quarta-feira, 30 de julho de 2025

Mitos nos dis­cur­sos sobre a pobreza

É sur­pre­en­dente a man­chete desta segunda-feira do JN que os “bene­fi­ci­á­rios do RSI são cada vez menos e o valor médio do sub­sí­dio é de 155 euros”. Não é essa a sen­sa­ção que temos quando pas­sa­mos pelas redes soci­ais. Parece que a mai­o­ria dos por­tu­gue­ses não que­rem tra­ba­lhar por­que rece­bem o ren­di­mento social de inser­ção (RSI). “O mito de que há muita gente que vive à custa do RSI, vul­gar­mente conhe­cido como ren­di­mento mínimo, é antigo e cada vez mais facil­mente des­mon­tado pelos núme­ros da Segu­rança Social e da exe­cu­ção orça­men­tal con­sul­ta­dos pelo JN”, escla­rece este jor­nal.

Há um outro mito que con­ta­mina qual­quer abor­da­gem séria da pobreza. “Desde o tempo da Lei das Ses­ma­rias [com­ba­ter a crise agrí­cola e o des­po­vo­a­mento rural] que vem esta ideia de que os pobres são pobres por­que não que­rem tra­ba­lhar, não fazem esfor­ços para sair da situ­a­ção, o que é com­ple­ta­mente con­tra­di­tado pela pró­pria estru­tura e cate­go­ri­za­ção dos bene­fi­ci­á­rios de RSI”, explica ao JN o soci­ó­logo Luís Capu­cha.

São notí­cias como esta que aju­dam a des­mon­tar as fal­si­da­des de dis­cur­sos polí­ti­cos que, para além de domi­na­rem as redes soci­ais, estão a inqui­nar a opi­nião pública. É mesmo muito difí­cil ven­cer a men­tira mui­tas vezes repe­tida.

Já dizia Goeb­bels, o minis­tro da pro­pa­ganda nazi, que “uma men­tira dita mil vezes torna-se ver­dade”. Sobre­tudo nes­tes tem­pos em que essa men­tira se dis­se­mina expo­nen­ci­al­mente, já não mil, mas milhões de vezes pelas redes soci­ais. É muito difí­cil a ver­dade tri­un­far.

Tam­bém não é fácil con­tra­riar o dis­curso popu­lista por­que mui­tas pes­soas, perante as difi­cul­da­des que enfren­tam, pre­fe­rem acre­di­tar que são os pobres, os imi­gran­tes ou os refu­gi­a­dos os cau­sa­do­res dos seus pro­ble­mas no acesso à edu­ca­ção, à saúde ou ao emprego. Não há pior cego do que aquele que não quer ver. Ou que decide ser míope.

quarta-feira, 23 de julho de 2025

Estimar os idosos até ao fim

A sociedade ocidental tende a valorizar o papel dos avós e dos idosos, ainda que por vezes o faça numa perspetiva meramente utilitarista.

Eles são muito úteis para irem buscar os filhos às escolas ou às atividades extracurriculares. Ou para acompanharem os netos enquanto os pais estão ocupados no trabalho. Mais tarde, quando as crianças crescem e os pais já não precisam desse apoio, os idosos começam a perder as suas capacidades de mobilidade e autogoverno: nessa altura passam a ser eles a necessitar de acompanhamento. Muitas vezes, porém, são “despejados” num lar e votados ao abandono.

Para chamar a atenção para isto o Papa Francisco instituiu o Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, que se passou a celebrar no domingo mais próximo de 26 de Julho, o dia em que a Igreja Católica festeja S. Joaquim e S. Ana, pais de Maria e, portanto, avós de Jesus.

Esta efeméride celebra-se, pela quinta vez, no próximo domingo. Na mensagem que lhe dedica, Leão XIV pede que se promova a libertação dos idosos “da solidão e do abandono”. O Papa constata que “as nossas sociedades estão a habituar-se, com demasiada frequência, a deixar que uma parte tão importante e rica do seu tecido social seja marginalizada e esquecida”. É preciso “trabalhar por uma mudança que devolva aos idosos a estima e o afeto”.

Os idosos não devem ser descartados quando as suas forças diminuem e mais precisam de atenção. Não devem ser afastados do ambiente familiar, a não ser que tal seja humanamente impossível. Também os jovens precisam de contactar com a sua fragilidade e decrepitude para terem uma conceção mais ajustada do que é a vida.

O ser humano não vale só pelo que produz, mas pelo que é ao longo de todo o seu ciclo. A sua dignidade é inviolável e deve ser protegida quando está mais frágil. As velas ardem até ao fim.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 23/07/2025)

quarta-feira, 16 de julho de 2025

Os que vão, e os que não vão, à missa

Há políticos que fazem questão em dizer que vêm da missa e outros que se vangloriam de não ir missa. A estes não é exigido que estejam em sintonia com o Evangelho ou com o que o Papa e os bispos pregam. Porém, surpreendentemente, estão por vezes mais alinhados com posições da Doutrina Social da Igreja do que os primeiros. É o caso do acolhimento aos imigrantes.

No Evangelho aparecem diversas passagens em que Jesus exalta e promove os estrangeiros. Jesus elogia a fé da cananeia a quem cura a filha (Mt. 15, 21-29) e do centurião romano a quem cura o escravo (Lc. 7, 1-10). Uma samaritana, que encontra junto ao poço de Jacó, converte-se em sua apóstola (Jo. 4, 31-33). Na parábola que foi lida na missa deste domingo em todo o mundo, é também um samaritano que se compadece e presta assistência a um judeu assaltado e abandonado quase sem vida. Um sacerdote e um levita veem o seu estado de necessidade, mas ignoram-no (Lc. 10, 25-37).

