quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

A Igreja não deve temer os jornalistas

O primeiro grande evento do Ano Santo, aberto pelo Papa Francisco na noite de Natal, foi dedicado aos média. Foi o Jubileu do mundo da comunicação, que reuniu no Vaticano, no passado sábado, milhares comunicadores vindos de 138 países.

O Jubileu é celebrado sob o lema da esperança. O Papa pediu aos comunicadores que contassem “histórias imbuídas de esperança” na mensagem deste ano para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, que a Igreja celebra a 24 de janeiro, dia do padroeiro dos comunicadores, S. Francisco de Sales.

No discurso preparado para o encontro com o mundo da comunicação – que o Papa acabou por não ler, mas confiou aos participantes no Jubileu da Comunicação – refere que “nem todas as histórias são boas, mas também elas devem ser narradas”.

Por vezes os jornalistas são incómodos para a Igreja por causa dos escândalos e das sombras que estes têm o dever deontológico de revelar e publicar. São temidos por isso – e muitos consideram que o fazem movidos pelo desejo de denegrir esta multisecular instituição.

A Igreja, porém, não deve temer os escândalos. E, muito menos, culpar o mensageiro por tudo o que de menos bom acontece no seu interior. Deve é tudo fazer para os evitar! Contudo, quando aquilo que é menos digno e que mancha a sua honorabilidade vier à luz do dia, não deve ter receio de se confrontar com a verdade do pecado que também a habita.

A denúncia dos escândalos no interior da Igreja pode ser dolorosa, mas tem significado quando aqueles são devidamente assumidos e tratados – uma purificação. Muitas vezes têm ajudado a Igreja a recuperar a fidelidade ao Evangelho e a sua credibilidade. Por isso, não se deve temer as perguntas incómodas dos jornalistas, mas sim agradecer o seu trabalho. Ele contribui para corrigir a sua institucional opacidade e para a sua regeneração.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Racismo e xenofobia não são católicos

Um cristão – e, sobretudo, um católico – não pode ser nem racista nem xenófobo. E um português não o deveria ser, pois somos um país de emigrantes, espalhados por todo o mundo. Gostamos de ser bem acolhidos e de não sermos discriminados.

A tradição judaico-cristã tem na sua génese uma postura de respeito pelo estrangeiro. O povo israelita foi emigrante na terra do Egito. O momento mais significativo da sua história é a sua libertação dessa terra da escravidão. Foi experiência inesquecível, devido à qual o livro do Êxodo determina: “Não usarás de violência contra o estrangeiro residente nem o oprimirás, porque foste estrangeiro residente na terra do Egito” (Ex. 22, 20).

A práxis de Jesus é acolher a todos. No Evangelho alguns estrangeiros são, até, apresentados como exemplos de fé, como é o caso da mulher cananeia (Mt. 15, 21-29), que pediu a cura da filha a Jesus, ou do centurião romano a quem curou o escravo (Lc. 7, 1-10). Na génese do cristianismo está a convicção de que “não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem e mulher” (Gál. 3,28), porque todos são filhos de Deus e, por isso, irmãos.

Aquele que professa a fé católica – ou seja: universal – também não poderá aceitar qualquer distinção, seja qual for a raça ou nacionalidade. Isso seria amputar a catolicidade da Igreja.

Um cristão, um católico e, sobretudo, um bispo, tendo em conta a tradição judaico-cristã, não tem outra alternativa a não ser colocar-se ao lado do migrante e o dever de condenar toda e qualquer atitude de racismo e de xenofobia. Não se entendem, por isso, as críticas e o desconforto que alguns manifestaram em relação às palavras de D. José Ornelas, bispo de Leiria-Fátima, de apoio e sintonia com aqueles que se manifestaram contra atitudes racistas e xenófobas que visaram imigrantes a viver em Portugal.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Sinodalidade ou a aparência de recomeçar


O Papa Francisco iniciou este sábado no Vaticano as “audiências jubilares”. Todas as semanas, encontra-se com os “peregrinos da esperança” para evidenciar um aspeto dessa virtude. “A esperança não é um hábito ou um traço de caráter - que se tem ou não - mas uma força a pedir”. Algo que será um dom, “para recomeçar no caminho da vida”.

Na verdade, o Papa pretende que o Jubileu marque um recomeço na vida da Igreja. Recomeçar foi a palavra mais repetida nesta primeira audiência jubilar. Por diversas vezes o Papa pôs a assembleia a dizer: “Recomeçar, recomeçar, recomeçar”.

A este recomeço, preconizado pelo Papa, está ligada a dinâmica sinodal que ele quer implementar como o normal funcionamento de todas as comunidades eclesiais. Desde as pequenas comunidades, passando pelas paróquias e pelas dioceses, até envolver toda a Igreja.

