O nome de Deus
já fez correr muita tinta ao longo dos séculos. Refiro-me ao tetragrama sagrado
que aparece na Bíblia como o nome de Deus.
É constituído pelas
quatro consoantes hebraicas יהוה (Yode, Hê, Vau e Hê), que em caracteres
latinos costuma ser escrito com YHWH. No hebraico primitivo só se escreviam as
consoantes, as vogais subentendiam-se. Com o passar dos tempos, começaram a
surgir dúvidas em relação à leitura do nome de Deus. Por isso discutiu-se se a pronúncia
correta seria, entre outras, Javé ou Jeová. Entre judeus e cristãos foram sendo
usadas ambas, com argumentos válidos usados por uns e outros para justificar a
sua opção.
No “Dicionário
dos termos da fé” podemos
ler na entrada dedicada à palavra “nome”:
“Vocábulo que
serve para designar as pessoas ou coisas. Na Bíblia pensa-se que o nome exprime
o ser profundo das pessoas e das coisas: A tudo o que existe já há muito foi
dado um nome (Ecl. 6, 10). Deus conhece cada criatura pelo seu nome (Sl. 146,
4) e o facto de o homem poder nomear os animais significa que é o seu dono (Gn.
2, 20). De maneira geral o facto de dar um nome a alguém ou de lhe mudar o nome
atesta o poder que se tem sobre ele (Gn. 17, 5; 35, 10; 2 Rs. 23, 34)”[1].
Para os judeus
causava algum desconforto pronunciar o nome de Deus, já que, na sua
mentalidade, dizer o nome de Deus era ter poder sobre ele, pelo que assumiram o
tetragrama sagrado como impronunciável. Quando ele aparecia diziam “Adonay”.
Na
tradução para grego da Bíblia hebraica, conhecida como a Versão dos LXX, essa
palavra é substituída por “Kyrios”. Quando houve necessidade de traduzir as
Escrituras para latim, então utilizou-se a expressão “Dominus”, a que
corresponde o vocábulo em língua portuguesa: “Senhor”.
Respeitando
esta tradição, a Igreja católica, sobretudo na Liturgia, também não pronuncia o
nome de Deus do tetragrama sagrado mas prefere a palavra Senhor. Perante
algumas dúvidas nesta matéria, a Congregação do Culto divino enviou uma carta,
a 29 de Junho de 2008, às Conferências Episcopais de todo o mundo a estabelecer
essa práxis na invocação litúrgica do nome de Deus.
Ir. Maria José, sfrjs |
A
Irmã Maria José, confrontada com estas questões em torno da correta forma de
pronunciar o nome de Deus, entregou-se com dedicação a essa problemática.
Estudou-a, meditou-a, rezou-a... Fruto de todo esse labor, começou a
desenhar-se no seu espírito um poema ao nome de Deus. E este foi-se
desenvolvendo até se formar, no seu íntimo, o livro que hoje temos diante de
nós com o sugestivo título: “Onomatopeias do Teu Nome”.
É um
livro que pode ser lido apressadamente, em apenas uma semana, como tive de
fazer. O que será apenas, e só, um primeiro contacto. O facto é que este
despertou o desejo de uma leitura mais pausada, mais meditada e muitas vezes
repetida, desde logo pelo puro prazer poético, o prazer formal, o prazer de ler
boa poesia.
Para
abrir o apetite, apresento algumas notas que fui recolhendo nesta primeira
aproximação a esta obra.
Pela
pena da Irmã Maria José vamos sendo introduzidos no mistério do nome
impronunciável de Deus, o qual se traduz e plasma na criação como Onomatopeias
do Seu amor. O nome de Deus está impresso em cada criatura – e toda a criação
faz ressoar o amor de Deus.
Antes
de mergulhar no nome de Deus, a autora deambula pelo “mundo dos nomes” e dá-nos
conta da fragilidade das palavras. Contudo, os nomes dizem muito das pessoas
que os usam, que os constroem, que os conquistam. Que tantas vezes “vendem o
corpo e a alma ao esquecimento do presente para comprar a memória do amanhã”
(pág. 34). Os nomes expressam e escondem a condição humana. A reflexão sobre os
diferentes tipos de nomes é o caminho percorrido pela autora para aceder à “essência
da humanidade” (pág. 42). Pelos nomes acedemos às grandezas e às misérias da
condição humana.