Comentando essa parábola, Leão XIV denunciou que, por vezes, “consideramos nosso próximo somente quem está no nosso círculo, quem pensa como nós, quem tem a mesma nacionalidade ou religião. Porém, Jesus inverte a perspetiva, apresentando-nos um samaritano, um estrangeiro e herege, que se torna próximo daquele homem ferido. E pede-nos que façamos o mesmo”.

Em sintonia com o Papa, D. José Ornelas, bispo de Leiria–Fátima, defendeu que, num contexto “de discernimento e de legislação sobre os imigrantes”, a prioridade deve estar “no bem acolher”. E apelou a que não se caia “na ratoeira dos medos instrumentalizados, nem dos preconceitos manipulados, das evidências negadas”.

Tendo em conta o Evangelho e a doutrina social que dele decorre, o cristão não pode embarcar em discursos levianos que imputam ao estrageiro os problemas da nação e pretendem dificultar o seu acolhimento.

quarta-feira, 9 de julho de 2025

O Sínodo é decisivo para o futuro da Igreja

O caminho sinodal iniciado por Francisco é para continuar. Agora sob a batuta de Leão XIV, recebeu esta segunda-feira um novo impulso com o documento da Secretaria Geral do Sínodo, o qual reúne propostas concretas para a sua implementação.

Como era de esperar, o texto retoma muitas das ideias fundamentais do Documento Final da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, de 26 de Outubro de 2024. Ao citar este documento, clarifica que o Sínodo “constitui um ato de ulterior receção do Concílio, prolongando a sua inspiração e relançando a sua força profética para o mundo de hoje”.

Francisco empenhou-se em “descongelar” o Concílio Vaticano II, nomeadamente ao lançar esta dinâmica sinodal. Ela veio dar continuidade a uma visão conciliar de uma Igreja em diálogo com o mundo, que o escuta e faz suas “as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje” (Gaudium et spes, 1).

Cabe agora a Leão XIV dar continuidade ao caminho iniciado pelo antecessor. Sobre ele recai a responsabilidade de implementar tudo o que até agora foi refletido e proposto nos trabalhos sinodais.

O documento da Secretaria Geral recorda várias das linhas estratégicas do Documento Final. Pede o empenhamento de todos para que elas sejam implementadas, porque “sem mudanças concretas a curto prazo, a visão de uma Igreja sinodal não será credível e isso afastará os membros do Povo de Deus que retiraram força e esperança do caminho sinodal” (DF, 94).

A partir daqui, compete aos bispos liderar a implementação do Sínodo, garantir a comunhão entre perspetivas diversas e não abafar nenhuma. Compete-lhes também promover a participação de todos, para que a alegria e a esperança do Evangelho iluminem o mundo. Se não o conseguirem implementar, o Sínodo não será mais do que um “sonho lindo que acabou”.

quarta-feira, 2 de julho de 2025

Jesus não negaria a comunhão

O pe. Ian Vane, pároco da comunidade católica de Dorking, na Inglaterra, informou os seus fiéis no domingo passado que, caso o católico Chris Coghlan, deputado do Partido Liberal Democrata, se apresentasse à comunhão, esta lhe seria negada. Isto por ter votado a favor de um projeto de lei que aprovou a eutanásia, no passado dia 20, o que vai contra a doutrina da Igreja.

Foi esta lógica que, no passado, levou à excomunhão daqueles que defenderam teses que então não se coadunavam com o que a Igreja postulava. Alguns acabaram mesmo na fogueira da Inquisição. Foi o caso dos que diziam que a terra girava à volta do sol ou os que achavam inaceitável a escravatura ou o racismo, quando a tal doutrina ensinava o contrário.

Aqueles que acham que a comunhão deve ser negada aos que aceitam o aborto ou a eutanásia, por a Igreja condenar tais práticas, têm a mesma postura em relação aos que são a favor da pena de morte ou da prisão perpétua? Ou aos que aprovam leis discriminatórias, xenófobas ou racistas? Ou ainda àqueles que exploram os seus trabalhadores e não cuidam do ambiente, tudo subalternizando ao lucro? É que também essas são atitudes que vão contra a doutrina da Igreja.

O que faria Jesus? Negaria a comunhão a quem não estivesse em condições de a receber?

Parece que não, pois na “primeira missa” não negou a comunhão a Judas, apesar de saber que ele já o tinha traído. Não excluiu Pedro da refeição que tomou com os apóstolos após a Ressurreição, apesar de ele o ter negado. Só depois de o ter alimentado é que lhe perguntou por três vezes se o amava (Cf. Jo. 21, 15-18).

Tinha razão o Papa Francisco ao escrever que a “Eucaristia, embora constitua a plenitude da vida sacramental, não é um prémio para os perfeitos, mas um remédio generoso e um alimento para os fracos” (Evangelii Gaudium, 47).

quarta-feira, 25 de junho de 2025

A sinodalidade “está viva” e recomenda-se

Jornadas Pastorais do Episcopado 2025. Foto: Agência Ecclesia
O Santo Padre pode ficar descansado, a igreja portuguesa não vai ficar à margem da dinâmica sinodal. Os bispos nacionais dedicaram as últimas Jornadas Pastorais ao tema e, nas conclusões, referem que “a sinodalidade – que, no dizer do Papa Leão XIV, se ‘deve tornar mentalidade, no coração, nos processos de decisão e nos modos de agir’ – está viva em Portugal, em processo e em construção”.

As Jornadas Pastorais decorrem habitualmente em Fátima e, durante elas, os bispos refletem sobre determinadas questões. Este ano participaram sacerdotes, religiosos e leigos envolvidos na promoção da sinodalidade nas respetivas comunidades ou dioceses.

