quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

A relevância da Turquia para a Igreja

O concílio de Niceia, fresco no Salão Sistino, Vaticano
Foto: Wikimedia Commons
A região da atual Turquia foi o palco dos principais debates doutrinais dos primeiros séculos do cristianismo. Entre o século IV e o século IX, foi nesta área geográfica que se realizaram os oito primeiros concílios ecuménicos da Igreja, como recordou há dias Leão XIV no início da sua primeira viagem apostólica à Turquia e ao Líbano.

Esta viagem foi anunciada pelo Papa Francisco em novembro de 2024, com o objetivo de celebrar os 1700 anos do Concílio de Niceia (325), o primeiro ecuménico, porque todos os bispos foram convocados para refletirem questões teológicas e disciplinares a aplicar a toda Igreja.

Nos inícios do século IV discutia-se a divindade de Jesus e se tinha a mesma natureza divina do Pai. Foi em Niceia que se definiu que Jesus é verdadeiramente Deus e a sua consubstancialidade com o Pai. Essa formulação foi introduzida no Credo, o qual elenca os principais conteúdos da fé cristã. Com pequenas alterações introduzidas alguns anos depois (381) em Constantinopla, a atual Istambul, é rezada todos os domingos pelos católicos na missa. É também professada pela Igreja Ortodoxa, bem como por outras igrejas cristãs, aquelas que aceitam a validade dos concílios da igreja primitiva.

O Concílio de Niceia celebrou-se na atual İznik, na província turca de Bursa, que Leão XIV visitou sexta-feira. Realizou-se apenas doze anos após a proclamação do Édito de Milão (313) em que Constantino declarou o Império Romano como neutro em relação a qualquer religião, pondo fim às perseguições que fustigaram sobretudo os cristãos.

Em Niceia consolidaram-se alguns dos conteúdos fundamentais da fé cristã. Ali puderam reunir-se bispos de todo o mundo, graças à liberdade religiosa recentemente instaurada no Império Romano. Por isso a Turquia é tão importante para o cristianismo e justifica uma visita do Papa.

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

O Pe. Samelo continua a desafiar-nos

Completa-se amanhã um ano que mais de um milhar de pessoas participaram na missa do funeral do Pe. António Samelo, em Covões, Cantanhede. Ou melhor: na eucaristia da sua Páscoa, da sua passagem para a Casa do “Deus Pai/Mãe”, com ele costumava dizer.

Algumas pessoas decidiram promover um encontro para celebrar o primeiro aniversário da Páscoa do Pe. Samelo. Decidiu-se que seria em Bragança, onde ele, nos últimos anos, passava algumas das suas férias. 

Realizou-se no sábado passado. Participaram 50 pessoas, quase trinta presencialmente – de diversos pontos do país – e as restantes on-line.

Todos estávamos conscientes que não agradaria ao Samelo (era assim que todos o tratávamos) que o encontro servisse apenas para recordar momentos significativos que cada um viveu com ele. Tinha de servir para algo mais. Acolhemos o desafio, que o fazia vibrar, de repensar a Igreja numa lógica mais evangélica em que, pelo Batismo, todos os seus membros têm a mesma dignidade. Isso implica sempre, nas suas palavras, “quebrar ‘o espinhaço’ do diabólico clericalismo”. Via na sinodalidade uma oportunidade para realizar este desígnio.

Esta é uma reflexão que não se conclui em apenas um dia. Saímos dinamizados para a continuar a fazer, individualmente ou em grupos. Voltaremos a promover este encontro, que recebeu o nome “Sal na terra – Samelidades”, no próximo ano, em Coimbra.

Há um ano, eu escrevi neste espaço que “a coerência, a radicalidade, o desprendimento, a disponibilidade e tantas outras qualidades do Samelo, permanecerão na memória daqueles que com ele contactaram. Ele continuará a desafiar-nos a sermos mais consequentes com a palavra e o exemplo de Jesus Cristo”. Verifico que, como uma pequena semente, estes mesmos valores podem desenvolver-se em cada um de nós. Dão um sabor novo às nossas vidas e à Igreja.

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Dar visibilidade aos invisíveis

A peça “Elogio do Riso” é uma homenagem à comédia e aos seus mestres. Estes “são sempre tratados como o parente pobre das artes”, disse Maria Rueff, coautora e protagonista da peça, ao Diário de Notícias.

A peça é o resultado de quatro anos de pesquisa de Maria Rueff e de Rodrigo Francisco. A atriz e o diretor artístico da Companhia de Teatro de Almada “mergulharam no que filósofos, dramaturgos, comediantes e outros escreveram sobre a origem e a função do riso”, segundo o DN. Durante esse percurso, juntou-se a este projeto Hajo Schüler, ator e encenador da companhia alemã Familie Floz, também ele coautor da peça.

