quinta-feira, 27 de fevereiro de 2025

O mundo e a Igreja ainda precisam do Papa

O mundo precisa de vozes como a do Papa Francisco. Vozes proféticas que denunciem a insanidade da guerra, a mercantilização das relações internacionais e a subalternização da dignidade da pessoa humana ao lucro. Vozes que defendam o planeta sem resvalarem para o fundamentalismo ecológico. Vozes que defendam a justiça social e denunciem a discriminação, sem descambarem no wokismo. Vozes que digam a verdade, num mundo que é inquinado pelas “fake news”.

Contudo, como muito bem sabe o Papa, ninguém é eterno. Contudo, não somos efémeros. “Nós não somos nem eternos nem efémeros”, disse-o numa homilia em S. Marta no dia 1 de fevereiro de 2018. Um texto que vale a pena revisitar neste contexto da sua fragilidade física.

A morte encarrega-se de nos recordar que não somos eternos, embora por vezes nos esqueçamos dessa realidade e até desejamos que algumas pessoas o sejam. Esta contingência humana, segundo o Papa, deve levar-nos a questionar: “Que herança eu deixarei como testemunho de vida?”

É difícil de mensurar o legado que Francisco deixará à Igreja e ao mundo. São tantos os dinamismos que suscitou e, na verdade, vários ainda não se cumpriram.

Todos os homens e mulheres de boa vontade desejam que o Papa Francisco possa, por mais algum tempo, continuar a ser a voz que denuncia a corrida aos armamentos e a insensatez da guerra, os extremismos e os fundamentalismos, a cultura do descartável e a devastação do planeta. Os católicos rezam para que recupere a saúde e possa, ainda, consolidar alguns dos processos de renovação que promoveu na Igreja.

Quando ele partir, muitos rezarão para que, à semelhança do que aconteceu com João XXIII, surja um Papa que dê continuidade às reformas introduzidas por Francisco e ao Sínodo, como Paulo VI deu continuidade ao Concílio Vaticano II. Alguns, provavelmente, não...

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 26/02/2025) 

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

A cadeia deve ser lugar de esperança

As cadeias costumam ser lugares longe da vista e, ainda mais, longe do coração. O Papa Francisco, porém, tem tomado iniciativas para lhes dar mais visibilidade e proximidade afetiva. Como arcebispo de Buenos Aires, fazia numa prisão o Lava-Pés – a cerimónia de quinta-feira da Semana Santa que antecede a Páscoa – em vez de o fazer, como quase todos os bispos, na catedral. Continuou, como Papa, a fazê-lo em contexto prisional.

No início deste Jubileu da Esperança, o Papa fez questão, num gesto inédito, de abrir a segunda Porta Santa, logo a seguir à do Vaticano, na cadeia romana de Rebibbia. Agora, no contexto do Jubileu dos artistas e do mundo da cultura, que decorreu em Roma desde o dia 15 até ontem, foi inaugurada uma exposição do pintor chinês Yan Pei-Ming com 27 retratos de grandes dimensões de prisioneiros, guardas, voluntários, um médico e um capelão da cadeia. As obras foram também projetadas nas paredes da cadeia Regina Coeli de Roma, a que estão ligados os retratados.

Pretende-se com esta iniciativa “ajudar milhares de pessoas que passam diariamente em frente à prisão a ‘ver o invisível’ por detrás da fachada”, afirma o sítio Vatican News.

Quando abriu a Porta Santa na cadeia de Rebibbia o Papa pediu aos reclusos que não perdessem a esperança. Na homilia do Jubileu dos artistas – lida pelo cardeal José Tolentino de Mendonça, que o substituiu – disse que a missão dos artistas “não se limita a criar beleza, mas a revelar a verdade, a bondade e a beleza escondidas nos recantos da história, a dar voz a quem não tem voz, a transformar a dor em esperança”.

