quarta-feira, 29 de maio de 2024

O mistério da fé explicado às crianças

O Papa Francisco com as crianças
Foto: Vatican Media
O Papa Francisco procurou explicar o incompreensível às crianças: o mistério da Santíssima Trindade. Racionalmente, não conseguimos compreender como é que é possível acreditarmos num só Deus que se revela como três pessoas distintas: Pai, Filho e Espírito Santo.

No domingo passado a Igreja Católica celebrou a Trindade. Esta celebração acontece, todos os anos, no domingo seguinte ao Pentecostes. Estas solenidades são móveis, porque dependem da Páscoa. O Pentecostes encerra o Tempo Pascal, 50 dias depois da Páscoa. Comemora-se a descida do Espírito Santo sobre os Apóstolos e Maria. No domingo seguinte, como eco desse acontecimento, celebra-se a Trindade.

Este ano esta celebração coincidiu com a primeira Jornada Mundial das Crianças, em Roma. Milhares de meninos e meninas, de 101 países, participaram no domingo passado na missa presidida por Francisco na Praça de S. Pedro. Para explicar tão intrincado mistério, o Papa falou de improviso, dialogando com as crianças. De forma simples e ligeira, em pouco mais de cinco minutos o Papa expôs-lhes a Trindade.

“Um Deus em três pessoas”. Um “Pai que nos criou a todos, que tanto nos ama”. Um Filho, que é Jesus, que “perdoa tudo”. Quanto ao Espírito Santo, é o Deus que nos habita, “que nos acompanha na vida”. O Papa rematou o diálogo com os mais novos com algo que os adultos também deviam redescobrir: “A fé faz-nos felizes!”

Podemos, felizmente, ler o improviso do Papa, porque, como é costume no Vaticano, tudo foi transcrito e está disponível on-line. Até as respostas das meninas e dos meninos.

A homilia do Papa deve servir de inspiração aos que temos de presidir a eucaristias com crianças, o que nestes dias acontece muito, por causa das Primeiras Comunhões. Pode também inspirar muitos adultos a acolher dentro de si o mistério da Santíssima Trindade.

quarta-feira, 22 de maio de 2024

“Qual Igreja para o futuro?”


Quando se discute qual o futuro da Igreja, o teólogo franciscano Ettore Marangi, num artigo publicado há dias nas redes sociais, coloca a questão provocatória: “Qual Igreja para o futuro?”.

O artigo começa por traçar um cenário preocupante para a Igreja. Perde tempo em discussões como “uma simples bênção para os casais homossexuais”, sem perceber que se está a tornar “completamente irrelevante justamente no nível espiritual”, ainda que “mantenha algum peso ao nível temporal”. Uma Igreja que vive preocupada em rezar a Deus que envie pastores para o rebanho quando “quase todas as ovelhas desapareceram do redil”.

Para explicar como se chegou aqui explora a imagem da Igreja como Corpo de Cristo. Também S. Paulo utilizou esta imagem para afirmar “que a comunidade cristã é o corpo de Cristo, no qual todos os membros desempenham uma função específica e têm a mesma dignidade, da cabeça [os líderes] aos pés”. Quando a partir desta imagem se assumiu que a cabeça era Cristo, e que “quem age verdadeiramente na pessoa de Cristo – in persona Christi – só poderá ser o clero e não, por exemplo, um médico ou uma freira”, a Igreja clericalizou-se e o clero impôs-se como o cérebro desse corpo.

Chegámos a um ponto, considera Ettore Marangi, em que o cérebro não escuta o seu corpo e “não se dá conta das doenças” que o afetam. Apesar de estar “já desesperadamente anoréxico”, insiste em impor-lhe uma “dieta prejudicial”. Então, “a terapia só pode ser uma: é preciso salvar todos os membros e restaurar as suas funções”.

São vozes como a deste teólogo que desafiam os clérigos a não se enredarem em questiúnculas e a estarem mais atentos às doenças do corpo que são chamados a servir. São vozes como esta que estimulam os leigos a assumirem protagonismo nas suas comunidades. Sem leigos preponderantes, o corpo definha.

quarta-feira, 15 de maio de 2024

Com cristãos divididos o Mundo é pior


O Papa Francisco propôs a esperança como mensagem central do Ano Santo que se celebrará em 2025. Na semana passada, publicou a Bula de proclamação do Jubileu a que deu o título “Spes non confundit” (A Esperança não engana).

É uma tradição antiga da Igreja o Papa proclamar um Ano Santo a cada 25 anos do nascimento de Jesus, ou da sua Paixão, Morte ou Ressurreição. Em 2033, por exemplo, celebrar-se-ão os dois mil anos destes acontecimentos fundamentais para a fé cristã.

Para a vivência do Ano Santo, o Papa, além de convocar a alegria jubilar, expressa igualmente o seu desejo de ver sinais de esperança a acontecer no mundo durante este período.

Ao propor oito sinais, com destaque para a paz, o Papa junta três apelos. Volta, num regresso à Encíclica “Fratelli tutti”, a pedir que o dinheiro gasto em armamento seja aplicado “num fundo global para acabar de vez com a fome”. Apela também aos países ricos para que perdoem ou reformulem “dívidas injustas e insolventes” dos países pobres.

