quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Intolerância católica findou há 60 anos

A Nostra Aetate (em latim, "No nosso tempo") é a Declaração sobre a Relação da Igreja com as Religiões Não Cristãs, aprovada e promulgada pelo Papa Paulo VI em 28 de outubro de 1965, durante o Concílio Vaticano II. Foto retirada daqui
Quando alguém está convencido que está na verdade e que o erro deve ser combatido, então não há espaço para o diálogo. Foi o que impediu durante séculos o diálogo inter-religioso no interior da Igreja Católica.

Felizmente, o Concílio Vaticano II consegui superar esse impedimento quando procurou olhar para as outras religiões com respeito e reconhecer o que nelas é “verdadeiro e santo”, com a aprovação da Declaração “Nostra aetate” sobre a Igreja e as religiões não-cristãs. Fez ontem, precisamente, 60 anos.

Essa data foi assinalada no Vaticano com um evento em que, segundo a agência Ecclesia, participaram líderes e representantes do judaísmo, islamismo, hinduísmo, jainismo, sikhismo, budismo, zoroastrismo, confucionismo, taoísmo, xintoísmo e religiões tradicionais.

Foi há sessenta anos que se suprimiu a oração pelos pérfidos judeus, na Sexta-feira Santa. Eram assim classificados por terem matado Jesus. Mas mais importante do que essa subtil, ainda que significativa, mudança, foi a condenação explícita da “Nostra aetate” de todas as “manifestações de antissemitismo”.

O Concílio desafiou os católicos a esquecerem “as discórdias e ódios” do passado e a olhar para os muçulmanos com estima. É certo que, nos tempos que correm, o fundamentalismo islâmico não está a ajudar a sarar essas feridas do passado...

Em relação ao hinduísmo e ao budismo, a declaração conciliar reconhece que também essas religiões refletem “um raio da verdade que ilumina todos os homens”. Encerra com a reprovação explícita de “toda e qualquer discriminação ou violência praticada por motivos de raça ou cor, condição ou religião”.

Quem, hoje – ainda que se apresente como um católico fervoroso – promove narrativas xenófobas ou racistas, e as difunde pelas redes sociais, não está em comunhão com a doutrina conciliar.

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

Nativos digitais que se tornam “offliners”

Os nativos digitais começam a sentir atração por atividades em que a presença das tecnologias seja reduzida. Aqueles que nasceram e cresceram num ambiente digital e que, por isso, têm dificuldade em imaginar um mundo sem telemóvel, sem videojogos, sem Internet ou redes sociais, querem experimentar esse mundo, nem que seja por uns dias.

Esta é uma razão que explica a adesão que se tem verificado entre os alunos do Instituto Politécnico de Bragança (IPB) a uma proposta da respetiva capelania para passarem um fim-de-semana sem telemóvel e desconectados das redes sociais: o “Offline Weekend”. Já é a segunda edição, em poucos meses, com as inscrições de ambas a ultrapassarem a meia centena.

Os estudantes referem outras motivações para se inscreverem nesta atividade. Começam a perceber que se sentem viciados e que precisam de um tempo de desintoxicação. Estas tecnologias, que prometiam aproximar as pessoas, têm afinal provocado maior isolamento e dificultado a interação social.

Quando as tecnologias são silenciadas, então os estudantes podem escutar-se melhor e aceder à sua interioridade. Verificam como é gratificante conversar e conviver com os outros. Como é tão ou mais divertido jogar cartas ou jogos de tabuleiros, adivinhar charadas ou desafios de palavras. 

É certo que uma centena num universo de dez mil alunos do IPB é pouco. Contudo, são um sinal de que há nativos do digital que estão abertos a explorar outros mundos. Destes foram selecionados apenas trinta para participar no “Offline Weekend” anterior. Todos saíram dinamizados para desafiar amigos e familiares a experimentarem um dia sem telemóvel. Alguns já promoveram iniciativas offline entre eles.

Os nativos digitais estão, assim, a converterem-se em “offliners”. Esperemos que não fundamentalistas, pois a digitalização tem imensas virtualidades.

quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Que Leão consolide Francisco!

Muita da opinião publicada dá conta de uma deceção com a atuação de Leão XIV. Teme-se que não consiga dar continuidade à dinâmica introduzida por Francisco. Que seja um Papa apagado, sem a chama e a determinação do seu antecessor.

Ainda é cedo para avaliar aquilo que vai significar para Igreja e para o mundo o pontificado do atual Papa. Contudo, Leão já deu sinais suficientes de que pretende continuar vários pontos da agenda de Francisco e, em determinados aspetos, até tem sido mais incisivo do que ele.

Disso é bom exemplo a sua primeira exortação apostólica Dilexi te (Eu te amei), sobre o amor aos pobres. Leão assumiu o título e o esquema deixado por Francisco e deu-lhe o seu cunho pessoal. Sendo natural que revele continuidade com o pensamento do seu antecessor, surpreendeu pela clareza e pelo arrojo.

