quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Que Leão consolide Francisco!

Muita da opinião publicada dá conta de uma deceção com a atuação de Leão XIV. Teme-se que não consiga dar continuidade à dinâmica introduzida por Francisco. Que seja um Papa apagado, sem a chama e a determinação do seu antecessor.

Ainda é cedo para avaliar aquilo que vai significar para Igreja e para o mundo o pontificado do atual Papa. Contudo, Leão já deu sinais suficientes de que pretende continuar vários pontos da agenda de Francisco e, em determinados aspetos, até tem sido mais incisivo do que ele.

Disso é bom exemplo a sua primeira exortação apostólica Dilexi te (Eu te amei), sobre o amor aos pobres. Leão assumiu o título e o esquema deixado por Francisco e deu-lhe o seu cunho pessoal. Sendo natural que revele continuidade com o pensamento do seu antecessor, surpreendeu pela clareza e pelo arrojo.

Francisco ergueu a voz contra uma “economia que mata”. Leão diz que é necessário denunciar a “ditadura de uma economia que mata”. Francisco fez dos pobres a sua preocupação primordial. Leão questiona na Dilexit te “por que razão muitos continuam a pensar que podem deixar de prestar atenção aos pobres?”, quando a Bíblia, a práxis da Igreja, o seu magistério e, particularmente, a sua doutrina social, são tão claros em relação a esta matéria.

O Papa dedica cerca de dois terços da exortação a recordar o papel social da Igreja ao longo de vinte séculos de história e a relevância da sua doutrina social. É uma bela síntese que Leão remata com o alerta: “Permanecer no mundo das ideias e das discussões, sem gestos pessoais, frequentes e sinceros, será a ruína dos nossos sonhos mais preciosos” (nº 119).

A Igreja e o mundo anseiam por esses gestos concretos de Leão XIV, que confirmem o que já se vislumbra nas suas palavras: o seu empenho em levar por diante e consolidar a visão e a dinâmica de Francisco.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 15/10/2025)

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Leão XIV respondeu como Jesus

Papa conversa com os jornalistas - Castel Gandolfo   (@VaticanNews)
A uma pergunta farisaica, Leão XIV respondeu ao jeito de Jesus. Conta o jornal digital 7Margens que há dias, quando o Papa respondia a jornalistas, a cadeia de televisão EWTN News – conhecida por posições integristas – questionou-o sobre uma polémica que tem agitado a igreja norte-americana.

O cardeal Blase Cupich, de Chicago, decidiu atribuir um prémio ao senador democrata Dick Durbin pelas suas posições pró-imigração. Esta homenagem foi criticada pelos católicos norte-americanos pró-vida pelo facto de o senador ter apoiado iniciativas legislativas contra a criminalização do aborto. Alguns deles apoiam a perseguição aos imigrantes promovida pela administração Trump e defendem a pena de morte. Se o Papa dissesse que concordava com o prémio seria criticado por, ao contrário do que defende a doutrina católica, branquear posições pró-aborto. Se discordasse do prémio, estaria a deixar-se condicionar pelas posições rígidas desses católicos.

Também Jesus Cristo, segundo os Evangelhos, foi confrontado com questões que não procuravam esclarecer uma situação, mas apenas causar-lhe embaraço e reunir argumentos para o condenar. Foi o caso da mulher apanhada em flagrante adultério: perguntaram a Jesus se devia ser apedrejada de acordo com a Lei de Moisés, ou perdoada segundo a misericórdia que pregava. Jesus respondeu. “Quem não tiver pecados que atire a primeira pedra” (Jo 8, 1-11).

Leão XIV respondeu à questão que lhe foi colocada questionando se é possível um católico ser contra o aborto e a favor da pena de morte ou do “tratamento desumano” de imigrantes? Tal como Jesus, percebeu a intenção da pergunta: conduzi-lo a um beco sem saída. Mas o Papa não se deixou encurralar, devolvendo a provocação com uma chamada de atenção aos católicos que se dizem pró-vida, mas que só a defendem no que lhes convém.

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Ser cristão é não escorraçar migrantes

É provocatória a mensagem de Leão XIV que propõe os migrantes e refugiados como "missionários da esperança", tendo em conta a desconfiança com que são olhados no Mundo de hoje. Mas, em boa verdade, a provocação vem de Francisco, uma vez que usou esta fórmula como tema do 111.º Dia Mundial do Migrante e Refugiado, que a Igreja Católica celebra no próximo domingo.

"Num Mundo obscurecido por guerras e injustiças, mesmo onde tudo parece perdido, os migrantes e refugiados erguem-se como mensageiros de esperança", propõe o atual Papa. E acrescenta: "A sua coragem e tenacidade são testemunho heroico de uma fé que vê além do que os nossos olhos podem ver e que lhes dá força para desafiar a morte nas diferentes rotas migratórias contemporâneas".

