarem mais consigo próprios, fazendo uma experiência de interiorização. Demos-lhe o nome “Offline Weekend”.

Apesar de ser uma atividade promovida pela capelania do IPB, de que sou capelão, o desafio que me coloquei foi o de desenhar um fim de semana, para 15 estudantes. Aberto à participação de quem tivesse, ou não, qualquer filiação religiosa.

Não esperava uma elevada adesão, mas fui surpreendido com a inscrição de 58 estudantes. Foram selecionados 15 das seis escolas do IPB.

No passado fim de semana, acompanhei-os nesta atividade. Ia preparado para não levarem a sério os tempos de interiorização e que experimentassem alguma dificuldade em libertarem-se do telemóvel. No final, uma das participantes deixou este testemunho: “Posso afirmar que não senti necessidade de usar o telemóvel. Foi até mais fácil do que eu achei que seria”.

Vários expressaram que esta experiência os transformou e que gostariam de a repetir. “Carrego comigo a sensação de serenidade e um desejo ainda maior de cuidar de mim mesma”, concluía outra estudante. Um deles está mesmo convencido que saiu de lá “uma melhor pessoa”.

É louvável que a Igreja se esforce em estar presente nas redes sociais para dialogar com os jovens. Contudo deve, também, continuar a propor atividades que os ajudem a saborear as virtualidades de esporadicamente se desconectarem, para acederem a outras vivências. Como se viu, estas podem ser gratificantes e ajudá-los a viver melhor.

quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

O mundo e a Igreja ainda precisam do Papa

O mundo precisa de vozes como a do Papa Francisco. Vozes proféticas que denunciem a insanidade da guerra, a mercantilização das relações internacionais e a subalternização da dignidade da pessoa humana ao lucro. Vozes que defendam o planeta sem resvalarem para o fundamentalismo ecológico. Vozes que defendam a justiça social e denunciem a discriminação, sem descambarem no wokismo. Vozes que digam a verdade, num mundo que é inquinado pelas “fake news”.

Contudo, como muito bem sabe o Papa, ninguém é eterno. Contudo, não somos efémeros. “Nós não somos nem eternos nem efémeros”, disse-o numa homilia em S. Marta no dia 1 de fevereiro de 2018. Um texto que vale a pena revisitar neste contexto da sua fragilidade física.

A morte encarrega-se de nos recordar que não somos eternos, embora por vezes nos esqueçamos dessa realidade e até desejamos que algumas pessoas o sejam. Esta contingência humana, segundo o Papa, deve levar-nos a questionar: “Que herança eu deixarei como testemunho de vida?”

É difícil de mensurar o legado que Francisco deixará à Igreja e ao mundo. São tantos os dinamismos que suscitou e, na verdade, vários ainda não se cumpriram.

Todos os homens e mulheres de boa vontade desejam que o Papa Francisco possa, por mais algum tempo, continuar a ser a voz que denuncia a corrida aos armamentos e a insensatez da guerra, os extremismos e os fundamentalismos, a cultura do descartável e a devastação do planeta. Os católicos rezam para que recupere a saúde e possa, ainda, consolidar alguns dos processos de renovação que promoveu na Igreja.

Quando ele partir, muitos rezarão para que, à semelhança do que aconteceu com João XXIII, surja um Papa que dê continuidade às reformas introduzidas por Francisco e ao Sínodo, como Paulo VI deu continuidade ao Concílio Vaticano II. Alguns, provavelmente, não...

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 26/02/2025)