Francisco ergueu a voz contra uma “economia que mata”. Leão diz que é necessário denunciar a “ditadura de uma economia que mata”. Francisco fez dos pobres a sua preocupação primordial. Leão questiona na Dilexit te “por que razão muitos continuam a pensar que podem deixar de prestar atenção aos pobres?”, quando a Bíblia, a práxis da Igreja, o seu magistério e, particularmente, a sua doutrina social, são tão claros em relação a esta matéria.

O Papa dedica cerca de dois terços da exortação a recordar o papel social da Igreja ao longo de vinte séculos de história e a relevância da sua doutrina social. É uma bela síntese que Leão remata com o alerta: “Permanecer no mundo das ideias e das discussões, sem gestos pessoais, frequentes e sinceros, será a ruína dos nossos sonhos mais preciosos” (nº 119).

A Igreja e o mundo anseiam por esses gestos concretos de Leão XIV, que confirmem o que já se vislumbra nas suas palavras: o seu empenho em levar por diante e consolidar a visão e a dinâmica de Francisco.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 15/10/2025)

quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Leão XIV respondeu como Jesus

Papa conversa com os jornalistas - Castel Gandolfo   (@VaticanNews)
A uma pergunta farisaica, Leão XIV respondeu ao jeito de Jesus. Conta o jornal digital 7Margens que há dias, quando o Papa respondia a jornalistas, a cadeia de televisão EWTN News – conhecida por posições integristas – questionou-o sobre uma polémica que tem agitado a igreja norte-americana.

O cardeal Blase Cupich, de Chicago, decidiu atribuir um prémio ao senador democrata Dick Durbin pelas suas posições pró-imigração. Esta homenagem foi criticada pelos católicos norte-americanos pró-vida pelo facto de o senador ter apoiado iniciativas legislativas contra a criminalização do aborto. Alguns deles apoiam a perseguição aos imigrantes promovida pela administração Trump e defendem a pena de morte. Se o Papa dissesse que concordava com o prémio seria criticado por, ao contrário do que defende a doutrina católica, branquear posições pró-aborto. Se discordasse do prémio, estaria a deixar-se condicionar pelas posições rígidas desses católicos.

Também Jesus Cristo, segundo os Evangelhos, foi confrontado com questões que não procuravam esclarecer uma situação, mas apenas causar-lhe embaraço e reunir argumentos para o condenar. Foi o caso da mulher apanhada em flagrante adultério: perguntaram a Jesus se devia ser apedrejada de acordo com a Lei de Moisés, ou perdoada segundo a misericórdia que pregava. Jesus respondeu. “Quem não tiver pecados que atire a primeira pedra” (Jo 8, 1-11).

Leão XIV respondeu à questão que lhe foi colocada questionando se é possível um católico ser contra o aborto e a favor da pena de morte ou do “tratamento desumano” de imigrantes? Tal como Jesus, percebeu a intenção da pergunta: conduzi-lo a um beco sem saída. Mas o Papa não se deixou encurralar, devolvendo a provocação com uma chamada de atenção aos católicos que se dizem pró-vida, mas que só a defendem no que lhes convém.

quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Ser cristão é não escorraçar migrantes

É provocatória a mensagem de Leão XIV que propõe os migrantes e refugiados como "missionários da esperança", tendo em conta a desconfiança com que são olhados no Mundo de hoje. Mas, em boa verdade, a provocação vem de Francisco, uma vez que usou esta fórmula como tema do 111.º Dia Mundial do Migrante e Refugiado, que a Igreja Católica celebra no próximo domingo.

"Num Mundo obscurecido por guerras e injustiças, mesmo onde tudo parece perdido, os migrantes e refugiados erguem-se como mensageiros de esperança", propõe o atual Papa. E acrescenta: "A sua coragem e tenacidade são testemunho heroico de uma fé que vê além do que os nossos olhos podem ver e que lhes dá força para desafiar a morte nas diferentes rotas migratórias contemporâneas".

Excelente síntese. Não é assim, porém, que os migrantes são tratados na discussão da Lei da Imigração, em Portugal. Nem mesmo o facto de contribuírem para o aumento da receita da Segurança Social e de não serem a causa do aumento da criminalidade os iliba das acusações de se aproveitarem dos nossos apoios sociais e de serem um perigo para a nossa segurança. A discussão da Lei de Estrangeiros concentrou-se no controlo da sua entrada e não cuida da sua permanência, como deveria. Preocupa-se mais com a sua expulsão do que com a boa integração.

Até os católicos se deixam seduzir pelos discursos populistas e não escutam os papas, este e o anterior. Francisco deixou quatro verbos que devem orientar a resposta da Igreja às migrações: acolher, proteger, promover e integrar. Nenhum deles é "dificultar" o acesso e "expulsar".

É fácil produzir legislação para controlar a entrada de estrangeiros e fazer deles o bode expiatório de todos os males do país. Difícil é acolher e integrar todos aqueles que são imprescindíveis ao funcionamento da economia e da sociedade portuguesa.