Os bispos, certamente, escolheram para o debate pessoas que traduzem diferentes sensibilidades, como se pretende no processo sinodal. Contudo, reconheceram que ainda há muito caminho a percorrer: “Notou-se a necessidade de se envolver mais efetivamente os jovens, os mais afastados e aqueles que estão à margem das estruturas eclesiais”. As conclusões das jornadas destacaram também a “importância de fomentar redes interdiocesanas, promovendo espaços de cooperação e partilha de boas práticas”.

Os bispos asseguram que estão “a aprender a caminhar juntos, a escutar com mais profundidade, a discernir com o coração e a decidir com humildade”. Pois bem, a consolidação deste itinerário purificará a Igreja em Portugal de toda a prepotência dos seus líderes. Estes deixarão de impor as suas ideias e de afastar os que não pensam como eles; habituar-se-ão a trabalhar em rede; não terão como preocupação última os seus interesses e agendas pessoais, mas o bem das suas comunidades.

Neste cenário, todos se sentirão acolhidos, escutados e com as suas sugestões ponderadas. Tudo em ordem a discernir o que mais está de acordo com o Evangelho e o que melhor se coaduna com o bem da Igreja.

quarta-feira, 18 de junho de 2025

Os pobres “não são um passatempo”


Leão XIV escolheu o dia de S. António, patrono dos pobres, para a sua primeira mensagem dedicada à celebração do Dia Mundial dos Pobres, que a Igreja assinalará a 16 de novembro. Esta também foi a primeira mensagem do novo Papa alusiva a uma jornada da Igreja Católica.

O Papa Francisco já tinha deixado a sua mensagem para alguns dos dias que a Igreja celebra, como é o caso do Dia Mundial das Comunicações Sociais (que se comemorou na Ascensão, quarenta dias depois da Páscoa) ou o Dia Mundial das Missões que ocorrerá no terceiro domingo de outubro. O Dia Mundial dos Pobres é uma criação de Francisco, que se assinala pela nona vez.

Este dia “pretende recordar às nossas comunidades que os pobres estão no centro de toda a ação pastoral”, lembrou Leão XIV na mensagem para este ano. Os pobres “não são um passatempo para a Igreja” e “ajudar os pobres é uma questão de justiça, muito antes de ser uma questão de caridade”, escreveu o Papa.

Enquanto os países se preocupam em investir em armamento para se protegerem, Leão XIV alertou que o “trabalho, educação, habitação e saúde são condições para uma segurança que jamais se alcançará com armas”. Apela, por isso, a que se privilegie “o desenvolvimento de políticas de combate às antigas e novas formas de pobreza, além de novas iniciativas de apoio e ajuda aos mais pobres entre os pobres”.

Num mundo insano em que se gastam milhões para atacar os inimigos, gerando mais pobreza, em que se prefere invadir e lançar mísseis do que negociar e procurar entendimentos entre as nações, são mais escassos os recursos para combater a pobreza e as suas causas. Esperemos que este Papa, que tem pela primeira vez a vantagem de poder dialogar diretamente com a opinião pública norte-americana, consiga afirmar uma agenda mundial de substituição das armas pela ação humanitária.

quarta-feira, 11 de junho de 2025

Papa quer “ginásios” da sinodalidade

Promover uma Igreja mais sinodal foi uma prioridade para o Papa Francisco. Leão XIV tem referido por diversas vezes a sinodalidade, tão querida ao seu antecessor: na homilia da Vigília do Pentecostes, no sábado, contou que foi essa palavra que lhe veio à mente quando assomou, pela primeira vez, à varanda da Basílica de S. Pedro. E aproveitou para aprofundar o tema, dando-lhe o seu cunho pessoal.

Nesta homilia, se dúvidas havia, ficou claro que Leão XIV procurará dar continuidade ao dinamismo sinodal, o qual não é uma invenção do Papa Francisco, nem de Paulo VI, que criou o Sínodo dos Bispos, mas uma característica essencial da Igreja desde os seus inícios. Sem ela “tudo murcha”, disse o Papa. Ou seja, para Leão XIV é decisiva para a vitalidade e rejuvenescimento das comunidades cristãs.

O problema da sinodalidade é semelhante ao da democracia – não se impõe por decreto, antes conquista-se e cultiva-se. Para a implementar e promover no seio da Igreja, não basta o empenho do Papa: é necessária a corresponsabilidade de todos os fiéis, sejam eles leigos, religiosos ou ordenados.

Aos leigos e religiosos é pedido que se comprometam nas decisões a tomar nas suas comunidades e que não estejam à espera que os seus superiores ou pastores decidam por eles. Aos pastores e superiores exige-se que não imponham as suas decisões, mas que, em conjunto com aqueles que lhe estão confiados, procurem discernir o que o Espírito Santo lhes pede que implementem nas suas comunidades.

A todos exige-se uma docilidade ao Espírito e uma cultura sinodal que só poderão adquirir com treino. Entende-se assim o desejo do Papa de que todas as comunidades “sejam ginásios de fraternidade e participação, não apenas locais de encontro, mas lugares de espiritualidade”. Os espíritos da Igreja têm de treinar muito. Bem precisam...

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Servir uma “igreja extrovertida”

Leão XIV ordena 11 presbíteros para a diocese de Roma

Aos poucos, o Papa Leão XIV vai demonstrando quais são as suas preocupações para o mundo e para a Igreja. Muitas delas estão em linha com o que o Papa Francisco defendia, ainda que sejam apresentadas com uma nova roupagem e acrescentando-lhe inquietações próprias do novo Pontífice.

Este sábado, na homilia da ordenação de 11 padres para a diocese de Roma, o Papa voltou a falar da unidade da Igreja. Não uma unidade monolítica, mas “dinâmica” – poliédrica, diria Francisco – porque o “povo de Deus” é constituído por pessoas diferentes, com diferentes carismas, que contribuem para o enriquecimento do todo.