Excelente síntese. Não é assim, porém, que os migrantes são tratados na discussão da Lei da Imigração, em Portugal. Nem mesmo o facto de contribuírem para o aumento da receita da Segurança Social e de não serem a causa do aumento da criminalidade os iliba das acusações de se aproveitarem dos nossos apoios sociais e de serem um perigo para a nossa segurança. A discussão da Lei de Estrangeiros concentrou-se no controlo da sua entrada e não cuida da sua permanência, como deveria. Preocupa-se mais com a sua expulsão do que com a boa integração.

Até os católicos se deixam seduzir pelos discursos populistas e não escutam os papas, este e o anterior. Francisco deixou quatro verbos que devem orientar a resposta da Igreja às migrações: acolher, proteger, promover e integrar. Nenhum deles é "dificultar" o acesso e "expulsar".

É fácil produzir legislação para controlar a entrada de estrangeiros e fazer deles o bode expiatório de todos os males do país. Difícil é acolher e integrar todos aqueles que são imprescindíveis ao funcionamento da economia e da sociedade portuguesa.

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

A porta entreaberta de Leão XIV

Na sua primeira entrevista, Leão XIV falou sobre o futuro da Igreja e o papel que o Papa é chamado a desempenhar. As reações que suscitou foram muito díspares. Entre os imobilistas, que Francisco classificou como "retrocedistas", tanto se aplaudiu a entrevista do Papa como esta foi acolhida com apreensão. Seguindo a categorização bergogliana, os "avançadistas" tiveram as mesmas reações porque leram as palavras de Leão no sentido contrário.

Os primeiros alegraram-se por acharem que Leão XIV colocou um travão às reformas introduzidas por Francisco, suscitando preocupação entre os segundos. Com aqueles que interpretaram que o Papa não fecha a porta, por exemplo, à ordenação de mulheres ou à reforma da Cúria iniciada por Francisco, aconteceu o inverso.

Na verdade, a entrevista revelou preocupações e orientações específicas do atual Papa, ao mesmo tempo que escondeu outras. Clarifica que o preocupa a polarização, tanto no Mundo como na Igreja. Escolhe como desígnio a unidade da Igreja e a criação de pontes entre os polos opostos. Se for bem-sucedido, honrará o título de Sumo Pontífice, que significa o supremo fazedor de pontes.

Com essa preocupação como pano de fundo, Leão XIV deixa a porta entreaberta, tanto para avançar como para recuar em relação às questões mais complexas que terá de afrontar. É este posicionamento que deixa intranquilos uns e outros, porque não se percebe para que lado é que o Papa irá pender.

O Papa, contudo, abre uma grande porta de saída, que é a sinodalidade: recorre a ela para responder, nomeadamente, à questão da dignificação do papel da mulher na Igreja. Se, de facto, Leão XIV implementar a sinodalidade como pretendia Francisco, então nada haverá a recear: tudo se realizará conjugando diversidade com comunhão, decisão com participação e congregar com evangelizar.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 24/09/2025)

quarta-feira, 17 de setembro de 2025

Leão entre a missa em latim e os sem-terra

Começa a ficar claro que Leão XIV é um Papa desconcertante. Tanto dá sinais de acolhimento de posições classificadas como conservadoras, como se coloca ao lado daqueles que são rotulados como progressistas.

Na semana passada os tradicionalistas rejubilaram com a notícia, ainda não confirmada, de que o Papa Leão terá autorizado o cardeal Burke a celebrar a missa tridentina em latim na Basílica de S. Pedro, no próximo mês de outubro, algo que o seu antecessor não permitia desde 2022.

Este domingo, porém, o Papa presidiu a uma celebração em que se recordaram os mártires do século XXI. Destacou o exemplo de três, dos 1600 identificados pela “Comissão para os Novos Mártires” instituída por Francisco em 2023. A primeira referência foi para a “força evangélica da Irmã Dorothy Stang, empenhada na causa dos sem-terra na Amazónia”, assassinada em 2005 em Anapu, no Brasil, por enfrentar os latifundiários e madeireiros que estão a desmatar a floresta amazónica.

Em sua homenagem, na igreja de S. Luzia em Anapu, foi pintado um painel que serve de fundo ao altar.  Ao centro aparece crucificado um trabalhador sem-terra, ladeado pela Ir. Dorothy e pelo padre Josimo, também assassinado em 1986 no Maranhão. Vinte anos depois do assassinato da Ir. Dorothy, este painel foi tapado porque incomoda aqueles que não se reveem na sua luta e que agora controlam essa comunidade.

Ao destacar o exemplo da Ir. Dorothy o Pontífice não terá agradado aos que preferem colocar-se ao lado dos poderosos, em vez de seguirem a opção preferencial pelos mais pobres, como propõe a Doutrina Social da Igreja.

Aquilo que vai transparecendo da atuação de Leão XIV é a sua preocupação em salvaguardar a unidade da Igreja. Amanhã sai a sua primeira entrevista. Esta poderá esclarecer, ou ainda não, qual é o rumo que o Papa pretende tomar.