Maria Rueff assume o papel de alguém que, não só vive no teatro, como também vive do e para o teatro. Representa aqueles que tantas vezes são ignorados e menosprezados. O “Elogio do Riso” é uma peça que “também tem coisas que fazem rir, mas eu diria que é talvez mais para pensar”, disse a atriz ao DN.

Por ironia do destino, assisti ao “Elogio do Riso” no domingo em que a Igreja Católica celebrava o IX Dia Mundial do Pobre, instituído pelo Papa Francisco em 2016 e celebrado pela primeira vez em 2017. Esse é um dia dedicado a dar mais visibilidade aos que tantos não querem ver. Àqueles que até são acusados de nada fazerem para sair dessa situação. E ali estava a Maria Rueff a dar palco aos que se movem nos bastidores do teatro. A dar visibilidade aos invisíveis.

Não foi isso que fez Jesus durante a sua vida? Não é isso que a Igreja é chamada a fazer? Não é isso que significa a opção preferencial pelos mais pobres, que os católicos são chamados a assumir?

A peça “Elogio do Riso” traduz a homenagem da atriz Maria Rueff ao “parente pobre das artes” e é, também, um testemunho eloquente da sua opção preferencial pelos pobres. Faz rir, e faz pensar, como é próprio da comédia.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

A dignidade humana em tempos da IA

Os avanços tecnológicos, que se sucedem a um ritmo vertiginoso, estão entre as grandes preocupações do Papa desde o início do seu pontificado. No dia seguinte à eleição, no primeiro encontro com os cardeais, Leão XIV explicou que escolheu o nome “Leão” por ver semelhanças entre o nosso tempo e o final do século XIX, quando Leão XIII enfrentou os desafios da primeira grande revolução industrial.

Se então a Igreja foi chamada a abordar a questão social, hoje é desafiada a “responder a outra revolução industrial e aos desenvolvimentos da inteligência artificial (IA), que trazem novos desafios para a defesa da dignidade humana, da justiça e do trabalho”, afirmou então o Papa aos cardeais. Leão XIV reconhece “que o desenvolvimento tecnológico trouxe, e continua a trazer, benefícios significativos para a humanidade, particularmente nos campos da medicina e da saúde”. Escreveu-o numa mensagem dirigida aos participantes num congresso internacional, subordinado ao tema “IA e Medicina: o desafio da dignidade humana”, que hoje se conclui em Roma.

Ainda assim, o Papa advertiu que, “para garantir um verdadeiro progresso, é imperativo que a dignidade humana e o bem comum continuem a ser prioridades sólidas para todos, tanto para os indivíduos como para as entidades públicas”.

Os desafios colocados por esta nova revolução tecnológica — e, em particular, pela evolução acelerada da IA — exigem da Igreja lucidez para acolher as suas potencialidades e espírito crítico para discernir os seus riscos. A Igreja é chamada de novo a propor a sua doutrina social em defesa da dignidade humana e do bem comum, frequentemente ameaçados pela lógica do lucro que tende a marcar estes períodos de profundas transformações.


quarta-feira, 5 de novembro de 2025

A escola católica nasceu para os pobres

Escola católica na aldeia de Loli, no sul do Nilo Branco, Sudão central
Foto de Michael Freeman retirada daqui

As escolas católicas têm na sua génese a preocupação com a instrução e a educação dos mais pobres. Leão XIV recordou-o na encíclica “Dilexi Te”, ao fazer o percurso da preocupação da Igreja com os desfavorecidos. “Inspirada no exemplo do Mestre [...] a Igreja assumiu como missão formar as crianças e os jovens, especialmente os mais pobres, na verdade e no amor”. Desde o final do século XVI, foram várias as congregações que surgiram com essa preocupação.

Na Encíclica o Papa referiu S. José Calasanz, o qual, “impressionado pela falta de instrução e formação dos jovens pobres da cidade de Roma, deu vida à primeira escola pública popular e gratuita da Europa”. A que se seguiu S. João Baptista de La Salle, que “fundou os Irmãos das Escolas Cristãs, com o ideal de lhes oferecer ensino gratuito, formação sólida e ambiente fraterno”. O Papa lembrou também, entre outros, S. Marcelino Champagnat, fundador dos maristas, e S. João Bosco, dos salesianos. Ambos estiveram imbuídos do mesmo espírito de possibilitar o acesso à educação em contextos que ela era um privilégio de poucos.

O Papa voltou a este tema na carta apostólica “Desenhar novos mapas de esperança”, que comemora o 60º aniversário da declaração do Concílio Vaticano II sobre a educação cristã. Leão XIV assinou esse documento na abertura do Jubileu do Mundo Educativo a 27 de outubro, no Vaticano. Neste documento regressa ao que já tinha escrito na sua primeira encíclica, e sublinha, mais uma vez, que a Igreja é desafiada a ir “onde o acesso à educação é ainda um privilégio”.