O conceito de “povo de Deus” proposto pelo Concílio Vaticano II é decisivo para a compreender a missão que é confiada aos ministros ordenados. Eles são chamados a servir esse povo, “pessoas de carne e osso”, que o Pai coloca no seu caminho. “Consagrai-vos a elas, sem vos separar delas, sem vos isolardes, sem fazer do dom recebido uma espécie de privilégio”, pediu o bispo de Roma aos novos padres da sua diocese.

Para o atual Papa, a “Igreja é constitutivamente extrovertida”. Leão XIV está a reelaborar o conceito tantas vezes proposto por Francisco de uma “Igreja em saída”, pedindo aos recém-ordenados que imitem Jesus, o qual saiu do Pai para vir ao encontro da humanidade. O bispo de Roma pede aos novos padres o mesmo dinamismo missionário.

Nesta ocasião, o Papa frisou a necessidade de restaurar a credibilidade da Igreja e assumiu o compromisso de, “com todos”, reconstruir “a credibilidade de uma Igreja ferida, enviada a uma humanidade ferida, no seio de uma criação ferida”.

Restaurar a confiabilidade da Igreja depende muito da forma como os seus ministros a servem, ou se servem dela. Leão XIV tem essa noção e, por isso, exprimiu essa sua preocupação precisamente no contexto de uma ordenação sacerdotal.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 04/06/2025)

quarta-feira, 28 de maio de 2025

O caráter materno da Igreja em Leão XIV


A sé ou catedral de uma diocese é assim denominada porque nela se encontra a cadeira – sede ou cátedra – do seu bispo titular. No caso da diocese de Roma, essa igreja não é a Basílica de S. Pedro, mas a Basílica de S. João de Latrão.

A catedral é considerada a mãe de todas as igrejas da respetiva diocese. A Basílica de Latrão ostenta na sua fachada o título de Mater omnium Ecclesiarum (Mãe de todas as Igrejas), como lembrou o Papa Leão XIV, este domingo, quando assumiu solenemente a diocese de Roma. Esse título refere-se não apenas às igrejas da diocese de Roma, mas de todo o mundo.

Na homilia dessa celebração de tomada de posse da cátedra de S. João de Latrão, Leão XIV recuperou as reflexões do seu antecessor, o Papa Francisco, sobre a dimensão materna da Igreja, cujas características seriam “a ternura, a disponibilidade para o sacrifício e a capacidade de escuta que permite, não só socorrer, mas muitas vezes prover às necessidades e às expectativas, antes mesmo que sejam manifestadas”.

O desejo do novo bispo de Roma é que essas características cresçam e se desenvolvam, não só entre os seus diocesanos romanos, mas também entre todos os católicos do mundo, a começar por ele. Leão XIV, ao assumir a diocese de Roma, disponibilizou-se para fazer caminho com os seus diocesanos e assumir as suas “alegrias e dores, fadigas e esperanças”. Assumiu como suas as palavras de João Paulo I que, quando tomou posse da Basílica de Latrão, disse: “Posso assegurar-vos que vos amo, que desejo apenas estar ao vosso serviço e colocar à disposição de todos as minhas pobres forças, o pouco que tenho e que sou”.

Este Papa demonstra, não só uma profunda humildade em relação aos seus antecessores, mas também a preocupação de, sem os imitar, dar continuidade aos seus pontificados. Ao de Francisco, principalmente.

quarta-feira, 21 de maio de 2025

A nova missão da Igreja nas redes sociais

A Internet e, sobretudo, as redes sociais, pela quantidade de informação que difundem geram nas pessoas a sensação de que estão mais informadas do que no passado. O problema é que muita dessa informação é falsa, manipulada e disseminada sem qualquer escrutínio deontológico e de difícil controle legal. Acaba por ser consumida de forma acrítica e assumida como verdadeira, principalmente quando confirma algumas das sensações ou crenças dos que a procuram.

Quem domina estas plataformas, e os algoritmos que as gerem, controla também o que chega aos seus utilizadores, induzindo o que quer que eles vejam prioritariamente. Tem o poder de promover, não só a desinformação entre os que as frequentam, mas também a formatação do seu pensamento e a adesão às ideias que quer propagar.

Dada a atratividade dos discursos populistas, os quais se caracterizam por apresentar soluções fáceis para questões complexas e apontar bodes expiatórios para os problemas que afetam as sociedades, as redes sociais são também um meio propício para os divulgar e arregimentar seguidores e votantes.

Os conteúdos das redes não são sujeitos a qualquer tipo de controle sobre a sua veracidade. Verifica-se até que, quando as falsidades são denunciadas, as denúncias acabam por, ou não chegar a quem as recebeu, ou não serem acolhidas por aqueles que foram primeiro convencidos da sua veracidade.

O cardeal Robert Francis Prevost escolheu o nome de Leão porque – explicou ele aos cardeais que o elegeram – tal como Leão XIII defendeu a dignidade humana quando ela era posta em causa pela revolução industrial, ele quer agora fazer o mesmo no contexto de uma transição digital que está a ser ameaçada pela “ditadura do algoritmo”.

Leão XIV é o primeiro Papa que já utilizava as redes sociais quando era cardeal. Como é sabido, denunciou as falsidades ali colocadas, por exemplo, pelo vice-presidente norte-americano J. D. Vance. Fê-lo quando este as apresentava como decorrentes da sua fé católica a que recentemente se converteu.