Finalmente, para o interior do cristianismo, apela aos “cristãos do Oriente e do Ocidente para darem resolutamente um passo rumo à unidade em torno duma data comum para a Páscoa”. Este ano, enquanto os católicos e cristãos ocidentais celebraram a Páscoa no dia 31 de março, os ortodoxos só a celebraram a 5 de maio. Dá-se a coincidência de, em 2025, os diferentes calendários cristãos fixarem o mesmo dia para a Páscoa: 20 de abril.

De facto, se as igrejas cristãs não se conseguem entender em relação à data da Páscoa, como podem exigir o entendimento entre as nações? A divisão entre os cristãos é um dos maiores contratestemunhos dos seus discursos, descredibilizando-os.

Oxalá o Jubileu do ano 2025 contribua para uma maior coerência entre cristãos. Só dessa forma poderão ser semeadores da esperança e da alegria no Mundo.

quarta-feira, 8 de maio de 2024

Caminhar não é ficar parado nem correr

Deu-se mais um passo, em Portugal, na dinâmica sinodal que o Papa Francisco está a promover na Igreja Católica. Depois de se escutarem novamente as dioceses, os movimentos, os grupos e todos aqueles que fizeram chegar as suas reflexões à Conferência Episcopal Portuguesa, elaborou-se uma síntese que será enviada para Roma.

É um bom relatório da consulta sinodal, elaborado por um conjunto de peritos que soube acolher os mais diversos contributos. Refere mesmo, ainda que brevemente, as “questões doutrinais/pastorais que ainda causam dúvida, controvérsia ou desacordo na vida da Igreja”. São elas, por exemplo, “a moral sexual, o celibato dos padres, o envolvimento de ex-padres casados, a possibilidade de ordenação de mulheres”. Trata-se de temas que exigem maior aprofundamento.

São estas “questões fraturantes” que atraem a opinião publicada, pelo que fizeram títulos de muitas notícias divulgadas desde a semana passada quando foi divulgado o relatório. São questões que deixarão uns desiludidos, outros preocupados.

Aqueles que pretendem que a Igreja avance rapidamente na resolução desses problemas, ao verificarem o curto espaço que lhes é dedicado no relatório e a cautela com que são abordados, ficarão desapontados. Aqueles que temem que a Igreja se degrade pelas reformas que pressentem na liderança de Francisco, só pelo facto de serem mencionados determinados tópicos, encontrarão aí mais sinais preocupantes de desrespeito pela tradição.

Ora, a sinodalidade que o Papa propõe à Igreja é precisamente procurar que esta faça um caminho em conjunto. Tal implica não ficar parado, nem refém de fórmulas e práticas do passado. Contudo, caminhar também não significa correr. Tem de se dar o tempo necessário para discernir o que mais convém à Igreja. E não se devem encerrar liminarmente questões controversas.

quarta-feira, 1 de maio de 2024

A Bienal de Veneza passa pela cadeia

 
Papa na cadeia feminina de Giudecca, Veneza
Foto Vatican Media retirada daqui
Os reclusos merecem uma atenção especial do Papa Francisco. Inclui com frequência visitas a prisões nas suas viagens e, desde o início do seu Pontificado, realiza a cerimónia do Lava-Pés numa cadeia. Esta é uma celebração que os bispos costumam realizar na catedral na Quinta-feira Santa.

Na Bienal de Veneza, em curso, o Pavilhão da Santa Sé foi instalado numa prisão que acolhe mulheres na ilha de Giudecca. Inclui uma exposição dedicada aos direitos humanos e chama a atenção para os marginalizados e esquecidos pela sociedade. Resulta da colaboração entre as reclusas e diversos artistas.

Este domingo, o Papa Francisco iniciou a sua visita a Veneza com um encontro com as reclusas de Giudecca. Fê-lo para demonstrar o carinho que tem por elas e a importância que lhes dá.

Em breves palavras referiu que a cadeia é “uma realidade dura” devido “à sobrelotação, à falta de infraestruturas e de recursos, aos episódios de violência” que geram tanto sofrimento às reclusas. Mas disse-lhes que a cadeia pode ser também um “lugar de renascimento moral e material”. Para isso, “é fundamental que o sistema prisional ofereça aos reclusos ferramentas e espaços de crescimento humano, espiritual, cultural e profissional, criando as condições para a sua reinserção saudável”.

O Papa olha para os reclusos como seres humanos, a quem se deve dar a oportunidade de corrigirem os seus erros e de se reinserirem na sociedade. Não são meros criminosos a castigar, quanto mais tempo, melhor. É a diferença entre uma perspetiva punitiva da justiça e a procura da regeneração da pessoa detida.

É mais fácil castigar do que regenerar. Contudo, é muito melhor reinserir. Não só porque, por cada recluso que não reincide, o Estado e todos nós ganhamos segurança. Mas, porque passamos a contar com cidadãos válidos para caminharem ao nosso lado.