Apenas uma semana após a
eleição do Papa Francisco, a página da Internet espanhola de informação
religiosa “Religión Digital” referia que “os primeiros gestos e decisões de
Bergoglio geraram uma onda de otimismo e apoio sem precedentes nos últimos
pontífices”. Ao mesmo tempo, desenhava-se uma “oposição silenciosa” no interior
da Igreja que ia aflorando numa ou noutra crítica.
Há dias, o mesmo sítio noticiava
que “sectores tradicionalistas questionavam abertamente o pontificado de Francisco”.
Citava uma reportagem do jornal norte-americano “The Washington Post” em que se
dava conta das preocupações e desconfortos de muitos católicos, que, com os
Papas anteriores, se habituaram a um magistério que ajudava as pessoas a
construir com clareza a “identidade católica”.
Parece redutora a leitura de
que os conservadores se opõem às novas ideias do Papa e que os progressistas
estão satisfeitos com a sua atuação. A questão é bem mais profunda.
Tanto João Paulo II como
Bento XVI “enfatizavam a importância de uma doutrina clara que não deixe lugar
a dúvidas, em especial em temas relacionados com a reprodução humana e o
matrimónio”, para evitar que “os católicos se percam num mundo cada vez mais
relativista”, como refere o “Religión Digital”. Ambos compartilhavam a mesma
perspetiva porque o edifício teórico foi gizado pela mesma pessoa: o cardeal
Ratzinger.
O Papa Francisco, veio abalar a estabilidade desse edifício, não tanto por preocupações progressistas ou conservadoras, mas por defender uma nova perspetiva. O cardeal Ratzinger, herdeiro de uma tradição multisecular de organizar todas as realidades de forma racional, dedicou-se a pensar a fé e a definir os procedimentos e as regras, que ajudam as pessoas a serem melhores cristãs. O cardeal “vindo do fim do mundo” está mais preocupado com o acolhimento aos que vivem longe da fé, “as periferias geográficas e existenciais”. Nesse sentido, está em sintonia com uma das ideias mais caras à pós-modernidade: a abertura ao Outro. Esta não é uma ideia estranha ao discurso de Jesus: este recusou-se a definir quem é o próximo – na “parábola do Bom Samaritano” – mas desafiou todos a serem próximos de quem precisa.
(Texto publicado no Correio da Manhã)