Se voltar a intervir, agora o Papa terá de o fazer de forma mais diplomática do que quando era apenas o cardeal Prevost. Compete, por isso, aos católicos darem continuidade ao exemplo que o cardeal deu de uma presença mais incisiva. Faz hoje parte da missão da Igreja a pedagogia do bom uso das tecnologias, devendo empenhar-se na defesa da verdade e na denúncia perante os fiéis das falsidades que nelas circulam.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 21/05/2025)

quarta-feira, 14 de maio de 2025

Cumprir Francisco com um traço de Leão

Foto oficial, assinatura e brasão de Leão XIV
Foto Vatican News
Um novo Papa enriquece a Igreja com a sua originalidade. Francisco significou uma lufada de ar fresco vinda do “fim do mundo” e promoveu uma série de reformas que carecem de ser consolidadas e até ampliadas. Espera-se que Leão XIV lhes dê continuidade, acrescentado o estilo próprio de alguém a quem se reconhecem algumas semelhanças com Francisco – e também diferenças evidentes.

Tal como Francisco, apesar de ser americano de nascimento, o cardeal Robert Francis Prevost é europeu e latino na sua ascendência. Não viveu sempre no sul do continente americano, como Jorge Mario Bergoglio, mas dedicou mais de vinte anos da sua atividade pastoral a uma região periférica do Perú.

O cardeal Bergoglio não tinha qualquer experiência da Cúria Romana, a não ser passagens esporádicas pelo Vaticano. Prevost foi, nos último dois anos, prefeito do Dicastério para os Bispos. Tem, por isso, um melhor conhecimento do funcionamento do governo central da Igreja e mais facilmente poderá identificar o que será preciso corrigir.

Ainda nem 48 horas tinham passado sobre a sua eleição e já Leão XIV estabelecia, numa reunião de três horas com os cardeais, duas linhas de ação para a reforma da Cúria: melhorar a comunicação institucional e promover uma melhor coordenação entre os diversos Dicastérios, com reuniões periódicas dos seus prefeitos. Uma espécie de “conselho de ministros”. Até aqui, os diversos órgãos de governo da Santa Sé funcionaram autonomamente com pouca coordenação ou partilha de informações entre si.

Desde a primeira hora, Leão XIV deixou claro que dará continuidade à renovação da Igreja em chave sinodal, introduzida por Francisco, porque a referiu explicitamente no seu primeiro discurso. Contudo, deu também sinais claros de que não a implementará do mesmo modo. Ainda faltam dados para perceber o novo rumo.

quarta-feira, 7 de maio de 2025

Escolher o continuador de Francisco

Inicia-se hoje o conclave para eleger o bispo de Roma que será o 267.º Papa da Igreja Católica. Os cardeais eleitores – com menos de 80 anos – oriundos de 70 países formam o colégio cardinalício com maior diversidade desde sempre. Estiveram representados 52 países em 2005 e 48 em 2013, pelo que é muito difícil prever quem será o próximo Papa.

As informações que vão chegando do Vaticano dizem que os cardeais estão empenhados em escolher alguém que dê continuidade às reformas introduzidas por Francisco e ao dinamismo sinodal por ele suscitado na vida da Igreja. Nas congregações gerais – as reuniões com todos os cardeais que antecedem o conclave – foi referido o desejo de muitos participantes que “o próximo Papa tenha um espírito profético, capaz de guiar uma Igreja que não se feche sobre si própria, que saiba sair e levar a luz a um Mundo sem esperança”, segundo um comunicado de imprensa da Santa Sé.

Procura-se um Papa que prossiga, em termos bergoglianos, a promoção de uma “Igreja em saída”. Bergoglio já dizia em Buenos Aires que preferia “uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (Evangelii Gaudium, n.º 49).

Poderá acontecer que um cardeal claramente alinhado com Francisco não consiga obter os dois terços necessários de votos. Então os cardeais terão de encontrar alguém que, ainda que mais moderado, garanta a consolidação do caminho iniciado pelo antecessor.

Caso seja eleito alguém que procure travar os processos lançados por Francisco, isso significará um retrocesso no dinamismo que ele promoveu na Igreja. Nesse caso, os cardeais escolhidos por Bergoglio (108 dos 133 eleitores) estariam desalinhados com o pensamento de quem os nomeou. Tudo indica que tal não acontecerá.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

No funeral, os últimos foram os primeiros

Os pobres na escadaria de S. Maria Maior à espera do Papa
Os últimos a despedirem-se do Papa Francisco foram um grupo de quarenta pessoas entre os quais migrantes, sem-abrigo, reclusos ou transsexuais, em representação daqueles que tiveram sempre o primeiro lugar no coração de Francisco: os mais pobres. Acolheram os restos mortais do Papa na escadaria da Basílica de S. Maria Maior e acompanharam-nos até ao túmulo.

Foram eles que ditaram a escolha do nome Francisco. Dias após a sua eleição, ele próprio revelou aos jornalistas que o cardeal brasileiro Cláudio Hummes lhe tinha recomendado que não esquecesse os pobres. Foi isso que o levou a escolher o nome do “Poverello de Assis”.

Contudo, mais importante do que a escolha do nome, foi a sua reiterada opção preferencial pelos mais pobres, aos quais sempre dedicou particular atenção. Se há palavras que caracterizam o seu pontificado, são as das denúncias das situações em que tantos homens e mulheres foram descartados pela sociedade.

A esta prioridade ficou intimamente ligado um conceito que ele repetiu muitas vezes: as periferias existenciais e geográficas. Francisco procurou sempre incluir e aproximar-se daqueles que estavam mais distantes. Ao ponto de, na Evangelii Gaudium, a sua Exortação Apostólica programática, pedir uma “Igreja em saída” que vá ao encontro daqueles que andam longe, que se antecipe às necessidades de todos. Introduziu mesmo um neologismo: “primeiriar”.

