sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Os “coelhos” do Papa

Foto retirada daqui
A bordo do avião, no regresso das Filipinas, o Papa não falou só de coelhos. Falou também de “um país que sabe sofrer”. E não se esqueceu dos pobres, “as vítimas desta cultura do descarte”. Denunciou o terrorismo de Estado que lança os cidadãos na pobreza e dos que dela se aproveitam para fazer uma “colonização ideológica”. Ergueu a voz contra a corrupção e os corruptos, que roubam o povo.

Como é normal e natural, o que mereceu um maior destaque e gerou uma maior discussão foi a alusão à paternidade responsável, por causa da formulação utilizada pelo Papa: “Creem alguns – desculpem a frase – que, para ser bons católicos, devem ser como coelhos”.

Esta expressão foi logo aproveitada para sublinhar a aparente contradição entre o apelo à paternidade responsável e a rejeição dos métodos anticoncetivos artificiais. Como se estes fossem o única forma de exercer a responsabilidade na procriação e assumindo que a Igreja é contra eles liminarmente. Porém, Bento XVI, há cinco anos, admitiu o uso do preservativo em determinadas circunstâncias. E Paulo VI, como recordou o Papa Francisco, defendeu a anticoncepção natural mas recomendou “aos confessores para serem misericordiosos, compreensivos” para com os problemas pessoais nestas matérias.

Nestes como noutros assuntos, a Igreja tem vindo a abandonar um discurso fundamentalista e a concentrar-se naquela que deve ser a sua preocupação: anunciar valores e denunciar o seu atropelo. Mais importante do que dizer se se pode ou não usar o preservativo, a Igreja deve, antes, apelar à responsabilidade dos pais para colocarem no mundo os filhos que devem. E isto poderá implicar, para alguns, não procriarem mais e, para outros, serem mais generosos e não cederem à tentação de se ficarem pelo filho único.

É isso que predominantemente acontece na Europa e em particular em Portugal, o qual, segundo o Eurostat, registava em 2012 a mais baixa taxa de fecundidade da União Europeia. A média europeia é de 1,58 filhos por cada mulher fértil. Em Portugal chega apenas aos 1,28, enquanto na Irlanda e na França, os países com o valor mais elevado, se fica pelos 2,01. Muito longe dos três filhos por casal que, “de acordo com o que dizem os peritos – mantêm a população”, como lembrou o Papa.

(Texto publicado no Correio da Manhã de 23/01/2015)

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