As cadeias, em vez de locais meramente punitivos, deveriam ser uma oportunidade de regeneração para aqueles que por lá passam. Devem converter-se em lugares em que renasce a esperança de uma vida melhor após o cumprimento da pena.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2025

Na doença, escutar é melhor do que falar

Na doença pode experimentar-se o desânimo, o desespero ou a revolta perante a situação que se vive. Não é fácil transmitir esperança a quem sofre. O Papa Francisco está consciente desta dificuldade e ensaia uma resposta para as pessoas que vivem esta situação na mensagem para o Dia Mundial do Doente, que a Igreja Católica assinalou ontem.

O Papa propõe uma reflexão a partir das palavras de S. Paulo: “A esperança não engana” (Rm.5, 5). A que acrescenta: “e fortalece-nos nas tribulações”. Francisco reconhece que são “expressões reconfortantes”, mas difíceis de acolher por quem está gravemente doente.

Todos os que lidam com doentes experimentam a dificuldade em encontrar as palavras certas para lhes transmitir esperança. Alguns acreditam que o sofrimento tem um sentido. Os crentes refugiam-se, por vezes, em abordagens simplistas, como atribuir o sofrimento à vontade de Deus. Constrói-se, então, a imagem de um Deus sádico, que não é o Deus de Jesus Cristo.

Em Jesus Cristo descobrimos um Deus que assume a condição humana, que se faz próximo para combater o que faz sofrer as mulheres e os homens. Disso são testemunho todas as curas que realiza. Em Jesus Cristo revela-se um Deus que quer libertar a pessoa de todo o sofrimento e quer, até, que ela seja feliz para sempre.

O sofrimento não tem sentido nem é querido por Deus. O que tem sentido é a vida – e, quando ela é ameaçada pela doença, a pessoa que faz essa experiência pode então encontrar o verdadeiro sentido da existência.

Essa pessoa não precisa de ouvir palavras, precisa de se escutar. Por isso, faz pouco sentido procurar palavras para dar esperança a um doente: deve é estar-se disponível para o escutar e ajudá-lo a encontrar as respostas que ele próprio tem dentro de si.

Escutar é mais importante do que falar para dar esperança a quem sofre.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Igreja recupera a proteção das crianças

Papa com as crianças na cimeira a elas dedicada
Foto: Vatican News
A Igreja Católica procura sanar a ferida que os abusos sexuais de menores abriram e credibilizar-se na proteção das crianças. O Papa Francisco convocou peritos de diversas áreas para uma cimeira internacional a que deu o título: “Amemos e protejamos as crianças”. Na abertura dos trabalhos, que decorreram no Vaticano esta segunda-feira, o Papa denunciou a tragédia das “crianças a morrer debaixo das bombas, sacrificadas aos ídolos do poder, da ideologia e dos interesses nacionalistas”.

Esta iniciativa surge na sequência da proclamação do Dia Mundial da Criança, que se celebrou pela primeira vez a 25 e 26 de maio do ano passado. O Papa pretende dar continuidade à reflexão que se produziu na cimeira internacional com a publicação de uma Exortação Apostólica.

Com estas iniciativas o Papa recupera uma das mais relevantes atitudes de Jesus, registada pelo Evangelho: a atenção aos mais pequenos e, como consequência, a promoção da criança. Jesus chega mesmo a apresentá-las como modelo para aquele que queira entrar no Reino dos Céus (Cf. Mt. 18, 1-5). Acolhe-as e abençoa-as, quando os discípulos as consideravam um estorvo e as queriam enxotar (Cf. Mt, 19. 13-15).

Com o escândalo dos abusos de menores no seu interior, a Igreja foi delapidando este património evangélico de proteção e de promoção da criança. Mas tem, entretanto, dado passos seguros para recuperar a credibilidade perdida. Um caminho que se iniciou no pontificado de João Paulo II, aprofundou-se com a determinação de Bento XVI e a que o Papa Francisco tem dado continuidade.

Com a publicação da Exortação Apostólica, o Papa pretende estender a todo o mundo católico o compromisso com os Direitos da Criança. Só assim a Igreja se recolocará em sintonia com a práxis de Jesus, recuperando a credibilidade na proteção e na promoção dos mais pequenos.