A “guarda de honra” que acompanhou o caixão foi uma ideia de D. Benoni Ambarus, delegado para sector da caridade do episcopado italiano. Foi acolhida por quem organizou o funeral porque traduziu bem aquela que foi a preocupação do Papa até ao fim do seu Pontificado: que os últimos fossem os primeiros. Do funeral para a práxis dos pastores, que estes primeiros o continuem a ser na atenção e nas iniciativas eclesiais.

quarta-feira, 23 de abril de 2025

Francisco despojado na vida e na morte

O Papa Francisco procurou exercer a liderança da Igreja Católica com uma simplicidade e proximidade que surpreendeu e fascinou muitos crentes e não crentes.

Na sua primeira aparição pública após a eleição, na varanda de S. Pedro, o novo Papa surgiu sem os vermelhos da romeira e estola pontifícia, previstos pelo protocolo, envergando apenas as vestes brancas papais. Apresentou-se como “bispo de Roma”, perante a multidão que o aclamava. Depois, no Anuário Pontifício, determinou que aparecesse apenas como “Francisco, bispo de Roma”. Todos os títulos históricos, como o de Sumo Pontífice, ficaram relegados para outra página. 

Desde o início, Jorge Mario Bergoglio deu sinais claros de que preferia uma Igreja despida do supérfluo, da sumptuosidade, de tudo aquilo que complica o anúncio de um Jesus Cristo pobre e humilde. Já se sabia que pretendia ser sepultado na Basílica de S. Maria Maior, em Roma. Soube-se agora que deixou escrito que o “túmulo deve ser no chão; simples, sem decoração especial e com uma única inscrição: Franciscus”. Determinou também que se localizasse num corredor lateral, próximo do altar onde se encontra o ícone bizantino “Salus Populi Romani” (Protetora do Povo Romano), no qual é representada a Virgem Maria com o Menino Jesus ao colo. 

Diante dessa imagem rezou muitas vezes quando era cardeal. Como Papa, antes de todas as viagens, ali se deslocava para invocar a proteção da Virgem Maria. No regresso, passava por lá para lhe agradecer “o dócil e materno cuidado”, como refere no testamento agora revelado. 

As disposições testamentárias de Francisco para a sua sepultura confirmam o desprendimento com que surpreendeu o Mundo no início do Pontificado. Um despojamento que caracterizou estes 12 anos em que calçou as Sandálias do Pescador e que perdurará para além da sua morte.

terça-feira, 22 de abril de 2025

A Igreja precisa de um Paulo VII

Papa Francisco no dia da sua eleição (13/03/2013)
Com a morte do Papa Francisco é mais uma voz que se cala na defesa dos mais pobres, dos refugiados, daqueles que são estigmatizados mesmo dentro da Igreja. Cala-se uma voz que teve a coragem de denunciar uma “economia que mata” e a insanidade da guerra.

As últimas palavras proclamadas em seu nome na bênção Urbi et Orbi, domingo no Vaticano, acabariam por ser o último grito de condenação da “corrida generalizada ao armamento” e em defesa da paz: “Apelo a todos os que, no Mundo, têm responsabilidades políticas para que não cedam à lógica do medo que fecha, mas usem os recursos disponíveis para ajudar os necessitados, combater a fome e promover iniciativas que favoreçam o desenvolvimento. Estas são as ‘armas’ da paz: aquelas que constroem o futuro, em vez de espalhar morte!”

Em contra corrente com o que acontece no Mundo, o Papa denunciou que “não é possível haver paz onde não há liberdade religiosa, ou onde não há liberdade de pensamento nem de expressão, nem respeito pela opinião dos outros”.

Antes, num Mundo envolto em incertezas, o Papa convocou a Igreja para o Jubileu da Esperança. É esta precisamente a palavra que dá título à sua autobiografia recente, na qual ele, humildemente, se assume como “apenas um passo” na caminhada da Igreja.

Na verdade Francisco não foi apenas mais um passo – mas foi o primeiro passo na renovação da Igreja em muitos âmbitos. Nomeou cardeais, por exemplo, em países que nunca tinham sido agraciados com essa distinção. Confiou a mulheres cargos que tradicionalmente eram entregues a clérigos. O Sínodo dos Bispos deixou de ser exclusivamente clerical, em que se ratificavam as ideias do Papa, para se converter na oportunidade de escutar todos e acolher as suas sugestões para a reforma da Igreja.

Um dos maiores desafios que o Papa deixa à Igreja é, precisamente, dar continuidade à renovação sinodal em que ele tanto se empenhou até aos últimos dias de vida. Foi a partir do hospital, há pouco mais de um mês, que convocou uma assembleia de toda a Igreja Católica para outubro de 2028.

Espera-se que o seu sucessor incremente este dinamismo na Igreja. Da mesma forma que Paulo VI não deixou que se travasse o impulso reformista do Concílio Vaticano II convocado por João XXIII, a Igreja precisa agora de um “Paulo VII” que assuma e institucionalize a dinâmica sinodal introduzida por Francisco.

O Papa Francisco lançou processos em ordem a uma “Igreja em saída”, que reclama pastores com “cheiro a ovelhas”. Compete ao seu sucessor consolidá-los e torná-los irreversíveis.


quarta-feira, 16 de abril de 2025

Um relato da Ressurreição pouco eficaz

Aparição de Jesus Cristo a Maria Madalena, de Alexander Andreyevich Ivanov (1835)
Os discípulos de Jesus acreditaram que ele os libertaria do domínio romano. Porém, ele acabou por ser sentenciado à morte na cruz por esse mesmo poder. Na manhã de Páscoa, os apóstolos estão desiludidos e até regressam às suas anteriores ocupações: só quando se dá a Ressurreição eles fazem uma releitura dos acontecimentos que viveram e a sua vida transforma-se completamente. Agora, acreditam que nem o sofrimento nem a morte são a última palavra sobre a vida humana. E assumem a missão de o anunciar a todos.

