quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

A fé de uma Imaculada que se interroga

A celebração da Imaculada Conceição nesta segunda-feira, um dogma definido há 171 anos, configura uma oportunidade para refletir sobre a relação entre a fé e a razão. É comum a interpretação simplista que reduz o dogma a uma mera imposição, exigindo que o crente suspenda o intelecto e aceite as verdades dogmáticas de forma acrítica. Nesta visão, o cristão submeter-se-ia à tradição e ao dogma, sem procurar as razões profundas do seu acreditar, o que não corresponde à verdadeira fé.

No caso do dogma da Imaculada Conceição – a convicção de que Maria foi preservada do pecado original – não se trata de um decreto arbitrário do Papa, mas o reconhecimento de uma verdade já vivida e celebrada pelo Povo de Deus, desde os inícios do segundo milénio, nomeadamente em Portugal. Pio IX acabou por confirmá-lo em 1854.

Tal como aconteceu com a Imaculada, também os dogmas se foram impondo à Igreja, que não se demitiu de os estudar e de procurar entendê-los cada vez melhor. Reconheceu, porém, que jamais os conseguirá explicar e provar de uma forma puramente racional.

Maria, escolhida por Deus para ser a Mãe do Salvador, foi preservada do pecado na sua conceção, mas não foi dispensada de se interrogar nem de encontrar razões para a sua fé: é esta a perspetiva evangélica.

Quando o Anjo lhe anuncia que vai ser a Mãe de Jesus, ela interroga-se: Como será isso possível? O Anjo responde que a Deus nada é impossível. Como sinal dessa omnipotência divina, comunica-lhe a gravidez da sua prima Isabel, em idade avançada. Então Maria (mesmo continuando sem compreender plenamente a missão que lhe é confiada) dá o salto da fé e disponibiliza-se para ser a Escrava do Senhor.

Maria torna-se, assim, modelo para os cristãos: alguém que se questiona, reflete e interroga para desenvolver uma fé mais consciente e mais consistente.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 10/12/2025)

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