Estamos,
então, preparados para nos lançarmos no mundo bíblico. Acompanhamos os que
fizeram da sua vida peregrinação traduzida num nome. Adão, Abel e Caim, Jacob,
Ana e o filho Samuel, Moisés e o povo que caminha do Egipto à Terra Prometida,
José e Maria são todos nossos companheiros na viagem pelo mundo bíblico dos
nomes.
Deste
percurso bíblico tocou-me particularmente a luta interior de Caim e a
serenidade de Abel, traduzidas em linguagem poética. Um poema que traduz bem a
tranquilidade de quem encontrou Deus e experimenta a harmonia no seu ser. Isso
mesmo contrasta com o drama de quem deambula no contrassenso de uma existência
em que nada faz sentido, porque não encontra o sentido último de todas as
coisas.
Só
então estamos preparados para mergulharmos, com a autora, na “perseguição do
inominável”. Ela nos confidencia, preparando para a tarefa árdua que nos
espera:
“Quanto
mar tenho de silenciar!
Quanto
silêncio tenho de marear!” (pág. 81)
Tal
como os judeus piedosos e a liturgia católica, concluímos que o nome de Deus é:
Indescritível! Inenarrável!
Indefinível! Indizível! Imperceptível! Invisível! Impronunciável! Não é
possível nomeá-lo, é o Inominável! (págs. 88-89). Ou seja, é mais fácil dizer o
que não é do que aquilo que ele verdadeiramente é. Não é acessível aos sentidos
do corpo humano, mas inunda todos os sentidos do espírito humano, a quem se
revela como belo, perfumado, melodioso, suave e saboroso (págs.
90-94).
De
Deus com S. João, só podemos dizer: “Deus é amor!” (1 Jo. 4, 8) Parafraseando o
evangelista, a Ir. Maria José dirá: “Ah! O teu Nome é Amor!” (pág. 96)
Finalmente,
podemos reconhecer a assinatura do Verbo, em que o nome de Deus se faz carne. A
Paixão segundo são Marcos dá-nos as pistas para encontrarmos a resposta para a
questão que atravessa todo esse Evangelho: “Quem é este homem?” A autora
conduz-nos pelos caminhos para o Calvário e oferece-nos oito pistas para, tal
como o centurião do Evangelho de S. Marcos, descobrirmos a resposta: “Este era
na verdade o Filho de Deus!” (pág. 106).
O
nome de Deus, para os cristãos, é, também, Espírito Santo, que, com o Pai e o
Filho, é Trindade. “Não na unidade de uma só pessoa, mas na trindade de uma só
natureza”, como rezamos no prefácio da missa da Santíssima Trindade.
Aqui
chegados, o nome de Deus faz-se Eucaristia, Ação de Graças, que conduz ao
louvor perene e despido de sons que poluam a Palavra:
“A
Vós, Nome que os espaços siderais não retêm,
na
Atmosfera onde toda a revelação se evidencia,
submetemos
o nosso silêncio deslumbrado,
ao
aval de um louvor perene.
Amén.”
(pág. 123)
A
abordagem poética da Irmã Maria José não responde à questão estéril de como se
pronuncia o nome de Deus, mas ajuda-nos – e muito! – a aprender a dizer o nome
das coisas e dos outros, para podermos balbuciar o nome de Deus. No final desta
primeira leitura do livro “Onomatopeias do Teu Nome”, habita-me o desejo de a
ele regressar, por diversas vezes, para recolher as riquezas que ele contém,
que não são acessíveis a uma primeira e rápida abordagem.
A
primeira jóia que colhi da leitura desta obra é que, com quatro letras apenas,
se escreve, em português, o nome de Deus: “Amor”.
Agradeço
à Irmã Maria José por ter partilhado connosco a sua reflexão traduzida numa
linguagem poética, que não me sinto habilitado a avaliar, mas que, como simples
leitor, despertou sensações e vivências muito gratificantes.
Recomendo
por isso a todos que façam uma leitura pausada, e repetida, que deixe ressoar
no vosso íntimo as “Onomatopeias” do nome de Deus.
[1] VA, Dicionário
dos termos da fé, Editorial Perpétuo Socorro, Porto 1995.
Fotos: Fernando Cordeiro