É surpreendente a forma como os evangelistas relatam esse acontecimento que está na génese do cristianismo. São as mulheres as primeiras testemunhas da ressurreição! Não era a escolha útil para dar maior credibilidade aos seus relatos, dado que naquele tempo o seu testemunho nem era aceite pelos tribunais.

Deus, por seu lado, também não se esforçou em dar uma maior eficácia à Ressurreição. Em vez de aparecer a algumas mulheres e a um grupo de seguidores que se dispersaram às primeiras dificuldades, poderia ter aparecido a outras personagens que conferissem uma maior credibilidade ao ressuscitado. A Pilatos que o tinha interrogado, por exemplo, para lhe provar que afinal tinha mais poder do que ele pensava. Ou a Herodes, que para gozar com ele o cobriu com um manto. Ou então ao sumo sacerdote e aos fariseus, para verem quão viciado tinha sido o julgamento a que o submeteram.

Não foi essa, todavia, a forma de proceder do Deus de Jesus Cristo. Ele não se impõe, propõe-se. Respeita a liberdade humana de o acolher ou de o rejeitar. De aderir a um projeto de vida com sentido ou acomodar-se à ausência dele.

À Igreja compete hoje dar continuidade ao anúncio que fizeram as primeiras testemunhas da Ressurreição. Dar sentido à vida humana. Quando não o faz está a ser infiel à sua génese.

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Papa: um doente entre os doentes

Já se sabia que o Papa Francisco se faria representar este domingo no Jubileu dos enfermos e do mundo da saúde pelo arcebispo Rino Fisichella. Sabia-se, como vem sendo habitual neste período da convalescença do Papa, que seriam lidas as suas palavras dirigidas aos enfermos na homilia da missa.

Surpreendente foi o Papa ter aparecido em pessoa na Praça de S. Pedro, ainda que de cadeira de rodas e ligado ao oxigénio, para saudar os peregrinos e endereçar-lhes umas palavras, ainda que breves, de viva-voz: “Bom domingo a todos, muito obrigado”.

 Foi mais um enfermo no meio dos enfermos a celebrar o Jubileu da Esperança. Soube-se também que o Papa se confessou, rezou e passou pela Porta Santa, cumprindo assim os procedimentos propostos aos fiéis nas celebrações jubilares.

Na homilia os peregrinos já tinham ouvido as palavras do Papa expressando a sua solidariedade e proximidade aos enfermos. “Convosco, queridos irmãos e irmãs doentes, neste momento da minha vida, estou a partilhar muito: a experiência da enfermidade, de nos sentirmos frágeis, de depender dos outros em tantas coisas, de precisar de apoio”.

Nesta missa o Papa reconhecia que não é fácil acolher e aceitar a doença, mas considerou-a “uma escola na qual aprendemos todos os dias a amar e a deixarmo-nos amar, sem exigir nem recusar, sem lamentar nem desesperar, agradecidos a Deus e aos irmãos pelo bem que recebemos, abertos e confiantes no que ainda está para vir”.

O testemunho de Francisco ganha maior credibilidade porque é dito a partir da experiência que está a fazer da enfermidade. É sempre melhor ouvir os pastores falarem desde as suas vivências do que dos conhecimentos teóricos que porventura tenham acumulado ao longo da vida. Para aqueles que temos a obrigação de nos dirigir aos fiéis, é um desafio situarmo-nos aí quando falamos.

quarta-feira, 2 de abril de 2025

O Papa experimentou a angústia de morrer

 O Papa Francisco na varanda do Hospital Gemelli, quando teve alta.
O Papa Francisco correu perigo de vida. Na tarde de 28 de fevereiro, a sua situação agravou-se e soube que podia morrer. Pediu aos médicos que fizessem tudo para o salvarem, como revelou ao jornal italiano “Corriere della Sera” 
 Sergio Alfieri, médico do Papa. Foi a vontade de viver e a oração dos crentes que salvaram o Papa, diz este médico que o acompanhou no hospital Gemeli. “Acho que o facto de o mundo inteiro estar a rezar por ele também contribuiu para isso”, disse.

Há quem estranhe que os católicos se agarrem à vida, já que, como dizem, acreditam que vão para uma situação melhor junto de Deus. Porque não se deixam morrer, então?

A vida de S. Inácio de Loiola, fundador dos jesuítas, regista um diálogo com o Pe. Laynez que viria a sucedê-lo como Geral da Companhia de Jesus.

– Se Deus, pergunta Inácio, te propusesse ir agora mesmo para o céu, assegurando a tua salvação, ou continuar na terra a trabalhar para a sua glória, que escolherias?

– A primeira, sem dúvida, responde Laynez.

– Eu, a segunda hipótese, replica Inácio. Achas que Deus vai permitir a minha condenação aproveitando-se de uma prévia generosidade minha?

Tal como Inácio, de que é seguidor enquanto jesuíta, Jorge Mario Bergoglio habituou-se a ir à luta em vez de desistir e seguir o caminho mais cómodo e confortável. Neste momento particularmente difícil da sua vida, o Papa revestiu-se da determinação inaciana e fez tudo o que estava ao seu alcance para continuar a viver. Entregou-se nas mãos dos médicos que, por seu lado, utilizaram todos os medicamentos e terapias possíveis para lhe curar os pulmões, mesmo correndo riscos de danificar outros órgãos, como reconheceu Sergio Alfieri.

Graças à sua determinação, à dedicação dos médicos e, para o crente, à oração dos fiéis, Deus concedeu ao Papa mais algum tempo de vida.

(Texto publicado no Jornal de Notícias de 02/04/2025)

quarta-feira, 26 de março de 2025

As estatísticas valem o que valem

Nem tudo está tão mal na Igreja Católica como, por vezes, se quer fazer crer. Os dados estatísticos da Santa Sé, publicados há dias, revelam um aumento do número de católicos em todo o Mundo. Já ultrapassam os 1400 milhões, aumentaram quase 20 milhões no biénio de 2022-23, um crescimento de 1,15%. Confirma-se a tendência dos últimos anos.