Também no sábado reuniram-se em Fátima 300 representantes das dioceses do país. Tinham como objetivo estudar o documento final do Sínodo 2021-2024 e fizeram propostas para a sua implementação. No final do dia, concluiu-se, segundo a Agência Ecclesia, que será necessário “alargar os espaços de escuta e participação”. Isso implicará “ativar e fortalecer os órgãos de consulta” no interior das paróquias e das dioceses.

Uma efetiva participação dos fiéis nas diversas comunidades depende de uma verdadeira conversão à sinodalidade. Ainda que todos os conselhos se constituam, e até se reúnam frequentemente, podem não passar de uma simulação de escuta e de participação. Se o pároco ou o bispo afastarem desses conselhos todas as vozes incómodas, por exemplo, e se preferirem só as que não levantam problemas, então teremos um mero simulacro de sinodalidade. Não é esta dissimulação que o Papa pretende. Nem será a sinodalidade aparente que conseguirá renovar e relançar a Igreja.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Cuidar dos padres para fortalecer os leigos

Carta Pastoral disponível no sítio oficial da diocese de Fall River
A diocese de Fall River, no estado norte-americano de Massachusetts, está a implementar um plano pastoral para os próximos três anos que será dedicado ao “fortalecimento e renovação” do presbitério. Esse dinamismo pastoral tem como lema: “Padres mais fortes, paróquias mais fortes, Igreja mais forte”.

O bispo dessa diocese, D. Edgar Moreira da Cunha, é natural do Brasil, onde ingressou na congregação dos Vocacionistas em 1975. Esta dedica-se a suscitar vocações, sobretudo entre os pobres, e a ajudar jovens a discernirem a sua vocação. Foi enviado para os Estados Unidos, onde concluiu a formação para ser ordenado, e por lá ficou. Foi bispo auxiliar de Newark (2003-2014) e é bispo de Fall River desde setembro de 2014.

Numa carta dirigida aos diocesanos, D. Edgar expõe as razões que o levaram a tomar a decisão de, entre 2025 e 2027, dar uma maior atenção aos seus padres e trabalhar ativamente para lhes facultar “mais estabilidade, esperança, santidade e bem-estar”. Nessa missiva, D. Edgar refere que “investigação consistente” comprova que “as paróquias e os dinamismos pastorais florescentes são tipicamente liderados por “padres felizes”. O investimento nos padres é exigido pelos “novos desafios” e pelas exigências que lhes são colocadas “como nunca antes”. 

Este plano pastoral da diocese de Fall River parece ir em contracorrente com o investimento nos leigos, cada vez mais preconizado, e o clericalismo que o Papa Francisco tem criticado e combatido. Só que investir nos leigos não significa negligenciar a formação humana e espiritual dos padres. Antes pelo contrário: exige-o!

O clericalismo e a subalternização dos leigos só sucedem devido a uma deficiente formação do Clero, que não promove a sua implicação e corresponsabilidade pastoral. Vale a pena investir nos padres para que o evitem.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 08/01/2025)

quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Sonhos da noite de passagem de ano

Feito com Designer. Com tecnologia DALL·E 3.
Sonho com uma Igreja que viva e respire o Evangelho de Jesus Cristo. Uma Igreja que dê corpo às palavras de Jesus Cristo com gestos concretos que traduzam a opção preferencial pelos mais pobres, a inclusão dos marginalizados e o acolhimento dos que andam longe.

Sonho com uma Igreja em que não haja qualquer distinção entre raças, culturas e sexos. Em que todos se descubram irmãos porque filhos do mesmo Deus Pai e Mãe.

Sonho com uma Igreja única, com um só pastor, em que triunfe o ecumenismo. Em que todas as igrejas cristãs possam manter as suas tradições e especificidades sem pôr em causa a unidade de um corpo que se assume e vive como tendo Cristo por sua cabeça.

Sonho com uma Igreja menos monolítica e mais “poliédrica”, como defende o Papa Francisco, na qual seja possível viver diferentes percursos, tradições culturais e experiências eclesiais. Uma Igreja que não abafe o sopro do espírito e em que se possam viver os diferentes carismas que Ele nela vai suscitando.

Sonho com uma Igreja profética, que não se deixe corromper pelo poder, pelo dinheiro, pelo prestígio social. Que não se limite a defender a dignidade da vida humana desde a conceção até à morte natural, mas que denuncie todas as injustiças e todas as situações em que a dignidade humana não é respeitada.

Sonho com uma Igreja em que não triunfem, por regra, os “carreiristas” que o Papa tem denunciado. Uma Igreja em que todos assumem as suas responsabilidades como um serviço abnegado ao outro, em particular ao mais necessitado.

Estes são sonhos que dificilmente serão realizados em breve. Contudo, tal como António Gedeão, acredito que “o sonho comanda a vida”. É melhor estar do lado do aparente fracassado, Jesus, do que acomodar-me ao que está instituído.

Desejo-vos um ano de 2025 em que todos os vossos sonhos se realizem!