Os dados revelam que os continentes onde mais cresce a população católica continuam a ser a África e a Ásia. Na Europa é onde se verifica o menor crescimento, fruto também da diminuição da população e do seu envelhecimento.

Em relação ao número de padres, verifica-se que este diminui ligeiramente: 0,2%. No final de 2023 eram 406 996, menos 734 que no ano anterior. Contudo, a diminuição dos padres não ocorreu em todos os continentes. Em África e na Ásia, tiveram aumentos de 2,7% e de 1,6%, respetivamente. Na Europa foi onde se verificou a maior quebra.

As estatísticas permitem muitas leituras. Para um cristão, nem os sucessos devem esmorecer o dinamismo missionário de contagiar outros com a Boa Nova, nem os insucessos são motivo de desânimo. A sua fé, aliás, apoia-se num fracasso que se converteu em vitória: a paixão, morte e ressurreição de Jesus, a qual voltaremos a celebrar dentro em breve.

Para a Igreja os insucessos constituirão sempre um desafio a ir mais longe, ou a inovar nos métodos. Foi o que aconteceu a Pedro: depois de uma noite sem nada pescar, Jesus disse-lhe para se fazer ao largo e deitar as redes para o outro lado.

Os períodos de sucesso também podem conter perigos e traições no seu seio. Veja-se o que sucedeu à Igreja quando, em tempos de cristandade, se deixou corromper pelo poder e pelas lógicas mundanas.

Os seguidores de Jesus não trabalham para as estatísticas. Mas, sendo elas um termómetro da sua ação no Mundo, não devem ser menosprezadas.

quarta-feira, 19 de março de 2025

Ouvir todos para o bem da Igreja

Completam-se hoje 12 anos sobre o início solene do ministério petrino do Papa Francisco, que vive uma etapa difícil do seu Pontificado. Na quinta-feira passada celebrou pela primeira vez o aniversário da sua eleição no hospital. “Estou a passar por um período de provação e uno-me a tantos irmãos e irmãs doentes: frágeis, neste momento, como eu”, reconheceu o Papa na mensagem que enviou do hospital para ser lida na oração do “Angelus” do último domingo.

Ainda que afastado de muitas das suas atividades pastorais, o Papa é “um exemplo de fé, esperança e resiliência, com o seu olhar de pastor sempre voltado para o rebanho”, referiu há dias o vaticanista Salvatore Cernuzio. A partir do hospital, o Papa continua a garantir os atos essenciais de governo da Igreja e a acompanhar e a estimular a dinâmica sinodal por ele implementada na Igreja.

No sábado foi divulgada a sua última iniciativa para que o caminho sinodal continue. Convocou uma assembleia eclesial de toda a Igreja Católica para outubro de 2028 no Vaticano. Até lá, durante os próximos anos, a Secretaria do Sínodo deverá acompanhar e dinamizar as igrejas locais para que não esmoreça nem a reflexão, nem o debate, nem a procura de soluções para os problemas da Igreja.

Durante estes dias, fizeram-se muitas avaliações dos 12 anos de Francisco ao leme da barca de Pedro. Como é normal, vários consideram que o Papa avançou de mais em determinadas matérias, como o acolhimento dos divorciados. Outros, sentem que ainda se poderia ter ido mais longe em matérias como a ordenação das mulheres.

O Papa acredita numa Igreja que se deixa interpelar pelos desafios próprios de cada época. Que tem a preocupação de escutar a todos e acolher as opiniões de todos. Não para corresponder a todos os anseios, mas para discernir o melhor caminho para toda a Igreja.

quarta-feira, 12 de março de 2025

Colher a verdade onde se semeia a mentira

Chequeado, uma ONG argentina que verifica
a veracidade das informações que circulam na rede
Nem tudo o que vem à rede é peixe. Ou seja, nem tudo o que se publica na rede é verdade. Aliás, são cada vez mais as mentiras que se publicam e disseminam na Internet. Na semana passada chegou-me, através de um grupo numa rede social, uma suposta reflexão do Papa Francisco sobre os hospitais.

O tom e o estilo são de facto próximos daquilo a que nos habituou o Papa. O texto abria com a afirmação, a ele atribuída, de que “as paredes dos hospitais escutam orações mais autênticas que muitas igrejas”. Continuava com uma declaração provocatória, muito ao estilo de Francisco: “É no hospital onde se pode ver um homofóbico a ser salvo por um médico gay. Onde uma médica da classe alta salva a vida de um mendigo… Onde, na UCI, um judeu cuida de um racista…”

Não era referida nessa publicação onde Francisco teria proferido aquelas palavras. Fui pesquisar, para ter acesso ao texto original e à citação do tal discurso. Foi então que descobri que era falso graças a uma organização argentina, denominada “Chequeado”, uma organização não governamental, que se dedica a verificar a veracidade das informações que circulam na rede. A “Chequeado” acredita que, desta forma, contribui “para melhorar a qualidade do debate público” e “fortalecer o sistema democrático”.

Neste caso, a notícia falsa não parece à partida degradar o debate público, até dá a ideia que o eleva. Tal só sucederia se provocasse, como é habitual nas redes sociais, um debate soez entre os que perfilham teses racistas e homofóbicas e aqueles que se reveem nas afirmações atribuídas ao Papa. 

Embora a Internet, em geral, e as redes sociais, em particular, promovam a disseminação de notícias falsas, há cada vez mais instrumentos fiáveis para desmontar a falsidade de forma rápida e eficaz. É a esses instrumentos que se deve recorrer cada vez mais.